domingo, 29 de setembro de 2013

Coronelismo de esquerda

Militância vira critério para receber moradia do Minha Casa Minha Vida
29 Set 2013

Onze das 12 entidades com projetos aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por filiados ao PT; quem marca presença em protestos e até ocupações ganha prioridade na fila da casa própria em São Paulo

Adriana Ferraz e Diego Zanchetta, O Estado de S.Paulo


Líderes comunitários filiados ao PT usam critérios políticos para gerir a maior parte dos R$ 238,2 milhões repassados pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades para a construção de casas populares na capital. Onze das 12 entidades que tiveram projetos aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por filiados ao partido. Suas associações privilegiam quem participa de atos e manifestações de sem-teto ao distribuir moradias, em vez de priorizar a renda na escolha. Entre gestores dos recursos, há funcionários da gestão de Fernando Haddad (PT), candidatos a cargos públicos pela sigla e até uma militante morta há dois anos.
A partir de repasses diretos, as associações selecionadas pelo governo federal escolhem quem vai sair da fila da habitação em São Paulo. Os critérios não seguem apenas padrões de renda, mas de participação política. Quem marca presença em eventos públicos, como protestos e até ocupações, soma pontos e tem mais chance de receber a casa própria.
Para receber o imóvel, os associados ainda precisam seguir regras adicionais às estabelecidas pelo programa federal, que prevê renda familiar máxima de R$ 1,6 mil, e prioridade a moradores de áreas de risco ou com deficiência física. A primeira exigência das entidades é o pagamento de mensalidade, além de taxa de adesão, que funciona como uma matrícula. Para entrar nos grupos, o passe vale até R$ 50.
Quem paga em dia e frequenta reuniões, assembleias e os eventos agendados pelas entidades soma pontos e sai na frente. O sistema, no entanto, fere o princípio da isonomia, segundo o advogado Márcio Cammarosano, professor de Direito Público da PUC-SP. "Na minha avaliação, esse modelo de pontos ainda me parece inconstitucional, além de escandaloso e absolutamente descabido. Ele exclui as pessoas mais humildes, que não têm condições de pagar qualquer taxa ou mesmo de frequentar atos públicos", afirma.
50 mil pessoas. Os empreendimentos são projetados e construídos pelas associações, que hoje reúnem uma multidão de associados. São mais de 50 mil pessoas engajadas na luta pelo direito à moradia. Além das entidades dos petistas, há ainda uma outra dirigida por um filiado ao PCdoB.
A força política dos movimentos de moradia, que só neste ano comandaram mais de 50 invasões na cidade, pressionam não só o governo federal, mas a Prefeitura. Em agosto, Haddad publicou um decreto no qual se comprometeu a permitir que entidades possam indicar parte das famílias que serão contempladas com moradias em sua gestão. A promessa de campanha é entregar 55 mil até 2016 – as lideranças querem opinar sobre 20 mil desse pacote.
O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, ainda alerta para o um efeito colateral do esquema implementado na capital pelas entidades, que é a cooptação política dos associados, com fins eleitorais.
"O governo deve imediatamente intervir nesse processo e rediscutir as regras. Isso remete ao coronelismo. Além disso, a busca pela casa própria não pode ser um jogo, onde quem tem mais pontos ganha."
Quem é quem. A maior parte das entidades é comandada por lideranças do PT com histórico de mais 20 anos de atuação na causa. É o caso de Vera Eunice Rodrigues, que ganhou cargo comissionado na Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) após receber 20.190 votos nas últimas eleições para vereador pelo partido.
Verinha, como é conhecida, era presidente da Associação dos Trabalhadores Sem Teto da Zona Noroeste até março deste ano – em seu lugar entrou o também petista José de Abraão. A entidade soma 7 mil sócios e teve aval do Ministério das Cidades para comandar um repasse de R$ 21,8 milhões. A verba será usada para construir um dos três lotes do Conjunto Habitacional Alexius Jafet, que terá 1.104 unidades na zona norte.
No ano passado, Verinha esteve à frente de invasões ocorridas em outubro em prédios da região central, ainda durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD), e em pleno período eleitoral. Em abril, foi para o governo Haddad, com salário de R$ 5.516,55. A Prefeitura afirma que ela está desvinculada do movimento e foi indicada por causa de sua experiência no setor.
Outra entidade com projeto aprovado – no valor de R$ 14 milhões –, o Movimento de Moradia do Centro (MMC), tem como gestor Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, filiado ao PT há mais de 30 anos e atual candidato a presidente do diretório do centro. Com um discurso de críticas à gestão Kassab e de elogios a Haddad, ele também nega uso político da entidade. "Qualquer um pode se filiar a nós e conseguir moradia. Esse é o melhor programa já feito no mundo", diz sobre o Minha Casa Minha Vida Entidades.
Ministério diz que desconhece esquema de pontuação. O Ministério das Cidades afirmou desconhecer que a presença em atos públicos, como protestos e ocupações, renda pontos às pessoas que lutam por uma moradia na capital. A pasta informou apenas que as entidades podem criar regras adicionais às estabelecidas pelo Minha Casa Minha Vida, sem a necessidade de aprová-las no governo.
Da mesma forma, o ministério disse que não pode interferir em regras internas dos movimentos de moradia e, por isso, não tem como impedir a cobrança de taxas e mensalidades.
O ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP), não quis dar entrevista. Por meio de nota, sua assessoria ressaltou que as entidades não são selecionadas, mas habilitadas a receber verba mediante o cumprimento de uma série de atribuições, como dar apoio às famílias no desenvolvimento dos projetos, assim como na obtenção da documentação necessária. O processo não segue, segundo a pasta, critérios políticos. Além disso, as associações devem se submeter a uma prestação de contas, feita pela Caixa Econômica Federal, que financia as unidades.

