O Globo, 23 de agosto de 2013.
O erro de esquecer
- O Comando Militar do Leste não parece perceber que a tropa de hoje não é herdeira da ditadura militar
ARTIGO - LUIZ GARCIA
O regime militar acabou há décadas, e não deixou saudades. Ou, pelo
menos, poucos se atrevem a defender aquele período de nossa história,
que começou com as melhores intenções e terminou desmoralizado por uma
condenação, generalizada ou quase isso, da opinião pública. Com o apoio
de boa parte dos militares.
Não há dúvida que muitos brasileiros,
principalmente os que usam farda, prefiram esquecer aquela parte de
nossa história. É um desejo até compreensível, mas, lamentavelmente, vai
de encontro a uma verdade antiga, que continua valendo: quem varre da
memória os seus erros, corre sério risco de repeti-los.
Isso vem a
propósito de um episódio destes dias. É uma divergência entre
autoridades militares e o Ministério Público Federal, apoiado pela
Comissão Estadual da Verdade. A briga é em torno de um prédio na Tijuca,
que pertence ao Exército e serviu, durante a ditadura militar, como
prisão e centro de torturas de inimigos do regime.
Os órgãos civis
pretendem transformá-lo numa espécie de centro de memória dos anos de
chumbo. Os militares se opõem ao projeto, com um argumento frouxo:
alegam que a Comissão da Verdade, por ser estadual, não pode se meter em
assunto da área federal. O defeito desse argumento é o fato que o
projeto é também do Ministério Público Federal.
Mas há um defeito
maior: o Comando Militar do Leste não parece perceber que está brigando
com uma iniciativa que não representa qualquer ofensa às autoridades
militares. Elas não são herdeiras da ditadura militar, assim como os
políticos de hoje não têm qualquer parentesco com aqueles que serviram
ao regime militar — e não foram poucos.
O projeto do centro de
memória tem mérito evidente, como diz o seu próprio nome. Um país que
tenta esquecer os dias negros de sua história — e não há aquele que não
os tem — corre sério risco de repeti-los. Há exemplos disso no mundo
inteiro. As lições do passado, tanto as boas como as ruins, são
inestimáveis.
Os militares brasileiros de hoje não têm qualquer
compromisso com a ditadura militar de décadas atrás. Muito pelo
contrário: é óbvia a sua dedicação ao regime democrático. Faz parte do
seu perfil, por isso mesmo, contribuir para que ninguém se esqueça de um
período de nossa história de que ninguém, fardado ou civil, deseja ver
repetido — nem esquecido.
Luiz Garcia é jornalista
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