quarta-feira, 23 de outubro de 2013

LSN e o risco de retrocesso

O Globo, 23 de outubro de 2013.

Risco de retrocesso, por Rodrigo Ribeiro

Rodrigo Ribeiro, O Globo
Nos anos de chumbo, à sombra da ditadura militar, usava-se a Lei de Segurança Nacional para justificar as maiores atrocidades. Em nome da segurança nacional, direitos foram suprimidos, pessoas eram presas sem o devido processo legal e jovens eram torturados e mortos nos porões do regime.
Pois bem, recentemente, um delegado paulistano resolveu aplicar a Lei de Segurança Nacional contra dois manifestantes presos em baderna nas ruas de São Paulo. Baderna, sim. Não se pode chamar de manifestação o quebra-quebra, a arruaça.
Quem protesta quebrando bens públicos ou privados não manifesta insatisfação e não defende interesses legítimos; manifesta ira e selvageria. Para isso, servem como meios de punição a cadeia e o Código Penal Brasileiro, mas não a Lei de Segurança Nacional.


A Lei de Segurança Nacional, como bem diz o nome, serve para proteger os interesses brasileiros, a soberania nacional, o patrimônio público — enfim, o Brasil. Protege o Brasil contra as ameaças externas, ajuda a preservar as instituições, o estado democrático de direito e os chefes dos poderes da União.
Ora, os autointitulados black blocs teriam esse poder? Representam algum risco às instituições? A resposta é óbvia: claro que não.
São meninos e meninas que, extemporaneamente, propagam uma anarquia juvenil, com base em uma violência desarmada e desalmada. Desalmada porque fere a população, quebra telefones públicos, queima ônibus e destrói o comércio.
Poderiam ser enquadrados como bandidos em diversos artigos do Código Penal. Desta forma, responderiam legalmente pelos crimes cometidos, respeitando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Mas jamais na Lei de Segurança Nacional, que prevê a supressão das garantias constitucionais acima, cria um tribunal de exceção e ameaça a sociedade com a volta de tempos que gostaríamos de esquecer.
Em nome de uma suposta Segurança Nacional, os poderes constituídos da República fizeram o que fizeram. Por que não o fariam de novo? Esse é o enorme risco de aplicar a LSN aos jovens arruaceiros das recentes manifestações: ressuscitar um monstro morto e sepultado.
Sob as regras da Lei de Segurança Nacional, jovens idealistas, que defendiam a democracia, eram presos, torturados e mortos. Agora, no ano 2013, a polícia paulista quer aplicá-la contra baderneiros, que pretendem destruir a jovem democracia brasileira. Não podemos deixar.
Estes jovens atentam contra a democracia, mas em uma proporção muito menor do que uma lei que extingue direitos adquiridos após décadas de perseguição, abuso de poder e derramamento do sangue de pessoas que queriam transformar o país numa pátria democrática, no real sentido da palavra.

Rodrigo Ribeiro é advogado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário