A ordem veio de cima
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12 Ago 2013
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Brasil
O
Tribunal Superior Eleitoral sumiu com os pareceres técnicos que
sugeriam a reprovação das contas do PT na época do mensalão e da
campanha da presidente Dilma em 2010. Documentos revelam que isso
ocorreu por determinação do ministro Ricardo Lewandowski.
Rodrigo Rangel
Em
outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal monopolizava as
atenções do país quando alinhavava as últimas sentenças aos responsáveis
pelo escândalo do mensalão. Naquele mesmo mês, só que em outra corte de
Justiça e bem longe dos holofotes, um auditor prestava um surpreendente
depoimento, que jogava luz sobre episódios ainda nebulosos que envolvem
o maior caso de corrupção da história. O depoente contou que, em 2010,
às vésperas da eleição presidencial, foi destacado para analisar as
contas do PT relativas a 2003 — o ano em que se acionou a
superengrenagem de corrupção. Foi nessa época que Delúbio Soares, Marcos
Valério, José Genoino e o restante da quadrilha comandada pelo
ex-ministro José Dirceu passaram a subornar com dinheiro público
parlamentares e partidos aliados. Havia farto material que demonstrava
que a contabilidade do partido era similar à de uma organização
criminosa. Munido de documentos que atestavam as fraudes, o auditor
elaborou seu parecer recomendando ao tribunal a rejeição das contas. O
parecer, porém, sumiu — e as contas do mensalão foram aprovadas.
Menos
de dois meses depois, ocorreu um caso semelhante, tão estranho quanto o
dos mensaleiros, mas dessa vez envolvendo as contas da última campanha
presidencial do PT. O mesmo auditor foi encarregado de analisar o
processo. Ao conferir as planilhas de gastos, descobriu diversas
irregularidades, algumas formais, outras nem tanto. Faltavam
comprovantes para justificar despesas da campanha. A recomendação do
técnico: rejeitar as contas eleitorais, o que, na prática, significava
impedir a diplomação da presidente Dilma Rousseff. como determina a lei.
Ocorre que, de novo, o parecer nem sequer foi incluído no processo — e
as contas de campanha foram aprovadas. As duas histórias foram narradas
em detalhes pelo auditor do Tribunal Superior Eleitoral, Rodrigo Aranha
Lacombe, em depoimento ao qual VEJA teve acesso. Ambas cristalizam a
suspeita de que a Justiça Eleitoral manipula pareceres técnicos para
atender a interesses políticos — o que já seria um escândalo. Mas há uma
acusação ainda mais grave. A manipulação que permitiu a aprovação das
contas do mensalão e da campanha de Dilma Rousseff teria sido conduzida
pessoalmente pelo então presidente do TSE, o ministro Ricardo
Lewandowski.
O
depoimento do auditor, que trabalhou no TSE de 2003 até o ano passado,
foi prestado ao juiz Carlos Henrique Perpétuo Braga, secretário-geral do
TSE e braço-direito da atual presidente do tribunal, a ministra Cármen
Lúcia. Veio precisamente de Cármen Lúcia a decisão que, em junho de
2010, aprovou com algumas ressalvas as contas do mensalão. O auditor
Lacombe afirma que a ministra foi induzida a erro pela assessoria, que
teria ignorado graves irregularidades apontadas, por exemplo, em
documentos da Receita Federal que mostravam movimentações financeiras
muito além das declaradas pelo PT e empréstimos fajutos tomados junto
aos bancos BMG e Rural no auge do mensalão. Lacombe diz que a assessoria
da ministra foi "negligente, porque eram graves e de fácil comprovação
as irregularidades". O auditor relata que, na sequência, recebeu a
incumbência de produzir um relatório sobre o caso e identificou um
rosário de problemas que, nos pareceres anteriores, haviam sido
solenemente ignorados. Um dos pontos centrais do parecer do auditor
dizia respeito a uma resolução baixada um ano antes pelo próprio TSE
segundo a qual o tribunal não pode desconsiderar documentos fiscais que
indiquem irregularidades na movimentação financeira dos partidos,
especialmente quando esses papéis forem provenientes de auditorias da
Receita. Era exatamente o caso do PT, que após o mensalão havia sofrido
uma devassa do Fisco. Com essa e outras considerações, o parecer
elaborado por Lacombe que indicava a rejeição das contas foi então
encaminhado à direção do tribunal para que fosse juntado ao processo e
servisse de subsídio para a decisão da relatora. "Eu nunca fiquei
sabendo desse parecer", garante a ministra Cármen Lúcia.
Parte
integrante de uma sindicância instaurada para apurar exatamente a má
conduta de servidores do setor de fiscalização partidária do tribunal, o
depoimento do auditor Lacombe também revela articulações que
possibilitaram a aprovação das contas da campanha da então presidente
eleita, Dilma Rousseff. Durante o trabalho, ele concluiu que gastos
superiores a 2 milhões de reais não estavam devidamente comprovados com
documentos fiscais, como exige a lei. Eram, em sua maior parte, despesas
com passagens aéreas. Na opinião do auditor, a irregularidade deveria
levar à rejeição das contas de Dilma. Lacombe relata que, primeiro, foi
orientado pela chefia imediata a alterar o parecer. E que, como ele não
cedeu, outros auditores foram designados para elaborar um novo
documento. É aí que surge a revelação mais surpreendente do depoimento:
Lacombe disse ter sido informado, tempos depois, de que a alteração
havia sido feita "a pedido do ministro Ricardo Lewandowski".
