Folha de S. Paulo, 31 de agosto de 2013.
México tem aversão a leis, diz ensaísta
Em novo livro, escritor e ex-chanceler Jorge Castañeda tenta entender por que modernidade nunca foi alcançada
Para ele, chamar o país de 'tigre asteca' é propaganda eficiente do governo, mas está distante da realidade
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
Por que os mexicanos são ruins no futebol e não gostam de arranha-céus?
Essa é uma das perguntas que o ensaísta e ex-chanceler do país Jorge
Castañeda, 60, faz em "Amanhã para Sempre".
Para ele, chamar o país de 'tigre asteca' é propaganda eficiente do governo, mas está distante da realidade
Determinado a investigar por que a modernidade nunca teria sido alcançada pelo México, ele vai às raízes das instituições republicanas e recorre a clássicos da interpretação nacional. Sua conclusão é de que há uma profunda contradição entre o mito fundador do país e a formação da sociedade.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone.
Folha - Como abordar o tema da identidade mexicana após tantos autores clássicos, como Octavio Paz ("O Labirinto da Solidão) e Edmundo O'Gorman ("México, el Trauma de su História) já o terem feito?
Jorge Castañeda - O "leitmotiv" do livro foi tentar entender por que sempre temos a ideia de que o México almeja uma modernidade que nunca chega. Para responder, é necessário buscar as explicações sobre o caráter e a cultura histórica mexicana, que estão nesses autores. Porém, também há que se tentar entender por que ideias como o Estado de Direito não conseguem se disseminar aqui.
E qual sua explicação?
Há uma aversão cultural às leis. Obedecemos a leis que nos pareçam corretas. Do contrário, não. Uso no livro o exemplo da gripe A, que começou no México e se alastrou. Comparativamente, os Estados Unidos adotaram ações muito mais brandas para aplacar a praga, enquanto autoridades mexicanas foram extremamente rigorosas. No final, tivemos mais mortes. Só é possível entender isso se nos dermos conta de que as autoridades estavam corretas. Como o mexicano não obedece, o jeito é redobrar o controle.
Essas questões de ordem institucional estariam, então, acima dos aspectos culturais?
São elementos que agem conjuntamente. É preciso considerar ambos para entender a especificidade do caso mexicano em relação a países em que um processo parecido está ocorrendo. O surgimento de uma nova classe média tem determinado o rumo político de vários países, como Argentina, há algum tempo, o Brasil, o Uruguai e o Equador. A melhoria das condições materiais de vida têm dado força a determinados processos políticos que são parecidos: a continuidade do kirchnerismo e do PT, a Frente Ampla, a reeleição de Rafael Corrêa. O México vive o mesmo processo, mas sua peculiaridade só pode ser entendida se levarmos em consideração os aspectos que mencionei antes.
Quais os desafios do PRI de volta ao poder?
Tenho simpatia por Enrique Peña Nieto e por esse processo de nova alternância de poder (o PRI voltou ao poder após 12 anos de hegemonia do Partido da Aliança Nacional). Mas suas medidas têm sido ineficientes, porque são superficiais. O desafio é transformar o país levando em consideração o caráter nacional, que é constituído sobre uma contradição.
Pode dar um exemplo concreto?
No caso da reforma energética que quer fazer (abrir a petrolífera PeMex ao capital privado), Peña Nieto crê que o inimigo seja a oposição do PAN. Mas o principal fator de resistência é a ideia geral que os mexicanos têm de que o petróleo é um bem nacional, elemento essencial da identidade cultural mexicana.
O PRI é um obstáculo para a renovação da esquerda?
De fato, a esquerda mexicana é muito arcaica. O PRD é anacrônico. Nem mesmo o setor mais progressista da sociedade o vê como solução. Novamente, foi a formação dessa nova classe média que obrigou a esquerda nesses países a se redimensionar. Esse processo não aconteceu no México por conta de suas peculiaridades culturais.
A relação com os EUA mudou?
Politicamente, desde os anos 70, todos os presidentes têm nos EUA as principais atenções. Isso não mudou. Mas hoje, a exportação de petróleo é minoritária. Por outro lado, nos transformamos, como nenhum outro país latino-americano, num exportador de mão de obra. E o turismo transformou-se em assunto estratégico, tamanha é sua importância econômica.
A mídia internacional trata o México como "tigre asteca", por conta do bons números na economia. Você concorda?
Não. Acho que isso é uma estratégia de propaganda muito eficiente do governo, mas que não tem a ver com a situação real. É certo que o PIB vem crescendo de maneira significativa (4% ao ano) e que melhoraram o intercâmbio industrial e comercial com os EUA. Mas o país é o mesmo, com sérios problemas sociais, uma guerra civil que não tem fim e números econômicos não tão positivos em várias áreas.
A lei da maconha do Uruguai funcionaria no México?
Creio que a lei deveria ser trazida ao México. Setores políticos do país já discutem isso. É inegável que as políticas proibitórias não tiveram efeito.
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