Amarildos, onde estão?
‘Há uma forte demanda por transparência em questões relacionadas à polícia nos territórios da pobreza, onde as vidas estão constantemente sob risco’, afirma sociólogo
24 de agosto de 2013 | 17h 15
Juliana Sayuri - O Estado de S. Paulo
Amarildo de Souza desapareceu. 47 anos, uns 1,70 de altura, negro, pedreiro,
casado, irmão de 11, pai de 6, morador da favela da Rocinha. Amarildo
descamisado, vestindo apenas bermuda e chinelos, foi levado por policiais para a
UPP na noite do domingo 14 de julho. Sumiu.
Assim como o pedreiro, milhares desapareceram no País pós-ditadura. Só no Rio
foram mais de 10 mil amarildos mortos entre 2001 e 2011, em circunstâncias com
policiais que nunca foram esclarecidas. "Amarildo é ‘só’ mais um. O caso foi
catapultado pelas manifestações de junho, conquistando essa visibilidade. Mas,
tradicionalmente, as classes médias não se interessam pelo que acontece nas
favelas", critica o sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva, professor do
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Por isso, os
movimentos sociais são importantíssimos. Estão tentando abrir a caixa-preta da
polícia", arremata o autor da coletânea Vida sob Cerco: Violência e Rotina
nas Favelas do Rio de Janeiro (Editora Nova Fronteira, 2008).
Aos 72 anos, o sociólogo dedicou sua trajetória intelectual a estudos pioneiros sobre favela, sociabilidade e violência. Do Rio, Machado conversou com o Aliás.
A OAB-RJ lançará uma campanha pelo esclarecimento de mortes registradas como ‘autos de resistência’ pela PM. Seriam mais de 10 mil ‘amarildos’ mortos no Rio entre 2001 e 2011. Como o sr. analisa a iniciativa?
Isso mostra que há uma demanda forte por transparência quanto a questões relacionadas à polícia. Não só nas favelas, mas em todos os "territórios da pobreza", onde as vidas estão constantemente sob risco: nos loteamentos irregulares, nas ocupações, nos viadutos. Responde a uma demanda das ruas, mas não só das ruas. Uma vez incorporada à OAB, com toda sua legitimidade institucional, a iniciativa traz um ar de novidade, pois, tradicionalmente, os setores dominantes da sociedade não têm se importado muito com o funcionamento de instituições repressivas como a polícia. Essa iniciativa dá publicidade ao questionamento do funcionamento da polícia - e esse número de autos de resistência já sugere a tendência violenta dessa corporação.
O slogan da campanha será ‘Desaparecidos da Democracia’, enquanto ainda ronda o fantasma dos desaparecidos da ditadura. Que diferença sensível há entre eles?
Não gosto muito dessa aproximação. Sei que se trata de um slogan, mas, analiticamente, não é uma aproximação certeira. Na ditadura, eram desaparecidos diretamente políticos, que questionavam a ordem institucional e o Estado - e que foram jogados no mesmo saco dos criminosos comuns após a Lei de Segurança Nacional. Os desaparecidos atuais simplesmente não são desaparecidos "da democracia", mas de uma democracia limitada a apenas certos segmentos da sociedade. Esses desaparecidos são segregados, pois são os próprios processos do regime pretensamente democrático que produzem essa periferia marginalizada da cidadania. Isto é, a cidadania lhes foi negada. Desapareceram pela atuação ilícita dos aparelhos do Estado, de facto e não de direito.
Um caso emblemático de desaparecimento forçado pós-ditadura é a chacina de Acari, de 1990. As mães desses jovens, mobilizadas, abriram caminho para novas formas de protestos políticos contra a violência do Estado. De lá para cá, o que mudou?
Acari foi um dos casos mais dramáticos, mas houve outras chacinas: Candelária, Nova Iguaçu, Vigário Geral. Há milhares de casos simbólicos de desaparecimento e de violência. E é interessante observar as reações na opinião pública, pois ainda é forte o desinteresse da maior parte da sociedade em relação a esses acontecimentos. Acari produziu reações orgânicas com a mobilização das mães, mas com visibilidade e impacto pequenos. Ainda é muito inexpressiva a solidariedade da opinião pública aos "territórios da pobreza", principalmente por parte da classe média e das instituições. Tradicionalmente, a classe média não se interessa pelo que acontece nas favelas. Por isso, os movimentos sociais são importantíssimos. Não apenas como formas de resistência, mas como tentativas concretas de transformações.
