Susto e alerta
Autor(es): Cristovam Buarque
O Globo - 26/08/2013
A cena dos vereadores do Rio de Janeiro pedindo permissão aos jovens
manifestantes para reunirem-se no plenário da Câmara Municipal foi mais
enfática para mostrar a nossa instabilidade política do que as grandes
manifestações do mês de junho. Mas a reação das direções políticas tem
sido comparável à de uma pessoa que ao caminhar em direção a um abismo
ouve um grito e se assusta, mas continua no mesmo rumo, sem perceber que
era um alerta. Os sustos despertam, mas nem sempre alertam. Houve
reação. No primeiro momento, o governo propôs pactos confusos e sobre
temas superficiais. O Congresso Nacional se reuniu para uma chamada
agenda positiva, onde alguns poucos projetos foram debatidos sem
qualquer consequência para o pacto social que está rompido. Por omissão,
insensibilidade, perplexidade ou impossibilidade de mudar o caminho,
todos continuaram na mesma marcha em direção a um futuro repleto de
instabilidade. As poucas grandes manifestações no país com pauta variada
foram substituídas por muitas manifestações pequenas com propósitos
específicos. Como são específicas e contra alvos determinados, as
lideranças políticas não se afetaram e voltaram à lenta passividade do
dia a dia à espera das próximas eleições. Agem como se as manifestações
fossem apenas contra um governador e não contra o que ele simboliza como
imagem de toda a política. Até o mês de junho, a sociedade funcionava
apesar do quase colapso da segurança e do trânsito, do tamanho da
desigualdade, da péssima qualidade nos serviços de saúde e educação e da
imoralidade da corrupção. Apesar do descontentamento, a parte da
população beneficiada e a parcela sacrificada conviviam, aceitavam-se,
produziam e esperavam. O grau de desigualdade no acesso aos serviços
públicos e a sua ineficiência fizeram "cair a ficha" na população,
especialmente contra a classe política. Além de ser vista como
responsável pelos erros é vista como privilegiada e tolerante com a
corrupção, sem diferenciar os partidos. Esta "queda da ficha" levou a
uma quebra do pacto social, que acontece simultaneamente com a percepção
do poder de mobilização oferecido pelas redes sociais, provocando uma
guerrilha cibernética, capaz de incomodar e de dar visibilidade às
várias pautas sociais. A partir de agora, qualquer pretexto provocará
manifestações de centenas de pessoas, ou mesmo de apenas dezenas, mas
todas capazes de parar o funcionamento do tecido social e seus serviços,
de servir de grito de alerta e de exigir um novo pacto social que vai
precisar de substanciais concessões da elite para melhorar a qualidade
de vida do público e dos serviços públicos, a fim de reduzir a
desigualdade e eliminar a corrupção. Mais do que um susto, as lideranças
precisam sentir o alerta e buscar novos caminhos que reconstituam o
pacto social, em um novo patamar de eliminação de privilégios e
desigualdades.
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