Maria Helena Moreira Alves, 69, Cientista Política
Favela com UPP vive estado de exceção
Especialista afirma que cidades que receberão a Copa também vão suspender direitos constitucionais
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
As UPPs (Unidades de Polícia Pacificador) implantadas no Rio de Janeiro
são ocupações militares e significam um estado de exceção que ameaça a
democracia.
A avaliação é da cientista política Maria Helena Moreira Alves, 69, que lança no próximo dia 28, no Rio, "Vivendo no Fogo Cruzado", livro que traz um ácido relato sobre o cotidiano de violência policial nas favelas cariocas.
Doutora em ciência política pelo Massachusetts Institute of Tecnology (EUA) e professora aposentada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ela morou durante seis meses em três diferentes favelas entre 2007 e 2008. Ouviu moradores, lideranças, pesquisadores e políticos (como FHC, Lula e Cabral).
A obra, escrita com o professor de história Philip Evanson, defende mudanças no modelo policial. Na entrevista, ela fala de milícias, currais eleitorais e corrupção policial.
Folha - No seu livro a sra. fala do crescimento do número de desaparecidos no Rio. Por que o caso Amarildo galvanizou a opinião pública?
Maria Helena Moreira Alves - São 5.000 desaparecidos por ano. O caso Amarildo chama muita atenção porque a Rocinha foi uma espécie de vitrine do governo da pacificação. Colocaram a UPP, a Rocinha virou um ponto turístico. Em lugar estratégico, era o exemplo maior do sucesso da UPP. Mas a violência estava escondida.
O caso Amarildo e os ataques ao AfroReggae colocam em xeque a política de UPPs?
Terminamos o livro quando estavam começando as UPPs. Mas já dava para ver o que ia ser. O modelo da UPP não é o modelo da polícia comunitária. É uma invasão militar, com cerco da comunidade e permanente ocupação.
A UPP não tem apoio nas comunidades?
As comunidades estão começando a perder o medo. Quando estava pesquisando para o livro uma pessoa me disse: silêncio não quer dizer aprovação. Hoje há muita reação e comoção.
Onde há UPP existe um estado de exceção?
Existe um estado de exceção declarado. Isso não é interpretação, é fato. Vários direitos civis são suspensos. As pessoas são revistadas, a polícia entra e sai das casas como quer. Se suspeitam de alguém, levam embora, como foi o caso do Amarildo. Não existe direito a advogado. A polícia faz coisas que jamais faria em Ipanema, Copacabana e Leblon. Imagine o Bope chegando num apartamento no Leblon, arrombando a porta e entrando com metralhadora! É inimaginável na zona sul, mas acontece todos o dias nas regiões que estão sob as UPPs, que estão de baixo de um cerco militar. E é grave que esse modelo esteja sendo considerado para o país inteiro: a lei da Fifa vai declarar estado de exceção temporário em todas as cidades onde vai haver jogo. O estado de exceção quer dizer suspensão do direito constitucional. Isso foi o que foi feito na ditadura militar.
Não existe algo bom nas UPPs?
A ideia era o projeto do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que é excelente. Estabelecia policiais treinados para conviver com a comunidade, não seria militarizado, não teria arma letal. Sem "caveirão", sem metralhadora e sem fuzil. Junto existiriam programas sociais, culturais e de esporte, também de treinamento e capacitação para emprego. Ficou só a parte militar, o resto foi cortado.
No livro está dito que a maioria dos policiais do Rio é corrupta. Pode ser?
Não tenho a menor dúvida. Policiais honestos são ameaçados e dizem que têm mais medo dos colegas que do tráfico. Porque podem ser mortos por colegas, se não entram no esquema corrupto.
A corrupção piora ou melhora na gestão Sérgio Cabral?
Está chegando a um ponto absolutamente crítico. Porque agora tem uma junção de milícia com bandido e com o controle da polícia nas áreas. O comando da venda de gás, do "gatonet", das vans está sendo feito agora pelas milícias. São mais de 720 comunidades com milícia. Com as UPPs ficou muito fácil para as milícias se juntarem.
UPPs não afetaram o tráfico?
É difícil saber. Afetou o tráfico pequeno, que está ali presente. O grandão está fora da favela e continua funcionando inclusive pela junção com políticos. Está ficando muito parecido com a Colômbia; é esse o meu grande medo. Veja o caso da juíza Patrícia Acioli, que teve a coragem de prender PM. Foi assassinada ao meio dia. Isso acontecia na Colômbia com frequência.
No livro a sra. trata dos tentáculos do tráfico e das milícias na política. Como está isso?
Currais eleitorais são muito graves para a democracia. Já se infiltraram na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa, Congresso. Têm uma política de eleger pessoas e também formar para o Judiciário. Está ficando parecido com a Colômbia. Exemplo: tem milícia vinculada à polícia numa comunidade ocupada. Vem o programa social que requer o cadastramento das famílias. Na hora da eleição, eles batem armados na porta das pessoas e dizem: o voto é livre e secreto, mas gostaríamos que o nosso candidato tivesse tantos votos. Se não tiver tantos votos para milícia naquela zona eleitoral, a família está perdida. É muito mais eficaz do que como faziam os coronéis.
Na sua convivência nas favelas, o que foi mais chocante?
Ter descoberto o uso da faca corvo, que foi usada na Operação Condor. Com a faca se abre a barriga, tira as vísceras e o corpo afunda e ninguém nunca mais acha.
A sra. afirma que a política de segurança pouco mudou apesar dos diferentes governos da redemocratização. Por quê?
Porque a Constituição manteve a PM militarizada. Uma das sugestões da ONU é essa: abolir a PM e ter uma polícia mais consequente, civil. No Brasil não é tão simples fazer isso porque está tudo muito misturado com a corrupção geral. Os governadores estão muito interessados em ter a PM, um exército, sob o controle deles.
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