É desanimador

Folha de S. Paulo,  29 de setembro de 2013.

Eliane Cantanhêde
A volta dos que não foram
BRASÍLIA - O Brasil, que se vangloria, com boas razões, dos avanços dos últimos 20, 30 anos, corre o risco de ter, simultaneamente, um preso na Papuda com mandato de deputado, um presidente do Senado que foi enxotado por denúncias e voltou ao cargo, três condenados pelo Supremo mantendo o mandato e um governador que foi destituído, preso e, agora, é de novo candidato.
O tal Natan Donadon foi parar na cadeia por ordem do Supremo e manteve o mandato pelo voto dos colegas da Câmara. O presidente do Senado que saiu e voltou é Renan Calheiros. Os condenados pelo Supremo com mandato, um ou outro com assento na Comissão de Constituição e Justiça, todo mundo sabe quem são.
E quem é o governador do qual tratamos aqui? É o ex-governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, flagrado com a boca na botija no chamado "mensalão do DEM".
Arruda --que, no início, tinha tudo para dar certo-- já era reincidente a essas alturas. Tinha se enlameado no Senado, teve a segunda chance e afundou de vez no governo do DF.
Mas será que afundou de vez mesmo? Ele foi afastado do cargo e preso na mesma Papuda que agora hospeda Donadon, mas acaba de ter as contas do seu governo em 2008 aprovadas pela Câmara Distrital, enquanto a Justiça empurra com a barriga, como faz em geral com poderosos.
Por isso, Arruda já emerge, põe o nariz de fora e fareja a possibilidade de se filiar ao PR para concorrer a qualquer cargo em 2014. Pode? Sei lá. Ele e o presidente do partido no DF acham que sim, alegando que, se todo o mundo pode, por que ele não?
Por falar em "todo o mundo", a revista "Congresso em Foco" acaba de concluir um levantamento mostrando que, de cada dez parlamentares, quatro estão enrolados no Supremo Tribunal Federal --que é o foro privilegiado (bota privilegiado nisso!) dos que têm mandato. São 224 deputados e senadores respondendo a 542 inquéritos e ações penais.
É desanimador...

