http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,para-eleger-vereadora-milicia-mata-7-em-comunidade-do-rio,1084789,0.htm
Para eleger vereadora,
milícia mata 7 em comunidade do Rio
Objetivo era fingir ataque de traficantes, espalhar
medo na favela e, assim, reconquistar apoio no Morro do Barbante
12 de
outubro de 2013 | 16h 00
O Estado
de S. Paulo
Na noite
de 19 de agosto de 2008, 17 homens encapuzados entraram atirando na comunidade
do Barbante, em Campo Grande, zona oeste do Rio, e mataram aleatoriamente sete
moradores que cruzaram seu caminho. O que, de início, parecia mais uma ação de
terror orquestrada por traficantes mostrou, após as investigações da Polícia
Civil, tratar-se de uma chacina de intenção meramente eleitoral – o massacre
foi efetuado por um grupo de policiais, bombeiros e ex-militares integrantes de
uma milícia.
O grupo
forjara uma ofensiva de traficantes para causar medo e reconquistar o apoio
perdido na comunidade e eleger a candidata a vereador Carmen Glória Guinâncio
Guimarães, a Carminha Jerominho, do PT do B. Outras cinco testemunhas da
chacina foram mortas depois pelo mesmo bando.
A milícia
se sustentava na região com os serviços de segurança privada, transporte
coletivo irregular, gás, máquinas caça-níquel e a instalação da
"gatonet", como são conhecidas as ligações clandestinas de TV a cabo.
Um dos
encapuzados, segundo a Polícia Civil, era o ex-policial militar Luciano Guimarães,
irmão de Carminha Jerominho, filho do vereador Jerominho Guimarães (PMDB) e
sobrinho do ex-deputado estadual Natalino Guimarães (DEM), todos chefes de
milícias.
‘Liga da
Justiça’. A 30 dias
das eleições, os quatro membros da organização que se intitulava "Liga da
Justiça" foram presos. O grupo usava como símbolo o morcego, numa alusão a
Batman, o personagem da história em quadrinhos.
Carminha
Jerominho foi acusada de coação eleitoral. Da cadeia de segurança máxima de
Catanduvas, no Paraná, ela foi eleita com 22 mil votos. O pai, o tio e o irmão
ainda estão presos, acusados de formação de quadrilha e homicídio.
Carminha
foi solta duas semanas depois de conquistar a cadeira de vereadora. A defesa
alegou que o fim do processo eleitoral extinguia possíveis constrangimentos de
eleitores. Ela cumpriu seis meses de mandato até ser cassada.
O
Tribunal Regional Eleitoral (TRE) alegou que Carminha arrecadou recursos para a
campanha antes do prazo permitido. Em 2011, ela conseguiu liminar e voltou ao
cargo. Os 6 mil votos recebidos na disputa do ano passado, porém, não lhe
garantiram a reeleição.
As
vítimas da chacina não tinham ligação com o tráfico na comunidade do Barbante –
apenas tiveram a infelicidade de estar no lugar errado, na hora errada. O
funcionário da Caixa Econômica Federal Dario Leoneza, 60 anos, foi um dos
mortos no ataque. Morador do bairro Paciência, Dario estava no Morro do
Barbante para visitar amigos. Anos antes, perdera a mulher, Lúcia, vítima de
câncer.
Dario
criava cinco filhos, incluindo os que nasceram fora do casamento. Ele vivia a
expectativa de uma aposentadoria. Era um homem extrovertido, torcedor do
Flamengo e frequentador assíduo de pagodes. "Foi um homem que só deixou
boas lembranças", diz a cunhada Gilcéia de Paula Leoneza.
Também
foram fuzilados pelos milicianos o padeiro Ariovaldo da Silva Nunes, de 37
anos, o motorista Bruno Sérgio Manhães Ayres Batista, 27, o comerciante
Francisco Rezende de Oliveira, 40, o estudante Maicon de Azevedo Portela, 23, e
duas pessoas que não foram identificadas pela polícia.
Testemunhas.
No
desenrolar das investigações, testemunhas do caso começaram a ser caçadas. Em
julho de 2009, Leonardo Baring Rodrigues foi assassinado na Vila do Céu, em
Cosmos. O irmão dele, Leandro, foi escoltado e com colete à prova de balas ao
enterro. Mas, no ano seguinte, Leandro também acabou sendo morto – os irmãos
foram os primeiros a identificar na ação os integrantes da milícia.
Em
seguida, o pai de Leonardo e Leandro, o ex-pracinha da Segunda Guerra Vicente
Rodrigues, de 89 anos, foi levado para um estaleiro desativado e executado pelo
bando. Também foram fuzilados a mulher e o cunhado de Vicente, Maria José e
Carlos Alberto Cardoso.
Interesses.
Carminha,
hoje com 35 anos, diz que os processos envolvendo a família são
"claramente políticos". Ela se defende com uma pergunta: "Alguém
conquista apoio de uma comunidade fazendo isso (massacre)?"
Ela
afirma que o ex-delegado federal Júlio Brasil, já falecido, que concorreu em
2008 a vereador, tinha interesse em "ajudar" a Polícia Civil. Brasil
não foi eleito. "Moro há 35 anos em Campo Grande, nasci aqui, minha
família é daqui. Meu tio ia jogar bomba na delegacia do próprio bairro?",
pergunta ela, referindo-se à denúncia de que Natalino Guimarães teria sido
autor de um atentado contra a 35.ª DP, que investigava a atuação das milícias.
No ano passado, Carminha denunciou outro grupo
de milícia que atua em Campo Grande por prejudicar sua campanha à reeleição.
Chegou a ser jurada de morte.
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