Por que o desaparecimento de Amarildo conquistou tamanha repercussão? Por que ‘esse’ Amarildo?
Pois é. Esse é o ponto. Amarildo é "só" mais um, entre tantos milhares de desaparecidos. Mas essa visibilidade é muito recente. O caso foi catapultado pelas manifestações nas ruas. Só assim conquistou essa dimensão. Estou fortemente desconfiado de que o caso atrai diferentes vertentes. Por um lado, há uma recusa da institucionalidade. A classe média "cansou" dos desmandos ilícitos dos aparelhos do Estado. Por outro, uma vertente pede mais institucionalidade, isto é, pede que a polícia cumpra seu papel e realmente defenda a sociedade. Não há um movimento unificado, caminhando numa direção única. Os lados pedem mais transparência na polícia, mas isso adquire diferentes sentidos entre as classes populares e a classe média no Rio. São diversificados. Afinal, a rua pertence a todo mundo - e não pertence a ninguém. Fato é que os movimentos sociais estão tentando abrir a caixa-preta da polícia, o que pode respingar responsabilidades. É preciso demonstrar, concretamente, que a polícia tem seus rompantes de excesso de violência e atividades ilícitas. Demonstrações como fez a cobertura alternativa da Mídia Ninja, por exemplo. A violência policial provocou um efeito bumerangue nas manifestações, em São Paulo, Recife, Rio. Por arrogância ou por esquecimento da nossa democracia morena - como Brizola dizia sobre o socialismo moreno -, os governadores desaprenderam lições históricas e deram esse tiro no pé. A repressão deu outra dimensão às manifestações. E aí entrou Amarildo.
A violência urbana tem um caráter específico no Rio?
A violência urbana não é um fenômeno carioca, tampouco brasileiro. É mundial. Mas as histórias presentes na violência urbana são singulares em cada cidade, em cada país. No Rio, minha praia, a compreensão coletiva e cotidiana da violência tem muito a ver com uma hiperpolitização da questão da segurança pública. O imbróglio começa na década de 1980. A Lei de Segurança Nacional, de 1983, produziu uma aproximação entre criminosos comuns e políticos. Uma lei de defesa do Estado, não da sociedade. Isso provocou um aumento da violência para além da violência policial em defesa do Estado. Quando iniciou sua campanha para o governo do Rio, também em 1983, Leonel Brizola se reuniu com líderes das favelas. Fez um acordo: se eleito, as operações policiais (brutais, que subiam barbarizando os morros, sem distinguir bandido e trabalhador) seriam suspensas. Mas, à época, já rolava a violência relacionada às drogas e às facções. Os brizolistas queriam mais transparência, mais legalidade nas questões relacionadas à polícia. Oposição e classe média, porém, interpretaram esse acordo como uma defesa da criminalidade no Rio. Isso hiperpolitizou a questão. A polícia já estava habituada a exercer uma violência brutal contra as classes populares e os pobres. É a criminalização da pobreza. Aí a sociedade, principalmente a classe média, delegou o "trabalho sujo" a essa polícia. Para estudar o controle da criminalidade contemporânea no Rio, uso a ideia de "sociabilidade violenta". É como um mundo em si próprio, com regras ancoradas numa relação de forças. De quem pode submeter o outro pela força. Por exemplo, se tenho um AR-15, submeto quem só tem um 38. Quem tem um 38 submete quem só tem uma faca. Quem tem uma faca submete quem só tem os punhos. E por aí vai.
Em São Paulo, oficiais foram flagrados espancando adolescentes na Fundação Casa. A violência contra ‘marginais’ é tolerada?
