Capitanias sobre rodas
A presidente Dilma Rousseff acaba de perpetuar um desses atavismos. Ao sancionar a medida provisória 615, consagrou nacionalmente o direito de taxistas de transferir a herdeiros suas outorgas para exploração desse serviço público.
A regra hereditária já vigora em mais de uma cidade, a começar por São Paulo, onde lei municipal de 1969 garante o direito de sucessão. O privilégio dos cerca de 34 mil taxistas paulistanos passa a valer para todos os quase 600 mil colegas espalhados pelo Brasil.
A presidente, que vetara dispositivos semelhantes por duas vezes, sucumbiu às pressões da corporação e dos seus representantes parlamentares, como os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ).
Dilma justificou-se dizendo que reconheceu um direito de sucessão, não uma transferência de permissão. Essa filigrana jurídica não muda o fato de que uma iniquidade fundamental macula essa praxe.
Parece óbvio que nenhuma cidade pode conviver com um número ilimitado de táxis. Por isso a quantidade de concessionários do serviço é regulada em toda parte. Como sempre haverá mais interessados do que vagas, sortear ou licitar as licenças seriam as melhores maneiras de atender ao princípio republicano da impessoalidade.
Na prática, os alvarás se transformam em propriedade privada. São negociados num mercado irregular em que uma licença pode custar centenas de milhares de reais. O bem público gera ganhos privados que vão muito além da remuneração pelo serviço prestado.
A hereditariedade é só um corolário dessa lógica perversa. Alega-se que a regra serve para não deixar a família do taxista no desamparo em caso de morte do titular --como se essa não fosse uma contingência a que estão sujeitos os dependentes de qualquer profissional.
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