Parlamentares usam verba indenizatória para
abastecer jatinhos e pagar hotéis de luxo | BRASÍLIA
Levantamento realizado pelo GLOBO na prestação de contas de todos os 81
senadores - de fevereiro de 2011, quando teve início a atual
legislatura, a julho deste ano - demonstra que muitos parlamentares
fazem malabarismos para gastar o dinheiro de verba indenizatória a que
têm direito. Há de tudo, inclusive o desrespeito ao ato que, em dois de
junho de 2011, foi instituído pelo primeiro-secretário da Casa com o
objetivo de disciplinar o uso desse benefício.
Mensalmente, o valor varia de R$ 21.045,20, para os parlamentares do
Distrito Federal e de Goiás, a R$ 44.276,60, para quem é do Amazonas.
Esses valores podem ser cumulativos, o que não é gasto num mês pode ser
no outro, desde que não ultrapasse o total da dotação anual.
Na pesquisa, a reportagem encontrou casos de senadores que, com o
dinheiro da verba, utilizam aeronaves particulares para ir a outros
estados - o que é proibido, pois o recurso é para uso no estado de
origem - e quem supostamente aluga três veículos de uma concessionária
que só vende carros novos ou seminovos. A prestação de contas também
deixa clara a predileção de certos parlamentares por hotéis de luxo fora
de seu domicílio. Foram identificados casos de senadores que passaram o
fim de semana no Rio hospedados no Copacabana Palace, ou em São Paulo,
no sofisticado Emiliano.
Outros, preocupados em manter uma assessoria eficaz, firmaram convênios
com institutos que têm como principal ramo de atividade a administração
de Caixas Escolares - instituições jurídicas que administram recursos de
escolas. Mas todos afirmam que cumprem as regras e que, mesmo nos
deslocamentos para outros estados, usando o próprio jatinho, estão
exercendo suas atividades parlamentares. A mesma resposta vale para quem
passa o fim de semana nos hotéis de luxo: tudo em nome do mandato
parlamentar.
R$ 25 mil num mês para abastecer avião
Acir Gurgacz (PDT-RO), um senador milionário, gasta parte de sua verba
com querosene para o próprio avião. E, contrariando o Ato número 10, voa
com o dinheiro de sua cota para outros estados. Em 13 de março deste
ano, por exemplo, apresentou nota fiscal de R$ 2.272 em abastecimento de
aeronave em Paulínia, interior de São Paulo, bem distante de seu
domicílio eleitoral, Rondônia. Em 21 de março, mais R$ 2.777, desta vez
em Caracarai, Roraima. Em abril, Gurgacz gastou R$ 25.249 em combustível
para aeronaves e, entre suas viagens, esteve em São José dos Pinhais
(PR) e Cuiabá (MT). Ele também voou para Manaus.
O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) usou sua cota de verba para
abastecer aeronaves em viagens a diversos estados. Ele esteve em
Fortaleza (CE), Porto Seguro (BA), Rio de Janeiro, São Paulo e Jundiaí
(SP). Há notas fiscais nos valores de R$ 9.549, R$ 9.434, R$ 7.404, e
por ai vai. Jayme Campos (DEM-MT) também se valeu da verba parlamentar
para abastecer o próprio avião em deslocamentos para São Paulo e Rio de
Janeiro, por exemplo.
Outra característica comum nas prestações de contas é a predileção pelos
gastos com transportes, incluindo combustível e aluguel de aeronaves e
veículos. No Senado, não há limite para gastos com combustíveis, como
foi estabelecido na Câmara em 2006 após o escândalo das notas frias
apresentadas por deputados para justificar supostos gastos. Há notas
fiscais de gastos com combustíveis em valores que chegam a R$ 36 mil num
único mês e num único posto.
É o caso de Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Em julho de 2012, o senador
apresentou quatro notas da Semalo Combustíveis que somaram R$ 36.673. As
notas foram emitidas nos dias 17, 30 e 31 (duas delas). E não são
gastos cumulativos, já que nos meses anteriores e posteriores o senador
também gastou bastante em combustível, embora não em valores tão
significativos.