A sociedade brasileira é extremamente tolerante nisso, quer dizer, aceita a violência física, muito mais que outros países. A sociedade legitima muitas formas de violência. Obviamente, precisaria de uma biblioteca inteira para justificar historicamente essa ideia. Mas é certeira, como horizonte de referência. Esse reconhecimento também está presente nas classes populares. Aliás, o mundo popular não é uma maravilha, não. Tem tanta sujeira quanto o mundo das elites. Estou convencido, e isso a partir de informações empíricas e estudos realizados, de que muitas sociedades não questionam a prática da violência em si. Questionam a indiscriminação da violência física praticada pela polícia. Por isso, a distinção moral sobre a violência policial vem sempre escoltada por ressalvas: a polícia bateu nesse cara, mas... esse cara é estudante, pai de família, trabalhador. Mas se a polícia bater num criminoso, ora, é como se fosse justificável. Nem precisa ser um criminoso do ponto de vista judicial, mas um cara que pratica atividades consideradas moralmente ilícitas. Quer dizer, quem atrapalha a vida dos outros tem que levar porrada. Isso não é admissível. Também Amarildo está nessa. Não importa se ele é criminoso ou não, se é trabalhador ou não. Nada disso justifica seu desaparecimento.
Amarildo era morador da favela da Rocinha. Como o sr. analisa a experiência da UPP ali?
As UPPs são uma claríssima mudança na conjuntura da política de segurança pública, da intervenção do Estado. Mas mudar implica outras questões. Mudar o quê? E até que ponto? Dá para dizer que mudou conjunturalmente, mas é a mesma polícia. A mesma corporação, a mesma estrutura. As UPPs mudaram dentro de seus limites, mas não se trata de uma reforma intelectual e moral da polícia, longe de uma desmilitarização da polícia.
A desmilitarização da polícia é necessária? E é possível?
Sim, é necessária abstratamente. Mas não é possível neste momento, pois não faz parte dos interesses dominantes. Além disso, a Polícia Militar e a Polícia Civil se digladiam e divergem em seus interesses. É uma luta a ser iniciada.
A família de Amarildo está pedindo a emissão da certidão de morte do pedreiro. É precipitado? Quando um desaparecimento passa a ser considerado uma morte?
É muito difícil, pois não há um corpo. Assim, há uma série de questões abertas para se poder dizer se foi um homicídio. Numa discussão da filosofia do direito, não dá para imputar ao desaparecimento a possibilidade de morte. Mas há uma outra dimensão, muito mais importante: a prática. Quer dizer, se as instituições derem um atestado de possibilidade de morte do pedreiro Amarildo, o Estado estará reconhecendo a autoria dessa morte por parte de seus agentes, pois a possível morte tem a ver com a interferência de policiais da UPP. Se o Estado formalizar isso, terá implicações judiciais stricto sensu e também políticas. É complicadíssimo.
Marcos de Paula/Estadão
Manifestação da ONG Rio de Paz sobre
milhares de desaparecidos no Estado
Aos 72 anos, o sociólogo dedicou sua trajetória intelectual a estudos pioneiros sobre favela, sociabilidade e violência. Do Rio, Machado conversou com o Aliás.
A OAB-RJ lançará uma campanha pelo esclarecimento de mortes registradas como ‘autos de resistência’ pela PM. Seriam mais de 10 mil ‘amarildos’ mortos no Rio entre 2001 e 2011. Como o sr. analisa a iniciativa?
Isso mostra que há uma demanda forte por transparência quanto a questões relacionadas à polícia. Não só nas favelas, mas em todos os "territórios da pobreza", onde as vidas estão constantemente sob risco: nos loteamentos irregulares, nas ocupações, nos viadutos. Responde a uma demanda das ruas, mas não só das ruas. Uma vez incorporada à OAB, com toda sua legitimidade institucional, a iniciativa traz um ar de novidade, pois, tradicionalmente, os setores dominantes da sociedade não têm se importado muito com o funcionamento de instituições repressivas como a polícia. Essa iniciativa dá publicidade ao questionamento do funcionamento da polícia - e esse número de autos de resistência já sugere a tendência violenta dessa corporação.
O slogan da campanha será ‘Desaparecidos da Democracia’, enquanto ainda ronda o fantasma dos desaparecidos da ditadura. Que diferença sensível há entre eles?
