segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Ferguson tropical

Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 2014.

Luiz Fernando Vianna

Ferguson é aqui

RIO DE JANEIRO - Se a cada morte de um jovem negro pela polícia, no Brasil, segmentos da população saíssem às ruas tomados de revolta similar à ocorrida em Ferguson, nos EUA, viveríamos em convulsão diária.
Neste ano, foi divulgado um estudo da Universidade de São Carlos, coordenado por Jacqueline Sinhoretto. Mostra que, entre 2009 e 2011, 61% das pessoas mortas pela polícia de São Paulo eram pretas e pardas, e 77% tinham entre 15 e 29 anos. Em 79% dos casos, os responsáveis pelas mortes foram policiais brancos.
O repórter Alvaro Magalhães, do "Diário de S. Paulo", fez um levantamento com os registros da capital paulista em 2012. Deu 66% de pretos e pardos entre os mortos.
Não se deve esperar que a situação tenha melhorado desde então. Basta ver que, no Estado de São Paulo, a Polícia Militar matou 434 pessoas no primeiro semestre deste ano contra 269 do mesmo período do ano passado, aumento de 62%.
No Rio, os autos de resistência -- eufemismo para esconder execuções, na maior parte dos casos-- pularam de 200 no primeiro semestre de 2013 para 285 de janeiro a junho de 2014, um salto de 42,5% após cinco anos de queda das taxas. Ao longo de todo o ano de 2012, a polícia de Nova York matou 16 pessoas.
Divulgado em maio passado, o Mapa da Violência, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz para o governo federal, aponta que, em 2010, último ano do levantamento, 75,1% das vítimas de homicídios no país foram pretas e pardas. Em 2002, a taxa era de 62,2%.
Tentando se proteger em condomínios fechados e usando codinomes para vociferar na internet, os mais abastados acham que polícia é milícia: não precisa seguir as leis, pois sua função é matar preto pobre.
No dia em que Rio de Janeiro ou São Paulo virar uma grande Ferguson, não haverá policial suficiente para fechar a panela.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Silêncio castrense

Anos de chumbo: comandante impõe silêncio ao Exército

Unidades da força são obrigadas a não colaborar com as investigações sobre os crimes da ditadura