sábado, 28 de setembro de 2013

Avanços e retrocessos

Os inaceitáveis
28 Set 2013

Miriam Leitao


A cada Pnad o Brasil tem um sentimento misto: há avanços a comemorar e velhos atrasos de que se envergonhar. Desta vez, foi pior: o Brasil retrocedeu em alguns pontos. Na educação, o quadro é sempre ruim, mas o país estava melhorando um pouco a cada ano. Agora, houve um aumento do analfabetismo. Havia 300 mil analfabetos a mais no Brasil em 2012 em relação a 2011.
E não é estoque, é fluxo. O Brasil tem um estoque, como dizem os economistas, muito alto de analfabetos. São as pessoas mais velhas que, em décadas anteriores, foram vítimas da pouca preocupação que a educação sempre teve no país. Mas, nos últimos 20 anos, o país fez um esforço de ampliar a escolarização, programa que foi seguido ano após anos. Esse esforço tardio, mas meritório, de universalização da educação do primeiro grau foi muito bem sucedido.
O aumento do percentual e do número absoluto de analfabetos mostra descuido recente. Há analfabetismo em jovens, que foram vítimas de desatenção nos últimos anos. E isso é inaceitável. A taxa de analfabetismo vinha caindo lentamente, mas era ainda uma fonte da nossa vergonha. De 2011 para 2012 aumentou de 12,9 milhões para 13,2 milhões o número absoluto de analfabetos. O analfabetismo no Nordeste aumentou de 16,9% para 17,4%. O aumento de 0,5 ponto percentual no Nordeste foi considerado pelo IBGE como "estatisticamente pouco significativo". Discordo inteiramente. Qualquer piora no analfabetismo é significativa. Até por razões vegetativas o número tende a melhorar. Se há piora é porque estão entrando jovens no grupo dos analfabetos. No país, como um todo, o aumento foi de 8,6% para 8,7%. Mas esse é um índice em que estamos obrigados a melhorar. A demografia ajuda a reduzir o estoque. Não podemos permitir que o fluxo de analfabetos continue sendo alimentado.
Não foi o único resultado ruim dessa Pnad, mas é o mais escandaloso. Houve um ligeiro aumento da desigualdade. Ela vinha caindo um pouco a cada ano: um fenômeno recente e alvissareiro. Mesmo assim, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Desta vez, a desigualdade parou de cair e começou a subir ligeiramente. Há na área social alguns bons dados para compensar, como a queda do desemprego, aumento da renda, aumento do acesso a bens de consumo duráveis. Há fatos a comemorar. E há as vergonhas de sempre: 42,9% dos domicílios sem esgoto no Brasil. O saneamento continua sendo uma das marcas do nosso atraso.
O trabalho infantil caiu, mas ainda assim o Brasil tem 3,5 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando. De 5 a 9 anos há 81 mil crianças trabalhando; de 10 a 13 anos são 473 mil. O número reduziu mas é sempre um espanto que permaneça sendo assim.
Aumentou a desigualdade de salários entre homens e mulheres, outro item em que temos que reduzir o hiato um pouco a cada ano. Só a melhora constante é aceitável. O rendimento médio da mulher saiu de 73,7% do salário do homem para 72,9% em um ano. O normal seria que a redução continuasse até pelo fato de as mulheres terem maior escolaridade e serem maioria no ensino universitário.
A Pnad é apenas um retrato que o país tem a cada ano do seu quadro social e já nos acostumamos com a lista de mazelas e de avanços, mas o que aconteceu nessa Pnad foi grave. O país estagnou em áreas em que estava avançando e piorou onde tudo já está atrasado demais. Os indicadores educacionais têm que melhorar porque são todos muito ruins. É natural que o Brasil melhore nos indicadores sociais; o antinatural, o inaceitável é qualquer retrocesso.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Partido e clube de futebol

O bate e volta de Romário

Autor(es): GRASIELLE CASTRO
Correio Braziliense - 27/09/2013
 

Pouco mais de um mês após sair do PSB e depois de muita conversa com outros três partidos, o deputado federal Romário refiliou-se ontem à legenda. O retorno do craque ao partido do governador de Pernambuco e provável candidato à Presidência, Eduardo Campos, ofereceu a ele o comando do PSB no Rio de Janeiro e novas garantias para alçar voos mais altos, como uma possível candidatura ao Senado, ano que vem, ou à prefeitura do Rio, em 2016. No discurso de retorno, Romário, entretanto, disse que o objetivo atual é a reeleição.

Segundo ele, a possibilidade de concorrer ao Senado só decola se ele estiver bem pontuado nas pesquisas. Como o ex-jogador é um bom puxador de votos, para o partido é mais vantajoso que ele se candidate novamente à Câmara dos Deputados. Isso garantiria, para os caciques da legenda, o sucesso da estratégia socialista de aumentar a bancada federal, cujo tamanho define o tempo de televisão e a parcela do fundo partidário do partido, de acordo com as regras eleitorais.

