Independência sem povo
Autor(es): José Murilo de Carvalho |
O Globo - 10/09/2013 |
A celebração do 1919 aniversário da
Independência foi um espetáculo deprimente nas antiga e nova capitais do país.
Em Brasília, além de deprimente, o espetáculo foi melancólico. O escasso
público foi afastado das centenas de militares que desfilavam e das autoridades
da República pelas centenas de militares que protegiam o desfile. No Rio de
laneiro, além de deprimente, o espetáculo foi patético. Militares das Forças
Armadas desfilaram impassíveis isolados de algumas dezenas de manifestantes por
centenas de policiais militares, em meio à fumaça das bombas de efeito moral.
Que festa cívica é esta que tem que isolar o povo?
É verdade que a celebração do 7 de
setembro entre nós sempre foi uma festa para o povo, nunca uma festa do povo.
Nisso ela se aproxima mais da celebração da data nacional na antiga União
Soviética, marcada pela exibição de poderio militar, do que do 4 de julho
americano, uma festa integralmente popular. Entre nós, até os estudantes,
forçados a participar, tinham que marchar e no velho estilo de martelar o chão
com as solas dos sapatos. Este tipo de desfile nada tinha, e nada tem, a ver
com os fatos de nossa independência. Ela não se fez no 7 de setembro de 1822,
como quer o quadro famoso de Pedro Américo, no qual se exalta Dom Pedro, espada
erguida diante do séquito militar. Houve muito povo nos acontecimentos
anteriores e posteriores ao dia 7. Basta lembrar que Dom Pedro foi quase
constrangido a ficar no Brasil por um manifesto de 8 mil habitantes de uma
cidade de 150 mil, e que, dois dias depois, 10 mil pessoas se reuniram no Campo
de Santana para enfrentar, armas na mão, a Divisão Auxiliadora portuguesa,
afinal expulsa do país. Fora da capital, a independência custou sangue de
brasileiros na Bahia, no Maranhão, no Piauí, no Pará. Nossa emancipação é mais
adequadamente representada na fantasia do quadro de François-René Moreaux, de
1844, que mostra Dom Pedro no meio do povo erguendo o chapéu. Ou mesmo no
quadro de Debret sobre a aclamação do imperador em 12 de outubro de 1822, onde
ele aparece em uma janela sendo ovacionado pelo povo.
Depois das jornadas de junho deste ano,
quando o povo invadiu em massa as ruas de nossas cidades reclamando da exclusão
política, não faz mais sentido, se alguma vez o tenha feito, excluí-lo da
participação nesta que é a maior festa cívica nacional. É preciso trazer o povo
de volta à festa de uma Independência que ele ajudou a fazer, alterando radicalmente
a natureza do evento. Para além da festa, e como requisito, é também
indispensável trazer todo esse mesmo povo para dentro da República.
Excelente agenda para preparar o segundo centenário da Independência, daqui a nove
anos.
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