por Chico Otavio
22/08/2014 6:00 / Atualizado 22/08/2014 8:57      O Globo

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Íntegro: Foto do Dops comprova que Raul Amaro estava bem ao ser preso. Exército nunca divulgou prontuário médico - ARQUIVO NACIONAL
RIO — O comandante do Exército, general Enzo Peri, proibiu os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante o regime militar. Em ofício datado de 25 de fevereiro, o general determinou que qualquer solicitação sobre o assunto seja respondida exclusivamente por seu gabinete, impondo silêncio às unidades. Por entender que a medida é ilegal, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) vai pedir à Procuradoria Geral da República que ingresse com representação contra o comandante.
O ofício foi usado pelo subdiretor do Hospital Central do Exército (HCE), coronel Rogério Pedroti, para negar ao MPF-RJ o prontuário médico do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, que morreu na unidade em 12 de agosto de 1971. O documento médico poderia comprovar a suspeita de que Raul, que foi preso pelo DOPS na noite de 31 de julho, na Rua Ipiranga (Flamengo), não teria resistido às sessões de tortura. No ofício, Enzo Peri informa que a decisão abrange os pedidos feitos pelo “Poder Executivo (federal, estadual e municipal), Ministério Público, Defensoria Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964 e 1985”.
— O Ministério Público está adotando as medidas necessárias para remover esses obstáculos às investigações e responsabilizar os servidores que sonegam informações. De qualquer forma, é lamentável que o comando atual do Exército de um Estado Democrático de Direito esteja tão empenhado em ocultar provas e proteger autores de sequestros, torturas, homicídios e ocultações de cadáver — lamentou o procurador da República Sérgio Suiama.
LEI EXCLUI COMANDANTE
Suiama, responsável pelo procedimento que investiga a morte de Raul Amaro, advertiu ao subcomandante do HCE que a Lei Complementar 75/93, que regulamenta o Ministério Público da União, autoriza que os pedidos de informações sejam encaminhados diretamente às unidades.
O procurador disse que as exceções — casos em que os pedidos só podem ser feitos pelo procurador-geral da República e não pelos procuradores de primeiro grau — não incluem o comandante do Exército. “A lei concede tal prerrogativa apenas para presidente e vice-presidente da República, membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e chefes de missões diplomáticas”, escreveu Suiama ao coronel Rogério Pedroti.
O prontuário da vítima nunca foi divulgado. O engenheiro foi detido por uma radiopatrulha quando voltava de uma festa. Os policiais resolveram prendê-lo depois de encontrar em seu carro dois desenhos que foram considerados mapas. O primeiro ensinava a sair do apartamento do cunhado de Raul, que morava em São Paulo, e o segundo era o caminho para a própria casa do engenheiro.
O preso foi levado no dia seguinte à prisão para o Destacamento de Operações do Exército do 1º Exército (DOI I), na Rua Barão de Mesquita. Torturado, foi transferido às pressas para o Hospital Central do Exército, onde morreria dez dias depois. O corpo foi devolvido à família. Um tio de Raul, médico legista, constatou que a vítima sofrera agressões e apresentava a equimoses nas pernas.
— Desde o primeiro momento, o Exército tem negado sistematicamente informações sobre a morte. O ofício do comandante é mais uma demonstração que eles querem impedir o esclarecimento. Esse silêncio é emblemático. Quando se omitem, estão assumindo uma posição — criticou Felipe Nin, sobrinho de Raul Amaro.
Raul era funcionário do Ministério da Indústria e Comércio e conseguiu uma bolsa de estudos na Holanda, mas nem chegou a usufruí-la. Documentos produzidos na época pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) descrevem o engenheiro como militante do MR-8 e que sua casa funcionava como aparelho do grupo. Em 1994, a família obteve na Justiça sentença definitiva que considerou o Estado culpado por sua morte. O depoimento de um soldado que viu Raul ser torturado nas dependências do DOI I foi fundamental para ganhar a causa.
— Causa perplexidade o Hospital Central do Exército não ter autonomia para entregar ao Ministério Público Federal registros dos prontuários de presos políticos. Trata-se de mais um fato vergonhoso na história de nosso país, pois não bastasse as Forças Armadas não abrirem seus arquivos, ainda tentam impedir o MPF e a Comissão da Verdade de cumprirem com suas funções e negam prontuários médicos — comentou a presidente da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges.
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LAUDO COMPROVA TORTURA
Desde setembro de 2013, a CEV também aguarda os registros solicitados ao Exército de todos os prontuários de presos políticos atendidos no HCE durante o regime militar. Laudo do médico-legista Nelson Massini, apresentado na semana passada pela comissão, sustentou que o engenheiro foi torturado em pelos menos três ocasiões durante a semana em que permaneceu no HCE, as últimas delas na véspera da morte.
O comandante do Exército, procurado pelo GLOBO para comentar a decisão, não retornou o pedido do jornal encaminhado por mensagem eletrônica ao Centro de Comunicação Social (Cecomsex) da Força em Brasília até as 21 horas de ontem.


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domingo, 17 de agosto de 2014

Degradada democracia

Folha de S. Paulo, 17 de agosto de 2014.