Não gosto muito dessa aproximação. Sei que se trata de um slogan, mas, analiticamente, não é uma aproximação certeira. Na ditadura, eram desaparecidos diretamente políticos, que questionavam a ordem institucional e o Estado - e que foram jogados no mesmo saco dos criminosos comuns após a Lei de Segurança Nacional. Os desaparecidos atuais simplesmente não são desaparecidos "da democracia", mas de uma democracia limitada a apenas certos segmentos da sociedade. Esses desaparecidos são segregados, pois são os próprios processos do regime pretensamente democrático que produzem essa periferia marginalizada da cidadania. Isto é, a cidadania lhes foi negada. Desapareceram pela atuação ilícita dos aparelhos do Estado, de facto e não de direito.
Um caso emblemático de desaparecimento forçado pós-ditadura é a chacina de Acari, de 1990. As mães desses jovens, mobilizadas, abriram caminho para novas formas de protestos políticos contra a violência do Estado. De lá para cá, o que mudou?
Acari foi um dos casos mais dramáticos, mas houve outras chacinas: Candelária, Nova Iguaçu, Vigário Geral. Há milhares de casos simbólicos de desaparecimento e de violência. E é interessante observar as reações na opinião pública, pois ainda é forte o desinteresse da maior parte da sociedade em relação a esses acontecimentos. Acari produziu reações orgânicas com a mobilização das mães, mas com visibilidade e impacto pequenos. Ainda é muito inexpressiva a solidariedade da opinião pública aos "territórios da pobreza", principalmente por parte da classe média e das instituições. Tradicionalmente, a classe média não se interessa pelo que acontece nas favelas. Por isso, os movimentos sociais são importantíssimos. Não apenas como formas de resistência, mas como tentativas concretas de transformações.
Por que o desaparecimento de Amarildo conquistou tamanha repercussão? Por que ‘esse’ Amarildo?
Pois é. Esse é o ponto. Amarildo é "só" mais um, entre tantos milhares de desaparecidos. Mas essa visibilidade é muito recente. O caso foi catapultado pelas manifestações nas ruas. Só assim conquistou essa dimensão. Estou fortemente desconfiado de que o caso atrai diferentes vertentes. Por um lado, há uma recusa da institucionalidade. A classe média "cansou" dos desmandos ilícitos dos aparelhos do Estado. Por outro, uma vertente pede mais institucionalidade, isto é, pede que a polícia cumpra seu papel e realmente defenda a sociedade. Não há um movimento unificado, caminhando numa direção única. Os lados pedem mais transparência na polícia, mas isso adquire diferentes sentidos entre as classes populares e a classe média no Rio. São diversificados. Afinal, a rua pertence a todo mundo - e não pertence a ninguém. Fato é que os movimentos sociais estão tentando abrir a caixa-preta da polícia, o que pode respingar responsabilidades. É preciso demonstrar, concretamente, que a polícia tem seus rompantes de excesso de violência e atividades ilícitas. Demonstrações como fez a cobertura alternativa da Mídia Ninja, por exemplo. A violência policial provocou um efeito bumerangue nas manifestações, em São Paulo, Recife, Rio. Por arrogância ou por esquecimento da nossa democracia morena - como Brizola dizia sobre o socialismo moreno -, os governadores desaprenderam lições históricas e deram esse tiro no pé. A repressão deu outra dimensão às manifestações. E aí entrou Amarildo.
A violência urbana tem um caráter específico no Rio?
