Desafio brasileiro
Autor(es): Mário Cesar Flores |
O Estado de S. Paulo - 08/10/2013 |
Para começar, de origem histórica e grande hoje: 0 controle hegemônico do Estado pelo Executivo, que se vale da coopta-ção de partidos amorfos, menos preocupados com a homogeneidade de ideários (quando os têm...) e mais como arranjo político de participação no poder, por vezes abalado pela colisão de interesses - haja vista a PEC das emendas de parlamentares. Vale-se da forte presença direta , (empresas, bancos) do Estado j na economia e da cooptação do capital privado via protecionismo, contratos, estímulos e crédito. E se vale da cooptação do povo, apoiada ha propagação de meias-verdades ilusórias, no crédito ao consumo alucinógeno e em benefícios sociais que, mesmo se razoáveis, não raro são viciados na execução. Cenário dessa natureza é naturalmente aberto ao fascínio do messianismo. Em razão do nosso perfil social, mais do messianismo populista, com suas imagens beatificadas, propalado como democrático porque o titular do Executivo é eleito. Seu discurso libertário procura maquiar restrições à democracia, a exemplo da "democratização das comunicações", álibi para o controle da mídia ao estilo da Venezuela bolivariana e da Argentina kirchneriana, até agora contido no Brasil. Perón, Chá-vez e Lula são casos relevantes de rendição ao fascínio. Getúlio Vargas e Jânio Quadros também eram messiânicos e populistas - Getúlio, autoritário assumido, na onda então em moda e Jânio apoiado mais na classe média. Complemento natural desse cenário: o processo eleitoral produtor de configuração de poder político em que parte ponderável dos eleitos é movida por objetivos paroquiais eleitorei-ros e vê no sucesso eleitoral um alvará paraaprática depatrimo-nialismo e clientelismo. "O negócio é se eleger e se abancar, depois se vê o que se pode fazer, conforme a necessidade e a serventia para a permanência no poder" (João Ubaldo Ribeiro). Nossa organização político-administrativa é coerente com o quadro: Federação política ideal cerceada na realidade pela concentração da receita pública na União (típica do autoritarismo de direita e esquerda). Realidade que sujeita os Estados ao apoio federal até para o cumprimento de responsabilidades estaduais: governadores que a lógica política os faria oposição se veem compelidos à moderação ambígua, para evitar o sufoco de seus governos. A solução adequada ao Brasil grande e diversificado implica a revisão da Federação, a conciliação entre a ordem política e seú suporte regime de 1964 e ficção federativa nos períodos republicanos democráticos. Esse paradigma político-administrativo sugere analogia com o mexicano recente: Estado nacional onipotente, presidencialismo imperial (sem reeleição...) e arranjo de apoio partidário simulacro (embora com tropeços) do protagônico Partido Revolucionário Institucional (PRI) - e da nossa Arena - na simbiose Estado-partido, casta político-burocrática privilegiada e aliança do sistema político com sindicatos e o capital, em que interesse e arrivismo superam as ideias. Aestruturapolíticae administrativa e seu funcionamento aquém do conveniente (condescendência semântica...) dificultam a correção das mazelas nacionais: corrupção epidêmica, irresponsabilidade fiscal, inflação, tributação elevada sem retomo correspondente, inffaes-trutura logística e sistemas de saúde e educação precários, serviço público maculado pela incompetência, venalidade, lotea-mento de cargos (influente na incompetência e na venalidade) e greves agressivas ao povo, economia demasiado estatizada e (capital privado) caudatária do poder público, declínio da indústria no PIB, fracasso de projetos 1 grandiosos e já chegando ao paroxismo, a pandemia da criminalidade, violência e desordem. Nos anos 1990 até início dos 2000 ocorreram impulsos (incompletos) de correção, mas desde então o avanço cessou. Consequência: risco de demérito da democracia e de inquietação e desesperança que, paradoxalmente, no nosso quadro social vulnerável à ilusão, tende à isedução pelas fantasias do populismo. E não se percebem sintomas de melhora, ao contrário: nos últimos decênios a publicidade veiculada pela tecnologia audiovisual moderna, que dispensa ler e pensar, vem estimulando a banalização da política e a deterioração de sua qualidade. Surpreendentemente, apesar do panorama sombrio, o País cresce, no impulso do "impávido colosso" e do "gigante pela própria natureza", do Hino Nacional. Mas cresceria com menos embaraços e maior velocidade se mais bem conduzido. Frustrações e a sensação de insuficiência já transparecem nas manifestações de protesto - até agora mais da classe média e do proletariado de classe média baixa, com grande parte do povo ainda anestesiada pela demagogia ilusória. Seus motivos circunstanciais, por vezes ilógicos e irrealistas (tarifa zero...) ou irracionais (sem saber "contra o que ou quem", "contra tudo e todos", o vandalismo criminoso depredando bancos...), são confusa e inconscientemente reflexos de insatisfação generalizada. Manifestações de protesto indicam apenas o ânimo difuso do povo. Na democracia, gritos, faixas (e máscaras...) não consertam o País, não substituem a eleição. A negação abstrata refletida nas manifestações é inócua sem seu complemento, a afirmação concreta e decisiva expressa no voto ponderado e consciente, que imprima melhor qualidade à política. Essa solução - a única sem trauma político - é um desafio brasileiro hoje. |
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