Romário havia deixado claro, antes de sair do PSB, que não tinha chances, dentro do partido, de se lançar candidato a cargos majoritários porque o partido não demonstrava interesse em aferir as chances do ex-jogador. Agora, o discurso é outro. Romário volta como estrela e, apesar de 2016 ainda estar distante, ele avisou que, se estiver bem cotado nas pesquisas, “será um prazer” entrar na disputa.

Portella: a democracia "caminha a passos largos para o Estado de exceção"

Estado de exceção

Autor(es): Eduardo Portella
O Globo - 27/09/2013
 
A possível democracia brasileira está experimentando, precocemente, uma situação de falência múltipla dos seus órgãos. Até onde isto pode chegar, não sabemos.

Sabemos que sobre o Legislativo e o Executivo já pesava uma insatisfação olímpica. Agora a eles se junta o Judiciário, em sua maioria constituído de bolsistas togados.
Ainda preferimos supor que, onde se denuncia a má-fé, predomina o despreparo intelectual. De há muito a ideia de consciência individual, trancada dentro de suas paredes claustrofo-bas, passou a ser um arcaísmo, ou tão somente uma relíquia tombada. Este consciencialismo predatório expõe à visitação pública o injustificável anacronismo hermenêutico, permitindo que a tecnicidade ociosa, carente de socialibilidade, farta de burocratização, contamine a instância judiciária. Com o que desmente um velho ditado. Hoje a justiça tarda, e falha.
A enfadonha retórica dos tribunais é altamente dissociativa. Devemos, cada vez mais, desconfiar dos profissionais da última palavra. A norma não pode subordinar-se à agenda do poder. Caso contrário, a sua legitimidade ficará comprometida. O mesmo acontece quando cede à pressão ideológica. Como vem acontecendo com o superior estatuto do asilo político. A claustrofobia impede a ciência jurídica de respirar. Ignorando que ela não é uma abstração, dissociada da vida do mundo.
Mas, porque não estamos no "fim da história" como propalam alguns pessimistas, cabe-nos recomeçar, propositivamente, longe da queima de arquivos e do acerto de contas.À consciência solitária, individualista, fechada no seu palácio de espelhos, convém abrir mão do seu lugar decrépito em favor da consciência dialógica, compartilhada, comunicativa.
E em franco dissídio contra qualquer tipo ou forma de violência. Lembrando que a corrupção é a mais grave de todas as violências, porque silenciosamente coletiva.
Inexiste o "eu" sem o "outro" a identidade sem a alteridade.
A democracia de qualidade, ou seja de educação e cultura, ameaçada pela falência múltipla dos seus órgãos, caminha a passos largos para o Estado de exceção.
O processo de seleção, nomeação e promoção, nesses níveis supremos, exige uma modificação substancial, visando à legitimidade e à qualificação rigorosas desses desempenhos.
O Brasil necessita da sempre protelada reforma política. Não é menos urgente a reforma do Judiciário. 
Eduardo Portella é escritor e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Lógica mercantilista na criação de partidos políticos

Folha de S. Paulo, 27 de setembro de 2013.

Aécio critica lógica 'mercantilista', mas elogia Solidariedade
Tucano diz que políticos não deveriam levar tempo de televisão quando trocam de sigla
DE BRASÍLIA
  Provável adversário da presidente Dilma Rousseff em 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) defendeu ontem a criação do Solidariedade, partido que deve apoiá-lo na corrida presidencial.
Apesar de criticar a "lógica mercantilista" da criação de partidos, Aécio disse que a sigla é "bem-vinda" por ser oposição ao governo Dilma.
"Está tudo errado. O Supremo Tribunal Federal errou lá atrás quando permitiu a portabilidade do Fundo Partidário. Hoje há uma lógica mercantilista da criação dos partidos. Cria-se partido, racha-se o Fundo Partidário e vende-se tempo de TV. A regra está errada. Mas já que nasce no país um partido sem viés governista, ele é bem-vindo."
Apesar de suspeitas de fraudes na coleta de assinaturas de apoio pelo país, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou nesta semana a criação de mais dois partidos, o que abriu a temporada de troca-troca de políticos que pretendem concorrer em 2014.
O tribunal chancelou o Solidariedade, montado pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, e aprovou o Pros (Partido Republicano da Ordem Social).
Aécio disse que o governo federal fortaleceu a criação de siglas para enfraquecer a oposição, como no caso do PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab: "Já que esse tratamento que o governo deu foi adequado, que seja dada a isonomia para outros".
Na opinião do tucano, o Congresso precisa limitar a "portabilidade" dos partidos para impedir que os deputados que deixam as siglas levem consigo tempo de TV e recursos do fundo partidário: "A portabilidade deve pertencer ao partido. Quem quiser sair, que saia sem levar tudo".
Articulador do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força disse em entrevista ao Poder e Política, programa da Folha e do UOL, que a tendência da sigla é oferecer apoio à candidatura de Aécio. O deputado disse que a presidente Dilma Rousseff, aliada de sua ex-sigla, o PDT, "não fez nada" e virou sua "inimiga dois dias depois de ser eleita".