A violência urbana não é um fenômeno carioca, tampouco brasileiro. É mundial. Mas as histórias presentes na violência urbana são singulares em cada cidade, em cada país. No Rio, minha praia, a compreensão coletiva e cotidiana da violência tem muito a ver com uma hiperpolitização da questão da segurança pública. O imbróglio começa na década de 1980. A Lei de Segurança Nacional, de 1983, produziu uma aproximação entre criminosos comuns e políticos. Uma lei de defesa do Estado, não da sociedade. Isso provocou um aumento da violência para além da violência policial em defesa do Estado. Quando iniciou sua campanha para o governo do Rio, também em 1983, Leonel Brizola se reuniu com líderes das favelas. Fez um acordo: se eleito, as operações policiais (brutais, que subiam barbarizando os morros, sem distinguir bandido e trabalhador) seriam suspensas. Mas, à época, já rolava a violência relacionada às drogas e às facções. Os brizolistas queriam mais transparência, mais legalidade nas questões relacionadas à polícia. Oposição e classe média, porém, interpretaram esse acordo como uma defesa da criminalidade no Rio. Isso hiperpolitizou a questão. A polícia já estava habituada a exercer uma violência brutal contra as classes populares e os pobres. É a criminalização da pobreza. Aí a sociedade, principalmente a classe média, delegou o "trabalho sujo" a essa polícia. Para estudar o controle da criminalidade contemporânea no Rio, uso a ideia de "sociabilidade violenta". É como um mundo em si próprio, com regras ancoradas numa relação de forças. De quem pode submeter o outro pela força. Por exemplo, se tenho um AR-15, submeto quem só tem um 38. Quem tem um 38 submete quem só tem uma faca. Quem tem uma faca submete quem só tem os punhos. E por aí vai.
Em São Paulo, oficiais foram flagrados espancando adolescentes na Fundação Casa. A violência contra ‘marginais’ é tolerada?
A sociedade brasileira é extremamente tolerante nisso, quer dizer, aceita a violência física, muito mais que outros países. A sociedade legitima muitas formas de violência. Obviamente, precisaria de uma biblioteca inteira para justificar historicamente essa ideia. Mas é certeira, como horizonte de referência. Esse reconhecimento também está presente nas classes populares. Aliás, o mundo popular não é uma maravilha, não. Tem tanta sujeira quanto o mundo das elites. Estou convencido, e isso a partir de informações empíricas e estudos realizados, de que muitas sociedades não questionam a prática da violência em si. Questionam a indiscriminação da violência física praticada pela polícia. Por isso, a distinção moral sobre a violência policial vem sempre escoltada por ressalvas: a polícia bateu nesse cara, mas... esse cara é estudante, pai de família, trabalhador. Mas se a polícia bater num criminoso, ora, é como se fosse justificável. Nem precisa ser um criminoso do ponto de vista judicial, mas um cara que pratica atividades consideradas moralmente ilícitas. Quer dizer, quem atrapalha a vida dos outros tem que levar porrada. Isso não é admissível. Também Amarildo está nessa. Não importa se ele é criminoso ou não, se é trabalhador ou não. Nada disso justifica seu desaparecimento.
Amarildo era morador da favela da Rocinha. Como o sr. analisa a experiência da UPP ali?
As UPPs são uma claríssima mudança na conjuntura da política de segurança pública, da intervenção do Estado. Mas mudar implica outras questões. Mudar o quê? E até que ponto? Dá para dizer que mudou conjunturalmente, mas é a mesma polícia. A mesma corporação, a mesma estrutura. As UPPs mudaram dentro de seus limites, mas não se trata de uma reforma intelectual e moral da polícia, longe de uma desmilitarização da polícia.
A desmilitarização da polícia é necessária? E é possível?
Sim, é necessária abstratamente. Mas não é possível neste momento, pois não faz parte dos interesses dominantes. Além disso, a Polícia Militar e a Polícia Civil se digladiam e divergem em seus interesses. É uma luta a ser iniciada.
A família de Amarildo está pedindo a emissão da certidão de morte do pedreiro. É precipitado? Quando um desaparecimento passa a ser considerado uma morte?
É muito difícil, pois não há um corpo. Assim, há uma série de questões abertas para se poder dizer se foi um homicídio. Numa discussão da filosofia do direito, não dá para imputar ao desaparecimento a possibilidade de morte. Mas há uma outra dimensão, muito mais importante: a prática. Quer dizer, se as instituições derem um atestado de possibilidade de morte do pedreiro Amarildo, o Estado estará reconhecendo a autoria dessa morte por parte de seus agentes, pois a possível morte tem a ver com a interferência de policiais da UPP. Se o Estado formalizar isso, terá implicações judiciais stricto sensu e também políticas. É complicadíssimo.
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