Cristovam Buarque

Não desistiremos, Eduardo

O nome de Eduardo Campos não estará nas urnas, e isso fará uma dramática diferença nas expectativas de milhões de eleitores
A primeira notícia foi a de que os ventos de agosto derrubaram o avião que levava Eduardo Campos e outras seis pessoas, apagaram a chama de uma esperança para o futuro e espalharam perdas pelo Brasil.
A primeira perda foi familiar. A dor da mãe, da avó, da mulher, dos filhos, do irmão e dos parentes de Eduardo. Para estes não é preciso tinta escrita, só lágrimas.
A segunda perda é dos amigos e conhecidos. Era impossível estar junto de Eduardo e não ter uma razão para deslumbrar-se com sua simpatia e suas histórias sobre a cultura nordestina e a vida política. Ao saber da notícia de sua morte, quem o conheceu sentiu um vazio pessoal, sem contar sua liderança política.
Ele era um líder político, e a terceira perda é a da esperança que representava para seu povo, sua pátria. Eduardo carregava a esperança de uma alternativa à polarização que domina a política brasileira nas últimas décadas.
Mesmo reconhecendo qualidades no PT e no PSDB, ele conseguia ser diferente dos dois blocos que dominam a política nacional.
Era a alternativa viável à mesmice da política atual, em que a discordância ideológica foi substituída pela raiva mútua que impede a capacidade de dialogar. Era capaz de conversar com todos os lados, sem perder a firmeza de suas posições. Como dissera o poeta Ferreira Gullar sobre Gregório Bezerra, "era feito de ferro e de flor".
A quarta perda é a da chance de mudança nos rumos do país para atender ao desejo coletivo por uma alternativa que supere o esgotamento da democracia sem ética; o sistema de transferência de renda que não transforma o modelo excludente; uma estabilidade monetária claudicante; um crescimento econômico interrompido.
Sem propor rupturas, Eduardo defendia uma inflexão no rumo do Brasil para consolidar as bases da estabilidade monetária; utilizar a educação integral como porta de saída para os beneficiados pelo Bolsa Família; e criar os instrumentos necessários para retomar o crescimento de uma economia moderna baseada no conhecimento científico e tecnológico. Ele era firme e radical em seu compromisso com uma reforma política, capaz de robustecer nossa degradada democracia.
A quinta perda é a do exemplo, da coerência sem intransigência e da coragem de servir a um projeto político e dele se afastar quando percebeu que o modelo perdeu seu vigor transformador, abandonou seus princípios e deixou de atender aos anseios da nação que pede mudanças.
A sexta perda é do futuro. Já sentimos perdas com as mortes de vários líderes: Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Ulysses Guimarães --mas eram líderes que já tinham dado a contribuição que o país esperava deles. Aos 49 anos, Eduardo estava começando a saltar do que fez por Pernambuco para fazer para o Brasil inteiro. Adiante estava o futuro, dele e do país.
A sétima perda é eleitoral. O nome de Eduardo Campos não estará nas urnas, e isso fará uma dramática diferença nas expectativas de milhões de eleitores que viam nele o candidato da novidade, da reforma política, da afirmação da República sobre os partidos, do tratamento do patrimônio público compromissado com o povo, o Estado e a nação; da construção de um modelo econômico sem exclusão; que esperavam dele utilizar todos os recursos federais necessários para fazer a revolução na educação que o país adia há séculos.
Fica, porém, o legado e a chama que um vento de agosto não é capaz de apagar. Até porque, na véspera da sua morte, as últimas palavras públicas de Eduardo foram: "Não desistam do Brasil".
CRISTOVAM BUARQUE, 70, é senador pelo PDT-DF e professor da Universidade de Brasília

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Familisno

O Globo, 12 de agosto de 2014.

