O PSDB e o PT minam a democracia
Elio Gaspari, O GloboPara o PT, o julgamento do mensalão é uma armação. Para o PSDB, na investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica em torno do propinoduto alimentado por grandes empresas de equipamentos em São Paulo, o órgão vem “se comportando como polícia política”.
As duas condutas são radicalizações teatrais que tentam blindar hierarcas metidos em maracutaias. Comissários e tucanos precisam refletir sobre o ensinamento do presidente americano Richard Nixon, que foi obrigado a renunciar por causa do escândalo Watergate: “Não é o crime que te ferra, é a tentativa de encobri-lo”.
Todos os condenados do mensalão são réus confessos (segundo eles, de crimes leves e prescritos). No caso dos cartéis formados em SP e Brasília, a documentação reunida pelo Cade é devastadora. Para acreditar que os transportecas não soubessem de nada, seria necessário que fossem tão ineptos a ponto de provocar um descarrilamento por semana.
O Judiciário suíço já condenou a companhia francesa Alstom por ter aspergido propinas pelo mundo e sequestrou 7,5 milhões de euros de um transporteca da gestão do governador Luiz Antonio Fleury, levado a uma diretoria dos Correios no governo de FH.
O tucanato reclama dizendo que não tem acesso ao processo do Cade. Afinal, ele corre em sigilo (um sigilo meio girafa, pois diversos advogados têm cópias), mas as denúncias vêm de 1995, e o Ministério Público paulista arquivou 15 inquéritos. Problema dele.
O caso adquiriu outra dimensão quando a empresa alemã Siemens passou a colaborar com as investigações. O que o Cade já ouviu expõe tramoias com duas camadas distintas, que se intercomunicam. Uma é a armação do cartel.
Grosseiramente, pode-se imaginar que duas empresas possam fornecer determinados equipamentos licitados por um órgão público. Elas poderiam disputar a encomenda, mas a mão invisível sugere-lhes que se juntem, formando um consórcio. Essa parte já foi desvendada.
A segunda camada, para a qual a obtenção de provas depende da colaboração de um dos interessados (no caso paulista há seis), envolve a gratificação pedida pelo agente público que aceita, ou assessora, o cartel.
Admita-se que num acerto houvesse só duas empresas, e cada uma foi informada de que deveria pingar 100. Num caso, o intermediário ficou com 50. Admita-se que na outra empresa ocorreu a mesma coisa. Assim, a mão visível do poder público pediu 200 e receberia 100.
Pela lei geral das comissões, os intermediários garfam 10%, portanto sobram apenas 90 ao destinatário final, que pode ser uma pessoa, grupos ou partidos. Resultado: dos 200 embutidos no preço, 110 sumiram no caminho.
No mundo dos fatos, as conversas das transações paulistas ocorriam em finos restaurantes, e pelo menos um dos interessados fazia-se acompanhar por simpatias iniciadas na casa de alegrias Bahamas.
A essa altura da investigação, as duas camadas têm interesses diversos. A de cima quer denunciar o conjunto da investigação, negando tudo. A de baixo quer que a polêmica fique assim, rogando aos céus (sem chances de sucesso) que a circulação de propinas seja esquecida ou, pelo menos, vá para um segundo plano.
A blindagem do tucanato acabou. Até agora, ele replicou a estratégia do PT com o mensalão e de Nixon com o Watergate. O PSDB diz que o PT protege corruptos e o PT diz que o protetor de corruptos é o PSDB. E se os dois estiverem certos? Desacreditam e corroem tanto a política como a própria democracia. Ambos poderiam aceitar uma lição da História recente.
Em 1999, o ex-chanceler Helmut Kohl, unificador da Alemanha, era senhor de seu partido e foi envolvido num escândalo de caixa dois eleitoral. Durante alguns meses, negou tudo, até que reconheceu ter recebido as doações, por ser o líder de seu partido.
Semanas depois, uma correligionária inexpressiva, que chegara ao ministério porque era sua protegida, publicou um artigo pedindo aos democratas cristãos que se afastassem de Kohl. Seis anos depois, eles voltaram ao poder, e Angela Merkel tornou-se primeira-ministra da Alemanha.
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