segunda-feira, 16 de maio de 2011

crime organizado endógeno

O Estado de S. Paulo 16 de maio 2011.

Crime se infiltra para fraudar


""Crime organizado se infiltra para fraudar licitações públicas""
Novo chefe da PF em São Paulo diz que esquemas de desvio de verba nos governos ""quase sempre"" envolvem servidores e que coibir caixa 2 na eleição de 2012 será uma prioridade
Fausto Macedo e Marcelo Godoy - O Estado de S.Paulo
Entrevista
Roberto Troncon Filho

"Fraudes em licitações quase invariavelmente contam com o envolvimento e o concurso de agentes públicos", revela o delegado Roberto Troncon Filho, novo superintendente regional da Polícia Federal em São Paulo. Segundo ele, servidores cooptados pelas organizações criminosas se infiltram em setores da administração e, dessa forma, colaboram em esquemas de desvio de recursos públicos. "As organizações criminosas, na amplitude do seu espectro, podem atuar para o tráfico em determinado morro do Rio e podem se estabelecer e se organizar, no caso do colarinho branco, para fraudar licitações públicas", aponta Troncon.
O chefe da Polícia Federal no maior Estado do País é o número um da corporação no combate a organizações do crime. Aos 48 anos, com um currículo recheado de especializações em áreas sensíveis - inclusive gerenciamento de crises e antiterrorismo -, Troncon implementou na PF a estratégia nacional de repressão ao crime organizado.
Atualmente, a PF conduz 2 mil inquéritos sobre corrupção, fraudes a licitação e desvios de recursos em prefeituras de todo o País. É elevado o contingente de funcionários públicos detidos pela corporação. Em 2010, a PF deflagrou 272 operações, que culminaram na prisão de 2.734 suspeitos, dos quais 124 eram servidores. Em 2009 foram aprisionados 182 funcionários públicos. Em 2008, outros 383 e, em 2007, 310 caíram nas malhas da PF.
À reportagem do Estado, que foi recebida na espaçosa sala do nono andar do edifício-sede da instituição, na Lapa, Troncon disse que uma de suas prioridades é intensificar as ações contra organizações que põem seus tentáculos no coração da máquina pública, além de investigar e reprimir crimes eleitorais em 2012, ano de disputa na esfera municipal.
Como o crime organizado age na administração pública?
No caso das organizações mais complexas, é possível até que patrocinem o ingresso de agentes no serviço público, bancando seus estudos, bancando aprovação em concursos ou mesmo a cargos eletivos. Não estou falando de nenhum caso específico. Mas uma organização do narcotráfico que porventura tem muito interesse em determinado ponto da fronteira, teoricamente, pode até bancar e financiar a eleição de determinada pessoa para o cargo de prefeito daquela cidade e, assim, ter algum benefício ou facilidade para se instalar naquela região.
Essas organizações podem se infiltrar em outras áreas?
Da mesma forma pode ocorrer no parlamento. Podem financiar determinados políticos, unindo-se a eles. Esses políticos poderão defender seus interesses. Falo apenas teoricamente, não estou falando de caso concreto, mas isso é possível, tanto no Brasil como no resto do mundo. O Estado tem a responsabilidade de ficar atento a esses movimentos.
Qual a estratégia para as eleições de 2012?
Vamos investigar e reprimir crimes eleitorais. O alvo são candidatos a prefeitos e vereadores que fizerem uso de caixa 2 de campanha. Em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vamos montar um modelo de combate a ilícitos no âmbito eleitoral. Vamos aprimorar o trabalho realizado no pleito de 2010. Antes da eleição, junto com o TSE, demos início a uma estratégia que resultou em apreensões, prisões e inquéritos para coibir o financiamento ilegal. Vamos fortalecer essa parceria com o TSE.
Não vai mais haver troca de voto por boi ou por galinha?
Seja o que for, se for crime eleitoral, a PF vai agir. Todas as superintendências regionais da PF têm orientação para estarem atentas nas próximas eleições municipais, sob orientação do TSE. Essa é uma metodologia que veio para ficar.
Há 2 mil inquéritos sobre corrupção em prefeituras.