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Falta contrainteligência no Brasil

Folha de S. Paulo, 25 de setembro de 2013.

Marcelo Itagiba
A contrainteligência que falta ao Brasil

Enquanto a NSA investe bilhões em tecnologia de espionagem, no Brasil não há nem sequer preocupação em proteger dados estratégicos
Na chamada "realpolitik", as leis do poder governam o mundo dos Estados, assim como a lei da gravidade governa o mundo da física.
Essa é a regra que sempre dominou as relações internacionais, apesar da criação, historicamente recente, de um órgão regulador, a Organização das Nações Unidas (ONU).
Os Estados usam a espionagem para angariar conhecimentos que embasem decisões vantajosas. Todos os países possuem agências de espionagem, conhecidas eufemisticamente como de inteligência.
Existem cinco formas principais para obtenção de dados. Humint (Human Intelligence), que busca informações por meio de espiões. Osint (Open Source Intelligence) são as fontes abertas (jornais, revistas, internet e trabalhos científicos). Imint (Image Intelligence), coletada por meio de imagens obtidas por fotos e filmes provenientes de aviões e satélites. Masint (Measurement and Signature Intelligence), obtida por meio de eventos sísmicos provocados pela explosão de um artefato nuclear. E Sigint (Signal Intelligence), que é a interceptação de sinais de comunicação.
As denúncias de Edward Snowden desnudaram a Agência de Segurança Nacional (NSA), o mais intrusivo órgão da espionagem americana, que trabalha com o Sigint, decifrando uma rede de comunicações transmitidas, em âmbito mundial, por satélites, ondas telefônicas e cabos marítimos e terrestres. Estima-se em 320 milhões o total de ligações interceptadas e processadas diariamente pela NSA.
Um software criado pela Narus, empresa que hoje pertence à Boeing, controlado remotamente pela NSA em Fort Meade, varre espectros de comunicação na busca de endereços, números de telefones, sistemas em rede, capturando palavras-chave e frases. Qualquer comunicação que levante suspeita é imediatamente separada, processada, copiada e gravada para análise.
Uma vez que alguém se torna alvo, todas as suas comunicações passam a ser avaliadas, bem como as de qualquer um de seus contatos. Por um processo chamado data-mining, as informações são organizadas em gráficos, o que permite um verdadeiro raio-x de suas atividades.
A agência está investindo mais de US$ 2 bilhões em um novo centro, na cidade Bluffdale, em Utah. Computadores que rodam em espantosas velocidades medidas por yottabites (um bilhão de quatrilhões) vão decifrar os dados interceptados, inclusive transações bancárias e de cartões de crédito.
Tais ações atentam contra o direito à privacidade e às liberdades civis, de expressão e da imprensa. É uma ameaça às democracias representativas cometida sob o paradoxal argumento de que visa garanti-las.
As ações de espionagem contra o Brasil são repulsivas, aéticas e imorais, mas fazem parte do arsenal das grandes potências, que pinçam o que querem dessa teia tecnológica global. O Brasil precisa urgentemente investir em tecnologias que o habilitem a desenvolver mecanismos de defesa para os nossos sistemas e criptografia que impeçam, dificultem ou retardem a rápida decodificação de dados estratégicos.
Não há verdadeira preocupação no setor público e estratégico brasileiro em proteger dados, atributo da chamada atividade de contrainteligência. A Agência Brasileira de Inteligência e a Polícia Federal devem se articular com órgãos militares e estratégicos para a criação de uma cultura de proteção de dados.
O Brasil possui protocolos de cooperação com agências de inteligência estrangeiras e, inclusive, programas em andamento com a espionagem americana. A pergunta que se faz à presidenta é se ela adotou alguma medida para paralisar ou cancelar essas atividades, ou se tudo não passa de mera retórica.
MARCELO ITAGIBA, 57, foi diretor de Inteligência da Polícia Federal (1995-1999), secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro (2004-2006) e deputado federal (PSDB-RJ) de 2007 a 2011

