Poderes tirânicos do Brasil
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17 Ago 2013
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Roberto Romano
No
governo tirânico o governante, "ao pisar as leis da natureza, abusa da
liberdade dos governados, como se eles fossem escravo? e dos bens
alheios como dos seus" (Jean Bodin, Os Seis Livros da República). Já
vimos de tudo na vida política brasileira. O mais comum é o uso, pelos
que operam o Estado, das coisas públicas em proveito próprio. Tais
grupos e indivíduos cabem na definição do tirano formulada por Jean
Bodin. Eles enriquecem às expensas do erário porque são blindados por
normas ilegítimas e perversas se vistas sob o ângulo ético. Nada que
discrepe dos juízos emitidos no Sermão do Bom ladrão: "Se o alheio, que
se tomou ou retém, se pode restituir, e não se restitui, a penitência
deste e dos outros pecados não é verdadeira penitência, senão simulada e
fingida, porque se não perdoa o pecado sem restituir o roubado". Bom
Vieira, colega jesuíta do papa Francisco! Ele teria na conta de réprobos
o maior número dos que exerceram, exercem e com muita probabilidade
exercerão cargos públicos no Brasil.
Até
hoje, no entanto, era inédito que um Poder, não grupos que indivíduos,
se apropriasse indevidamente de um bem que pertence ao povo soberano (se
tal expressão tem sentido no país em que sobrevivemos). Não conforta o
recuo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no convênio com a Serasa para
repassar informações da cidadania em troca de benefícios para seus
funcionários. A identidade cidadã é destinada aos ritos da República
democrática, o dever do voto. O TSE não é dono daquele bem e não tem
direito algum de o alienar. Como semelhante golpe de Estado chegou ao
Diário Oficial? Difícil aceitar que as autoridades daquele Poder nada
soubessem sobre o trato que privatiza a cidadania.
Quando
a população sai às ruas e mostra inconformismo com a arbitrária
condução dos assuntos oficiais, os Poderes tuV do fazem para aumentar a
descrença e o esmigalhamento da fé pública. Parlamentares e governadores
usam bens coletivos como se fossem prerrogativa do cargo, mas alguém no
Senado prorrompe em falas oraculares e dogmatiza que a ética é
subjetiva. Atentados similares ocorrem em todos os níveis e negam o
essencial: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência".
Se
o descalabro chega a tal ponto na instituição que deve dar-nos
segurança e justiça, no Legislativo o desconforto não é menor. Em
recente pesquisa de opinião o Congresso tomba no franco desprezo dos que
pagam impostos e não têm licenças principescas como a de foro, o
privilégio de hospitalização à custa do contribuinte, casa, automóvel e
outras benesses ignoradas em todos os países democráticos. A cada
legislatura nova os eleitos esmiga-lham as esperanças neles depositadas.
A qualidade da representação piora, sem que se vislumbre saída prudente
para o impasse do Parlamento.
O
Executivo, embora acuado, dispõe do cofre para distribuir favores aos
amigos, pão e água para a oposição. E legisla, usurpa impune atribuições
dos demais Poderes. Ele move a propaganda sistemática, consegue
reverter a péssima situação.
Parlamentares
cavam a sepultura do regime atual. Estudos sobre esse tema não faltam
em que se encontra. Até onde? Até quando? Até que o atual regime
constitucional seja abolido em seu proveito? O fato não seria raro na
História do Brasil. Basta recordar as ditaduras do século 20 que
reduziram o Judiciário e o Legislativo ao silêncio e à insignificância.
Quando
os liberais defenderam o sistema parlamentar, "imaginavam ter nele um
método de escolha política de dirigentes, um caminho seguro para afastar
o diletantismo político e permitir o acesso só dos melhores e mais
competentes à direção política. Tornou-se muito duvidosa a real
competência do parlamento para formar uma elite política. Hoje em dia
não somos mais tão otimistas a respeito desse instrumento de seleção;
muitos já encaravam essa expectativas como obsoletas, e a palavra
"ilusão" poderia facilmente aplicar-se a certos democratas. As centenas
de ministros constantemente apresentados como elite política pelos
inúmeros parlamentos não justificam nenhum otimismo. Mas o que é pior, e
desfaz qualquer esperança, é que o sistema parlamentar conseguiu
transformar todas as questões públicas em objeto de cobiça e de
compromisso dos partidos e dos agregados, e a política, longe de ser a
ocupação de uma elite, passou a ser a desprezível negociata de uma
desprezível classe de gente".
O
parágrafo acima não me pertence, mas ao jurista que mais colaborou para
o reforço absoluto do Executivo contra os deputados e senadores
alemães. Sim, os especialistas notaram que o trecho foi escrito por Carl
Schmitt (A Crise da Democracia Parlamentar). Se trocarmos a Alemanha
pré-nazis-ta pelo Brasil de agora, a tese de Schmitt sobre os
parlamentares permanece válida, para nossa melancolia. No país de
Getúlio Vargas e de Francisco Campos, de Filinto Müller e do AI-5, onde a
hegemonia do Executivo foi imposta a ferro e fogo, dói constatara
desmoralização dos legisladores. Mas eles não se emendam. A votação do
"orçamento impositivo" exemplifica o aceito de Carl Schmitt: destrói
qualquer orçamento sério no País, serve aos fins eleitoreiros dos
partidos e lideranças, sem preocupação com o Estado e a sociedade.
Os
parlamentares cavam a sepultura do regime atual. Estudos sobre o tema
não faltam. Em 2012 Fernando Bianchini, promotor de Justiça paulista,
defendeu ótima dissertação de mestrado intitulada A democracia
parlamentar na crítica de Carl Schmitt. Há inúmeros outros trabalhos
sobre o risco autoritário no País, mas nossos representantes não os
examinam, porque eles tomariam insuportável sua atuação como joguetes da
Presidência federativa ou lobistas de alto cotumo, sem cor republicana e
democrática.
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sábado, 17 de agosto de 2013
Poderes tirânicos do Brasil
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