Para dar agilidade aos mandatos, argumentam os senadores, eles alugam
veículos em seus estados, que ficam à disposição dos funcionários do
escritório político. Mas algumas locações chamam a atenção. João Alberto
de Souza (PMDB-MA) apresentou notas fiscais de uma concessionária de
revenda da Ford no Maranhão. A reportagem telefonou na quarta-feira para
a Duvel, localizada no centro de São Luís, e foi informada de que a
agência só vende veículos zero km ou seminovos. Na página da empresa na
internet, o grupo, que tem seis lojas no estado, deixa claro que sua
função é vender, não alugar.
Os veículos de posse de João Alberto de Souza são um Focus Sedan, pelo
qual paga mensalmente R$ 3.755,62; um Fiesta Sedan, com prestação de R$
2.309,49; e um Ford Edge, no valor de R$ 5.900 mensais. O sócio da
empresa, Henry Duailibe, depois do contato da reportagem com a
assessoria do senador, disse ao GLOBO que, no caso do senador, "a
concessionária aluga os veículos", embora esse não seja o ramo principal
da concessionária.
A família Duailibe é amiga de longa data da família Sarney e do próprio
senador João Alberto de Souza. O filho do empresário, de mesmo nome do
pai, acompanhou o então presidente do Senado, José Sarney, em uma viagem
à ilha de Curupu a bordo de um helicóptero da Polícia Militar do
Maranhão.
O senador João Alberto também contrata a empresa Congerplan. Todo mês
paga R$ 12.800 pela assessoria da empresa que, conforme consta na
Receita Federal, tem como atividade principal "consultorias em gestão
empresarial, exceto consultoria técnica específica, e administração de
caixas escolares, além de apoio à educação".
O senador Valdir Raupp (RO), presidente em exercício do PMDB, apresentou
recibos de locação de veículos de uma empresa que, de acordo com a
Receita Federal, atua no transporte de cargas. É a Quatro Estações
Transportes, que também está autorizada a manter atividades de comércio
varejista de artigos de cama, mesa e banho e atacadista de produtos
alimentícios em geral. Entre 2011 e 2012, várias notas de R$ 18 mil
emitidas por essa empresa foram apresentadas ao Senado por Valdir Raupp,
para justificar o gasto da verba indenizatória.
Já Epitácio Cafeteira (PTB-MA) tem despesas constantes com a A. M.
Matias, uma empresa de São José de Ribamar, próxima a São Luís, e que
tem como ramo de atuação a "organização de excursões em veículos
rodoviários próprios intermunicipal, interestadual e internacional". O
gasto apresentado por ele foi de R$ 11 mil por mês, durante o período
pesquisado.
hospedagem em hotéis de luxo
Além de muitas viagens bancadas por recursos públicos, alguns
parlamentares também não dispensam o conforto de bons hotéis. Mozarildo
Cavalcanti, por exemplo, quando troca Boa Vista pelo Rio de Janeiro,
costuma ficar no Copacabana Palace. Em 17 de outubro de 2011, há, no
site do Senado, seis registros em sua prestação de contas de pagamentos
de diárias nesse hotel. As notas têm o mesmo número, mas os valores são
diferentes: R$ 7.380,65; R$ 7.298,15; R$ 7.345,45; R$ 7.393,85; R$
7.477,45 e R$ 7.448,85. O dia 17 foi uma segunda-feira, o que sugere que
a hospedagem se deu no fim de semana. O senador também gosta de ir a
Belém, também distante de seu domicílio eleitoral. Na capital paraense,
hospeda-se no Brasilton. Em 10 de agosto de 2011, gastou R$ 3.888,45. Em
17 de novembro do mesmo ano, mais R$ 4.062,54 no mesmo hotel. Mozarildo
também é atuante em São Paulo. Em 2 de agosto de 2011, deixou R$
6.633,21 no Blue Tree do Itaim Bibi. Uma semana depois, e dois dias
antes de ir a Belém, pagou mais R$ 4.260,92 por mais uma estadia.
