terça-feira, 13 de agosto de 2013

Tentando justificar mais um privilégio

Tema em discussão: Foro jurídico privilegiado
12 Ago 2013
Tema em discussão

Nossa opinião
Resultado é o oposto
O termo sugere um tratamento especial, VIP, para a casta de políticos e autoridades. É provável que, por isso mesmo, a revogação do chamado "foro privilegiado" tenha entrado em alguma das "agendas positivas" que o Congresso formulou às pressas, para atender à onda de manifestações de rua em que o combate à corrupção e, em sentido amplo, a privilégios na vida pública foi uma das bandeiras.
Infelizmente, como quase sempre, o senso comum erra ao considerar o foro privilegiado um instrumento a serviço da impunidade, um dos graves males do país. Pois é o oposto.
Inevitável lembrar, neste debate, que o primeiro movimento feito pela defesa de mensaleiros no julgamento do Supremo foi pedir a transferência para a primeira instância dos processos de seus clientes não enquadrados formalmente no foro privilegiado.
A intenção era evidente: apostar na prescrição dos crimes. Uma aposta com cem por cento de possibilidade de acerto, dada a conhecida e resistente característica de lentidão e burocracia do Judiciário - apesar da atuação do Conselho Nacional de Justiça contra o atravancamento da máquina dos tribunais, um mal a ser combatido não apenas com aperfeiçoamentos legais, mas também aprimoramentos administrativos.
A lerdeza da Justiça tanto é uma salvação para políticos e autoridades que já houve quem renunciasse no Congresso para escapar do STF e poder se beneficiar do longo, tortuoso e infindável trajeto entre a primeira instância e a última.
Por este motivo, a Lei da Ficha Limpa estabeleceu como parâmetro para a não concessão de registro a candidatos uma condenação por colegiado, na Justiça e na esfera administrativa. A lei acabou com a boia salva-vidas do "transitado em julgado", ou seja, da última sentença. A que demora tanto que poucas vezes é lavrada.
Também beneficiados pela lentidão com que os processos tramitam, donos de prontuários policiais e/ou volumosos e ricos registros no Judiciário costumavam buscar proteção nas imunidades concedidas aos parlamentares. E tinham sucesso - até a Ficha Limpa.
Acabar com o foro privilegiado é colocar à disposição de políticos e autoridades acusados de delitos este escudo poderoso da impunidade, por meio da prescrição forçada pela demora na tramitação dos processos. É certo que a Justiça precisa ser menos lenta, ganhar velocidade em suas decisões, sem, óbvio, precarizar direitos. Mas, mesmo num Judiciário eficiente, faz sentido o tratamento especial a representantes do poder público.
Não só por ser impossível protegê-los de vendetas políticas engendradas na Justiça e no Ministério Público, mas também porque a rapidez nos julgamentos - claro, garantido o direito pleno de defesa - de qualquer agente público, dos três poderes, é básica para impedir o corrosivo sentimento de impunidade, incentivo infalível à criminalidade continuada.

Outra opinião
Fé nas instituições :: Paulo Henrique dos Santos Lucon
Ninguém nega que o fim do "foro privilegiado" ou foro por prerrogativa de função é tema dos mais polêmicos, tanto para a comunidade jurídica como para os leigos. São basicamente duas as linhas de raciocínio que vêm sendo usadas para justificar a continuidade do foro privilegiado: de um lado, o "foro privilegiado" evita perseguições locais exacerbadas; de outro, prestigia a celeridade do julgamento. Nesse particular, no caso "Mensalão", por exemplo, seria difícil imaginar vários graus de jurisdição, já que muitos dos réus seriam certamente beneficiados pela demora. Contudo, como se percebe, as críticas dirigidas ao fim do foro por prerrogativa de função partem de distorções do sistema.
Por esse entendimento, atribuir o julgamento aos tribunais superiores diretamente evitaria perseguições locais e liminares disparatadas, justamente porque parte-se da falsa ideia de que os juízes de primeira instância não são confiáveis por não serem honestos ou preparados. Para a comprovação desse pensamento seria necessário um estudo estatístico do número de decisões que confirmam ou reformam as decisões de primeira instância. Todavia, até prova em contrário, devemos confiar nas nossas instituições e na qualidade das decisões. Se os magistrados não proferem decisões satisfatórias, é preciso cobrar idoneidade nas corregedorias e no CNJ, bem como investir na melhoria da gestão dos processos e no aprimoramento técnico dos juízes e demais auxiliares com cursos permanentes de atualização. Ao mesmo tempo, é necessário garantir um mecanismo recursal célere de correção. O sistema judicial brasileiro serve-se em demasia do instituto da prescrição e caracteriza-se pela demora. Essas seriam a base de outra justificativa para a manutenção do "foro privilegiado": com um julgamento havido em única instância, menor seria a possibilidade de utilização de recursos abusivos, e isso garantiria a aplicação da lei em menor espaço de tempo.
Esse pensamento parte igualmente de uma distorção. Se tivéssemos uma Justiça célere, com juízes de todos os graus de jurisdição menos sobrecarregados com tantos processos, tal raciocínio, certamente, cairia por terra. Percebe-se, então, que a solução está na efetivação do direito a um julgamento ágil, sem dilações indevidas, e com qualidade. E a busca por tal qualidade está ligada à observância do duplo grau de jurisdição e ao aprimoramento de mecanismos para correções de erros e abusos.
O exercício do direito de defesa é dimensão fundamental do devido processo legal. Se não é possível tapar o sol com a peneira, da mesma forma não são corrigidas distorções com institutos como o "foro privilegiado", que não prestigiam a qualidade nos julgamentos e desrespeitam princípios e regras tão caros ao direito processual constitucional.


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