A
afirmação causou perplexidade e, num primeiro momento, muitas dúvidas.
Primeiro, porque não é normal que o presidente do tribunal interfira no
teor de um parecer da auditoria. Segundo, porque qualquer juízo de valor
sobre questões técnicas do processo só pode ser feito pelo
ministro-relator do caso — ainda assim, apenas no momento de elaborar
sua decisão. Em ambos os casos, Lewandowski não era nem uma coisa nem
outra. Diz a atual presidente do tribunal, a ministra Cármen Lúcia: "Um
presidente do tribunal não despacha com os funcionários da área técnica.
Um presidente do tribunal nem fica sabendo de parecer. Não acredito nem
em sonho que ele (Lewandowski) tenha feito isso". "Isso é muito grave. O
ministro não podia mandar alterar um parecer da área técnica", define
um ex-presidente do tribunal, que pediu para não ser identificado. Mas
quem garante que foi mesmo o ministro o responsável pela interferência
indevida?
Em
seu depoimento, o auditor conta ter ouvido essa versão da boca de uma
auxiliar do próprio Lewandowski. Procurado por VEJA, o ministro negou
que tenha feito qualquer incursão a favor do PT ou da presidente Dilma
Rousseff. Em nota, ele disse que a Coepa, o órgão técnico do tribunal
encarregado da análise de contas eleitorais e partidárias. é formado por
profissionais de alto nível de especialização, que trabalham com
"absoluta independência e isenção". "Diante dessas características",
escreveu o ministro, "é impossível a interferência externa ou interna de
quem quer que seja nas conclusões da Coepa, que delibera com plena
autonomia, tendo como base a legislação aplicável e os documentos que
integram os autos do processo." Esclarecido? Não. Documentos anexados à
sindicância desmentem o ministro. Eron Vieira Pessoa, funcionário do
TSE, confirmou que Lewandowski convocou uma reunião com os servidores do
setor de fiscalização para reclamar do parecer que opinava pela
rejeição das contas da campanha presidencial petista em 2010. "Na
oportunidade, o ministro presidente externou frontal discordância e
descontentamento com o entendimento exarado pela unidade técnica", disse
Eron. A postura do ministro, segundo o funcionário, "motivou a
alteração do entendimento da unidade técnica". Ou seja: Lewandowski, que
diz ser impossível a interferência de quem quer que seja, interferiu no
processo que analisava as contas petistas — e inverteu a conclusão dos
peritos.
VEJA
teve acesso a outros documentos ainda mais contundentes, incluindo
mensagens eletrônicas despachadas pelo próprio Lewandowski, que revelam o
empenho dele na aprovação das contas de campanha da presidente Dilma
Rousseff. Faltavam dez dias para a cerimônia de diplomação da presidente
eleita. Nas mensagens trocadas com assessores, o ministro, que nada
tinha a ver com o processo, cujo relator era o juiz Hamilton Carvalhido,
demonstra irritação com o teor do parecer que pedia a rejeição das
contas — um "problemão", nas palavras dele. "Não estamos lidando com as
contas de um "boteco" de esquina, mas de um comitê financeiro de uma
presidente eleita com mais de 50 milhões de votos. Se fosse assim,
contrataríamos um técnico de contabilidade de bairro", escreveu o
ministro a Patrícia Landi, sua funcionária de confiança e então
diretora-geral do TSE.
Em
outra mensagem, em resposta a uma minuta que acabara de receber
apontando justamente as irregularidades nos documentos apresentados pelo
PT. o ministro estrila: "Não entendi! Qual a diferença entre faturas e
notas fiscais para o efeito de prestação de contas? É uma irregularidade
insanável? As despesas não têm origem? Foram fraudadas?". Ele segue
indagando: "Quais as consequências práticas dessa desaprovação? Não
seria possível a aprovação com ressalvas ou essa era a única
alternativa? De quem foi a decisão? Qual a repercussão desse parecer
sobre a diplomação dos candidatos eleitos?". "Quero receber explicações
detalhadas por ocasião do meu retorno na quarta-feira", arremata o
ministro, em tom imperial. Diligente, Ricardo Lewandowski estava em
viagem ao exterior. "Assim que voltou a Brasília, ele reuniu os chefes
do setor e ordenou as alterações nos pareceres", disse a VEJA um
graduado funcionário da área técnica. Como queria Lewandowski, as
irregularidades apontadas nas contas da candidata Dilma Rousseff foram
desprezadas. Como queria Lewandowski. as contas foram aprovadas na
semana seguinte, a tempo de não criar nenhum "problemão" para Dilma nem
para o PT. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal retoma a parte final
do julgamento dos mensaleiros. Analisará os últimos recursos dos 25
réus condenados à cadeia. Provavelmente serão reeditados os acalorados
debates entre o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, e o
revisor Ricardo Lewandowski, que sempre defendeu a absolvição dos
principais acusados.
Com reportagem de Hugo Marques
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terça-feira, 13 de agosto de 2013
Se isto ocorresse com um juiz da Suprema Corte dos EUA o que ocorreria?
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