Tema em discussão
Nossa opinião
Resultado é o oposto
O
termo sugere um tratamento especial, VIP, para a casta de políticos e
autoridades. É provável que, por isso mesmo, a revogação do chamado
"foro privilegiado" tenha entrado em alguma das "agendas positivas" que o
Congresso formulou às pressas, para atender à onda de manifestações de
rua em que o combate à corrupção e, em sentido amplo, a privilégios na
vida pública foi uma das bandeiras.
Infelizmente,
como quase sempre, o senso comum erra ao considerar o foro privilegiado
um instrumento a serviço da impunidade, um dos graves males do país.
Pois é o oposto.
Inevitável
lembrar, neste debate, que o primeiro movimento feito pela defesa de
mensaleiros no julgamento do Supremo foi pedir a transferência para a
primeira instância dos processos de seus clientes não enquadrados
formalmente no foro privilegiado.
A
intenção era evidente: apostar na prescrição dos crimes. Uma aposta com
cem por cento de possibilidade de acerto, dada a conhecida e resistente
característica de lentidão e burocracia do Judiciário - apesar da
atuação do Conselho Nacional de Justiça contra o atravancamento da
máquina dos tribunais, um mal a ser combatido não apenas com
aperfeiçoamentos legais, mas também aprimoramentos administrativos.
A
lerdeza da Justiça tanto é uma salvação para políticos e autoridades
que já houve quem renunciasse no Congresso para escapar do STF e poder
se beneficiar do longo, tortuoso e infindável trajeto entre a primeira
instância e a última.
Por
este motivo, a Lei da Ficha Limpa estabeleceu como parâmetro para a não
concessão de registro a candidatos uma condenação por colegiado, na
Justiça e na esfera administrativa. A lei acabou com a boia salva-vidas
do "transitado em julgado", ou seja, da última sentença. A que demora
tanto que poucas vezes é lavrada.
Também
beneficiados pela lentidão com que os processos tramitam, donos de
prontuários policiais e/ou volumosos e ricos registros no Judiciário
costumavam buscar proteção nas imunidades concedidas aos parlamentares. E
tinham sucesso - até a Ficha Limpa.
Acabar
com o foro privilegiado é colocar à disposição de políticos e
autoridades acusados de delitos este escudo poderoso da impunidade, por
meio da prescrição forçada pela demora na tramitação dos processos. É
certo que a Justiça precisa ser menos lenta, ganhar velocidade em suas
decisões, sem, óbvio, precarizar direitos. Mas, mesmo num Judiciário
eficiente, faz sentido o tratamento especial a representantes do poder
público.
Não
só por ser impossível protegê-los de vendetas políticas engendradas na
Justiça e no Ministério Público, mas também porque a rapidez nos
julgamentos - claro, garantido o direito pleno de defesa - de qualquer
agente público, dos três poderes, é básica para impedir o corrosivo
sentimento de impunidade, incentivo infalível à criminalidade
continuada.
Outra opinião
Fé nas instituições :: Paulo Henrique dos Santos Lucon
Ninguém
nega que o fim do "foro privilegiado" ou foro por prerrogativa de
função é tema dos mais polêmicos, tanto para a comunidade jurídica como
para os leigos. São basicamente duas as linhas de raciocínio que vêm
sendo usadas para justificar a continuidade do foro privilegiado: de um
lado, o "foro privilegiado" evita perseguições locais exacerbadas; de
outro, prestigia a celeridade do julgamento. Nesse particular, no caso
"Mensalão", por exemplo, seria difícil imaginar vários graus de
jurisdição, já que muitos dos réus seriam certamente beneficiados pela
demora. Contudo, como se percebe, as críticas dirigidas ao fim do foro
por prerrogativa de função partem de distorções do sistema.
Por
esse entendimento, atribuir o julgamento aos tribunais superiores
diretamente evitaria perseguições locais e liminares disparatadas,
justamente porque parte-se da falsa ideia de que os juízes de primeira
instância não são confiáveis por não serem honestos ou preparados. Para a
comprovação desse pensamento seria necessário um estudo estatístico do
número de decisões que confirmam ou reformam as decisões de primeira
instância. Todavia, até prova em contrário, devemos confiar nas nossas
instituições e na qualidade das decisões. Se os magistrados não proferem
decisões satisfatórias, é preciso cobrar idoneidade nas corregedorias e
no CNJ, bem como investir na melhoria da gestão dos processos e no
aprimoramento técnico dos juízes e demais auxiliares com cursos
permanentes de atualização. Ao mesmo tempo, é necessário garantir um
mecanismo recursal célere de correção. O sistema judicial brasileiro
serve-se em demasia do instituto da prescrição e caracteriza-se pela
demora. Essas seriam a base de outra justificativa para a manutenção do
"foro privilegiado": com um julgamento havido em única instância, menor
seria a possibilidade de utilização de recursos abusivos, e isso
garantiria a aplicação da lei em menor espaço de tempo.
Esse
pensamento parte igualmente de uma distorção. Se tivéssemos uma Justiça
célere, com juízes de todos os graus de jurisdição menos
sobrecarregados com tantos processos, tal raciocínio, certamente, cairia
por terra. Percebe-se, então, que a solução está na efetivação do
direito a um julgamento ágil, sem dilações indevidas, e com qualidade. E
a busca por tal qualidade está ligada à observância do duplo grau de
jurisdição e ao aprimoramento de mecanismos para correções de erros e
abusos.
O
exercício do direito de defesa é dimensão fundamental do devido
processo legal. Se não é possível tapar o sol com a peneira, da mesma
forma não são corrigidas distorções com institutos como o "foro
privilegiado", que não prestigiam a qualidade nos julgamentos e
desrespeitam princípios e regras tão caros ao direito processual
constitucional.
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