Folha de S. Paulo 06 de maio 2011-- editorial
Provisórias e abusivas
Em episódio que poderia ser só mais um ato do teatro legislativo, se não fosse sintoma de um mal maior no sistema político brasileiro, a oposição se retirou quarta-feira do plenário do Senado. Foi um protesto contra a aprovação, pela maioria governista, de uma medida provisória (MP) que reunia seis assuntos disparatados.
A prática contraria o equilíbrio entre os Poderes, pois denota a disposição do Executivo de impor ao Congresso -onde tem maioria- o exame conjunto de meia dúzia de problemas. De tão banalizada, iniciativas assim ganharam o apelido "árvore de Natal".
A medida em questão versava sobre normas do sistema financeiro habitacional, financiamento do BNDES para empresas de municípios atingidos por desastres naturais, recursos para o fundo soberano federal, regras do fundo garantidor das parcerias público-privadas, investimentos na malha rodoviária e doação ao Haiti.
Nem todos os temas têm óbvia urgência, um dos requisitos que, constitucionalmente, a Presidência deveria satisfazer na edição de MPs (o outro é relevância). Criadas em 1988 para substituir a figura do decreto-lei, medidas provisórias se tornaram veículo permanente de usurpação, pelo Executivo, de funções do Legislativo.
O uso abusivo de MPs, que devem ser votadas em 120 dias e trancam a pauta do Congresso após 45 dias, existe desde o governo José Sarney (1985-1990). Costuma ser alvo dos oposicionistas de plantão. Uma vez no poder, contudo, deixam as críticas de lado.
O quadro atual se torna mais grave, na comparação com os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), pelo fato de o governo Dilma Rousseff dispor de ampla maioria nas duas casas do Congresso. Aos legisladores que têm restrição ao teor das MPs, não resta muito além do protesto.
O episódio desta semana, no entanto, coincidiu com o exame, pelos próprios senadores, de uma proposta de emenda constitucional sobre a questão. Seu objetivo inicial era limitar a 55 dias a tramitação das medidas provisórias na Câmara, de modo a dar ao Senado mais tempo para examiná-las.
A oposição quer que a PEC seja ampliada para incluir a criação de uma comissão de deputados e senadores que teria três dias para avaliar se cada MP atende aos critérios de urgência e relevância. Pela regra proposta, as MPs só entrariam em vigor após essa avaliação prévia, e não de imediato.
Uma barreira dessa espécie viria a coibir a repetição de abusos há muito praticados e restaurar o equilíbrio entre os Poderes Executivo e Legislativo
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