A força do sangue

José Casado, O Globo
Eles somam 52 entre 81 senadores, e 228 dos 513 deputados federais. Juntos, representam 280 votos no plenário do Congresso Nacional. Constituem prova viva da força das relações de sangue na política brasileira.
O predomínio é claro: um de cada dois parlamentares federais eleitos em 2010 tem pais, filhos, irmãos, avôs, tios, primos, sobrinhos, cônjuges, genros, noras ou cunhados em cargos eletivos do Executivo ou dos Legislativos federal, estaduais e municipais.
Na prática, significa que o controle do Estado brasileiro depende do voto majoritário de um “clube” composto por pouco mais de duas centenas de famílias.
Uma das características desse condomínio é a perpetuação no poder. Exemplo: dos deputados federais eleitos há quatro anos, quando estavam com menos de 30 anos de idade, nada menos que 79% eram herdeiros (filhos ou netos) de clãs políticos regionais — quase todos estão nas ruas à caça de votos para a eleição de outubro.
“Entra e sai governo, os oligarcas e seus filhos, netos, cônjuges, irmãos e sobrinhos seguem dando as cartas", constata Lauren Schoenster, pesquisadora da Transparência, que acaba de mapear o poder dos clãs regionais. Um dos efeitos da perpetuação, ela acha, é a formação de uma base parlamentar avessa a mudanças significativas no país.
Sangue é capital político relevante nas urnas. Isso não é produto típico nacional — como demonstraram os Kennedy e seguem mostrando os Bush nos Estados Unidos. Mas o caso brasileiro ganha relevo pela dimensão alcançada na atual temporada eleitoral.
Há dois herdeiros entre os três mais destacados candidatos à Presidência. Aécio Neves (PSDB), com 54 anos, e Eduardo Campos (PSB), com 49, desde o berço aprenderam a cultivar a ambição pelo poder (para conhecê-los, assim como a sua adversária Dilma Rousseff, há um ótimo livro na rede, “Os candidatos", de Maria Cristina Fernandes).
O familismo se espraia pelos estados, onde o repórter Pedro Marcondes de Moura identificou 24 candidatos a governador oriundos de clãs com tradição na política local.
Há casos como o da Paraíba, com 93% da bancada parlamentar federal produzidos em meia dúzia de famílias, lembra Lauren Schoenster. No Rio Grande do Norte, onde 91% dos parlamentares também são herdeiros, há um candidato a governador, Henrique Eduardo Alves (PMDB), atual presidente da Câmara dos Deputados, cuja parentela inclui um ex-governador, um senador, o prefeito da capital, Natal, e o ministro da Previdência Social.
No Acre, a família Viana se reveza há 16 anos e tenta completar duas décadas no poder, com a reeleição do atual governador. Esse clã cresceu com o PT, desde a época em que o partido gritava nas ruas contra as oligarquias. A sedução do poder muda prioridades. O familismo pode e deve ser exaltado “com muito orgulho”, ensinou Lula a Hélder, filho do seu aliado Jader Barbalho, dias atrás, ao lançá-lo candidato a governador do Pará.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Amarildos

Folha de S. Paulo, 7 de agosto de 2014.

Paula Cesarino Costa

Fábrica de Amarildos

RIO DE JANEIRO - 2 de agosto. PMs do batalhão de Irajá (zona norte) sinalizaram para um o carro com características semelhantes às de veículo envolvido em assaltos. O motorista não parou. Pelo menos sete tiros foram disparados. Uma bala de fuzil atingiu Haissa, 22. Voltava de um pagode, com quatro amigos. Quatro PMs foram afastados.
27 de julho. Policiais militares da UPP Fogueteiro (região central) patrulhavam área de venda de drogas. Avistaram dois homens, tidos como suspeitos. Há um tiroteio. Um fugiu, o outro caiu. Vitor, 40, foi atingido por seis tiros. Segundo a polícia, tinha uma pistola. Sua mulher contou que viu os policiais atirarem na cabeça do marido, enquanto agonizava. Seis policiais estão presos.
11 de junho. Dois cabos prenderam e colocaram na caçamba do carro da PM três garotos acusados de cometer furtos e os levaram para o morro do Sumaré. Um foi liberado; dois foram alvos de tiros. O corpo de Matheus, 14, foi encontrado no dia seguinte. O terceiro, baleado, fingiu-se de morto e fugiu. Na câmara do carro, estão gravados diálogos estarrecedores: "Menos dois. Se a gente fizer isso toda semana dá pra ir diminuindo". Os policiais estão presos.
23 de maio. Policiais civis faziam operação no morro do Banco (zona oeste). Um morador filmou a cena. Allyson, 19, levantou as mãos. Os policiais se aproximaram. Ele se ajoelhou. Tiros foram ouvidos. Caiu morto. Os três estão afastados das ruas.
Na mochila de Alysson havia drogas, diz a polícia. Os levados para o Sumaré podem ter roubado. Vitor podia estar armado. O carro com Haissa não parou na abordagem policial. Não importa. Foram assassinados pela polícia. Sem chance de defesa. Quatro histórias. Quatro mortes.
Exemplos de incompetência, imperícia e impunidade. A polícia do Rio é uma fábrica de Amarildos. É insuficiente perguntar cadê. O Estado precisa responder por quê.