Apesar de Mozarildo ter residência em Boa Vista, ele também tem despesas
com hotel na sua própria cidade: apresentou nota no valor de R$ 12.960
no Boa Vista Eco Hotel. O recibo, no entanto, está em nome de Odashiro
Construções Ltda, nome social do hotel. Foi emitido em 15 de outubro do
ano passado, logo após as eleições. No portal da transparência do Senado
está na rubrica "divulgação de atividade parlamentar".
Outro que se hospeda em hotéis de luxo é o senador Ciro Nogueira
(PP-PI). No dia 22 de agosto de 2011 ele apresentou uma nota no valor de
R$ 1.366 depois de passar o fim de semana no Copacabana Palace.
Voltaria no fim de semana seguinte, deixando o hotel na segunda-feira, e
gastando mais R$ 1.390. Em 24 de outubro, pagou mais R$ 2.034. Em São
Paulo, a predileção de Nogueira é pelo Emiliano. Somente em setembro de
2011, gastou R$ 5.397 lá, onde esteve em quatro ocasiões. Em abril de
2012, mais três hospedagens no mesmo local, com gasto de R$ 7.658 e, em
julho do mesmo ano, mais R$ 4.267. Em agosto do ano passado, foram mais
R$ 3.661 e, em setembro, R$ 2.135.
Acir GURGACZ (PDT-ro)
O que fez:
Gastou R$ 23.288 para abastecer uma aeronave de sua propriedade nos
estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Roraima, Paraná e Mato Grosso.
O QUE DIZ A REGRA:
A locação de meios de transportes destina-se exclusivamente ao
deslocamento dentro de seu estado de origem.
CIRO NOGUEIRA (PP-PI)
O QUE FEZ:
Gastou R$ 31.042 com hospedagem em fins de semana no Copacabana Palace e
no Windsor Hotel, no Rio, além de no Hotel Emiliano (SP).
O QUE DIZ A REGRA:
Em princípio, não há ilegalidade, desde que esteja em atividade
parlamentar.
FERNANDO COLLOR (PTB-AL)
O QUE FEZ:
Gastou R$ 56.310 para abastecer aeronave em Porto Seguro (BA), SP, Rio,
Fortaleza, Guarulhos, Porto Alegre e Jundiaí (SP).
O QUE DIZ A REGRA:
A locação de transporte destina-se só ao deslocamento no estado de
origem.
EPITÁCIO CAFETEIRA (PTB-MA)
O que fez:
Gastou R$ 132 mil com aluguel de veículos de uma empresa que realiza
excursões rodoviárias.
O QUE DIZ A REGRA:
As empresas só podem fornecer notas fiscais de serviços para os quais
estejam credenciadas na Receita.
JAYME CAMPOS (DEM-MT)
O QUE FEZ:
Gastou R$ 34.887 com combustível para abastecer a própria aeronave em
São Paulo e Rio de Janeiro.
O QUE DIZ A REGRA:
A locação de meio de transportes destina-se exclusivamente ao
deslocamento dentro de seu estado de origem.
JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB-MA)
O QUE FEZ:
Paga, desde 2011, prestações mensais fixas de três carros de uma
concessionária que só faz venda. Gastou R$ 133.644 com esses veículos.
O QUE DIZ A REGRA:
O Ato 10 proíbe aquisição de material permanente, como comprar carro.
MOZARILDO CAVALCANTI (PTB-RR)
O QUE FEZ:
Gastou R$ 71.566 com hospedagem, várias vezes, nos hotéis Copacabana
Palace (Rio), Blue Tree (SP) e Brasilton Belém.
O QUE DIZ A REGRA:
Em princípio, não há ilegalidade, desde que esteja em atividade
parlamentar.
VALDIR RAUPP (PMDB-RO)
O QUE FEZ:
Gastou R$ 108.356 com aluguel de veículos de uma empresa de transporte
rodoviário de carga, artigos de cama, mesa e banho e atacadista de
alimentos.
O QUE DIZ A REGRA:
As empresas só podem fornecer notas fiscais de serviços para os quais
estejam credenciadas na Receita. |
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