Há muitas fragilidades nos mecanismos de prevenção ao desvio de verbas públicas. Mas o Brasil tem avançado. O controle era muito vulnerável. Criamos a Controladoria Geral da União, que tem foco específico de verificar a aplicação de recursos e a gestão da coisa pública. O Tribunal de Contas da União aperfeiçoou consideravelmente sua atuação. A PF aprimorou suas ações. Identificamos uma série de ilícitos decorrentes da malversação de verbas públicas.
Por que corrupto não fica preso?
Estamos avançando no combate à corrupção. O enfrentamento à corrupção, em todos os níveis de governo, é uma ação positiva. A falta de condenações, porém, está relacionada também com o sistema processual, os inúmeros recursos, essa dinâmica. Estar na cadeia, sentenciado, cumprindo pena, não é papel da polícia. Não temos compromisso nenhum em condenar ninguém. A investigação criminal se assemelha a uma investigação científica. A condenação depende da boa investigação, da qualidade das provas e da celeridade da atuação da Justiça.
O Brasil está atrás no combate ao crime organizado?
O nosso Código Penal é de 1941. Ele retrata a realidade de uma época em que não existia essa forma de organização criminosa, com atuação ampla em mais de um Estado ou em vários países simultaneamente. Organização criminosa ainda não é um tipo penal no Brasil, mas a definição legal da Convenção da ONU já existe aqui, porque o decreto 231 introduziu no nosso ordenamento jurídico. A organização criminosa é perene, por tempo indeterminado. Não é para um único ato. Segue a mesma lógica da atividade empresarial quando busca lucros. A diferença crucial está na finalidade, na exploração de atividades ilegais.
O sr. já recebeu telefonema de político pedindo alívio?
Nunca. Tenho 16 anos de Polícia Federal. Nunca recebi nenhuma pressão como delegado, ou como presidente de inquérito, chefe de delegacia ou diretor que fui. Nunca ousaram pedir que eu fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa para privilegiar ou perseguir quem quer que seja. Esse é um dogma para a PF. Qualquer policial, com seis meses de trabalho ou 30 anos, tem isso como dogma. Nós investigamos, desenvolvemos nossas atividades dentro da legalidade. Nosso controle hierárquico é rigoroso para que não haja desvios.
O corte de verbas não é uma forma de fazer a PF tirar o pé do acelerador?
O princípio da economia de que as necessidades são crescentes e os recursos são escassos vale para tudo, inclusive para a gestão pública. Se nós temos demandas crescentes por atuação na emissão de passaportes, no controle imigratório, na própria modernização de tecnologia e na ampliação de nossos quadros de funcionários para fazer frente aos grandes desafios que temos, é óbvio que demandamos dinheiro. Mas a saúde, a educação também. As áreas típicas, essenciais do serviço público, demandam recursos financeiros. Podemos ver o país como uma grande família ou uma empresa, cada um com uma função. Mas a empresa pode estar passando por um determinado momento, e é o caso do Brasil, e nós compreendemos isso. Temos um risco de inflação. Quem viu o cenário de grandes desarranjos na economia por conta da inflação sabe que é o primeiro inimigo a ser combatido.
Como a PF vai driblar o corte?
Estamos fazendo todo o possível para não deixar nada do que é essencial para depois. Se fosse outro cenário, se tivesse recurso para a saúde, a educação e o transporte, recurso para todo mundo, e só não tivesse para a Polícia Federal, então você poderia questionar. Mas houve um corte linear para todos os ministérios. Antes de falar que não tem dinheiro para investigação criminal, já não teve para obras, para novas viaturas, para treinamento. Por isso, por um período de um ano, um pouco mais, o contingenciamento de verbas não gerará impacto na nossa atividade de repressão ao crime. E há uma causa, uma justificativa bastante razoável: temos uma pressão inflacionária. Não sou economista, mas leio jornais. Leio o Estadão todos os dias. Vamos cumprir nosso papel sem problemas. Compreendemos o propósito do governo federal, é mais do que justificável.

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