sábado, 2 de agosto de 2014

Censura

Enviado por Ricardo Noblat -
2.8.2014
| 7h59m
política

Censura à vista

Ruy Fabiano
Em 1985, primeiro ano da redemocratização, o então ministro da Justiça do governo Sarney, Fernando Lyra, anunciava, em tom triunfal, a cerca de 700 artistas e intelectuais, reunidos no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, o fim da censura.
Ela vigorara oficialmente ao longo do regime militar, exercida de forma prévia, por meio de censores nas redações, e a posteriori, pelo recolhimento de publicações que escapavam à sagacidade (sempre escassa) daqueles.
A censura prévia fora derrubada ainda no governo Geisel, mas a censura a posteriori prosseguiu até o fim do regime. Sua abolição total se deu apenas com o anúncio de Fernando Lyra, na sequência da proibição e posterior liberação de um filme medíocre de Jean-Luc Godard, “Je Vos Salue Marie”, a que os censores deram visibilidade e cujo imbróglio marcou o fim oficial da censura.
A Constituição de 1988 foi enfática em condená-la, em nada menos que seis incisos ao artigo 5º (do nono ao décimo-quarto). Mesmo assim, seu fantasma jamais deixou de pairar sobre a vida jornalística e intelectual brasileira. Adquiriu outras formas, sofisticadas, sub-reptícias, tão ou mais eficazes, dando origem ao termo, ainda vigente, de “patrulhas ideológicas”.
Já não era necessária a presença de censores oficiais nas redações e universidades. O ambiente intelectual se incumbia de cercear o livre debate de ideias, lançando ao limbo as que não se afinassem com o discurso de esquerda. Autores múltiplos deixaram de ter suas obras disponíveis, censurados pelo silêncio.
O quadro persiste e somente há pouco tempo algumas vozes dissonantes, na imprensa e na universidade, se levantaram para estabelecer o contraponto. São vozes que entre si guardam pouca ou mesmo nenhuma afinidade, senão a de se contrapor ao ideário hegemônico. Sua discordância não provoca o debate, mas uma reação ofensiva, uníssona, que busca impor-lhe um rótulo comum de “direita”, igualando desiguais, na tentativa de difamá-los.
Direita, nesses termos, é tudo o que se contrapõe ao ideário esquerdista, o que automaticamente remete o infrator à companhia de personagens como Hitler, Mussolini ou Pinochet. Ser de esquerda, no entanto, não estabelece vínculos com açougueiros bem mais eficazes, como Stalin, Lênin ou Fidel Castro. Ao contrário, os companheiros citados são bem mais charmosos: Chico Buarque, Pablo Neruda, José Saramago – e por aí vai.
Nada disso é gratuito. O que se quer é inibir o debate de ideias e rumos para o país, fora da agenda socialista. Mas não parece suficiente. Tanto assim que o PT persiste na ideia de “regulamentar” a mídia e tê-la sob “controle social”.
Incluiu-a no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos e teve que recuar diante das reações. Na campanha de 2010, Dilma comprometeu-se a não levá-la adiante, assegurando que, em seu governo, só admitiria o controle remoto. Boa tirada, a ser comprovada.
Mês passado, o vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, publicou, no site do partido, uma lista negra de seis jornalistas (“entre outros menos votados”) que, segundo ele, deveriam ser simplesmente banidos da mídia. O partido não o contradisse, nem deu bola para as reações de protesto. Portanto, até prova em contrário, a lista está em vigor.
Semana passada, uma analista do Banco Santander foi demitida, por exigência de Lula, governo e PT, por ter, em carta aos clientes, constatado o óbvio: que a hipótese de reeleição de Dilma afeta negativamente as cotações no mercado. Recomendou aos investidores que, por essa razão, procurassem o banco para orientar suas aplicações. Entrou também para o índex.
A censura, nesse caso, saiu do terreno da informalidade e ganhou contornos oficiais. Interferiu na comunicação de um banco com seus clientes, o que nem o governo militar ousou.
Parece ser uma prévia do que aguarda o país, se Dilma vencer. É pelo menos o que promete o deputado José Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoíno, que diz que a regulamentação da mídia virá de qualquer jeito, “quer queiram, quer não queiram”.
Numa democracia, como é óbvio, tal expressão só faz sentido se dita pela contramão.

Ruy Fabiano é jornalista