Partidos sem conteúdo


Folha de S. Paulo, 26 de setembro de 2013.
EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br
 
Partidos sem conteúdo

Aprovação de Solidariedade e Pros aumenta número já excessivo de legendas e repõe em pauta debate sobre cláusula de desempenho
 
As prováveis fraudes na coleta de assinaturas de apoio Brasil afora não constituíram motivo, aos olhos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para que terminassem frustradas as pretensões, sejam elas quais forem, dos dois novos partidos políticos do país.
Não eram poucas as suspeitas. A criação do Pros (Partido Republicano da Ordem Social), 31ª agremiação brasileira, foi questionada pela ministra Luciana Lóssio. De acordo com ela, assinaturas favoráveis à sigla foram duplicadas em um cartório de Belo Horizonte.
Sobre o Solidariedade pesavam dúvidas ainda mais significativas. Chefes de dois cartórios eleitorais da Grande São Paulo afirmaram que suas assinaturas foram falsificadas e incluídas entre os apoiadores da legenda. Integrantes do sindicato dos servidores do Legislativo federal disseram o mesmo.
Nada disso importou para o TSE. Pros e Solidariedade, que começaram a se estruturar em 2010, foram aprovados porque, segundo o entendimento da maioria dos ministros, cumpriram os requisitos formais exigidos por lei --dos quais o mais difícil é a apresentação de 492 mil assinaturas de apoio, certificadas em cartório.
À Justiça Eleitoral não cabe, com efeito, analisar o conteúdo programático (sic) dos partidos políticos. Satisfeitas as formalidades devidas, e desde que respeitados os direitos humanos fundamentais, a democracia e a soberania nacional, é livre a criação de siglas.
Soa como contrassenso, sem dúvida, que legendas de aluguel possam nascer com certa facilidade, enquanto agremiações de fato representativas, embora incompetentes para cuidar de sua organizar --como é o caso da Rede Sustentabilidade--, corram risco de não ter êxito na empreitada.
Faz sentido que seja assim. Se a Justiça avaliasse mais que a forma, seria concebível que tribunais eleitorais suscetíveis à influência do poder vetassem agremiações dispostas a atuar na oposição.
Não passa de um absurdo, porém, permitir que partidos sem representatividade tenham acesso a tempo de TV, ao Fundo Partidário e ao rateio das multas eleitorais. No ano passado, o montante totalizou quase R$ 350 milhões. Por mais inexpressiva que seja, uma sigla qualquer receberá cerca de R$ 500 mil em 2014.
A aprovação de uma cláusula de desempenho, aliada ao fim das coligações em eleições para deputado e vereador, corrigiria tal distorção. Partidos sem um determinado percentual de votos não deveriam fazer jus às mesmas vantagens oferecidas às agremiações com maior força nas urnas.
Pouco importa que algumas legendas não sobrevivam a esse processo. O controle do quadro partidário terá sido feito pelo eleitor.

Ciclo parcial de polícia gera competição

Oficiais da PM criticam reajuste a delegados

Medida, antecipada pelo ‘Estado’, foi anunciada oficialmente nesta quarta-feira por Alckmin; em reunião, militares rechaçaram propostas do governo estadual

25 de setembro de 2013 | 23h 06  O Estado de S. Paulo

Bruno Paes Manso e Marcelo Godoy
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou nesta quarta-feira, 25, que vai apresentar dois projetos de lei na Assembleia Legislativa estabelecendo reajustes salariais para delegados, escrivães e investigadores. A medida foi antecipada pelo Estado, que revelou também a crise que a medida provocou entre os oficiais da Polícia Militar. O descontentamento se intensificou depois do anúncio.
O reajuste, segundo o governador, foi para atender à legislação que definiu a carreira de delegado como jurídica, equiparando aos vencimentos do Ministério Público. Na prática, os delegados passam a receber aumento salarial de 10,5% neste ano e de 15% no ano que vem. Assim, o delegado de 3.ª classe, que recebia inicialmente R$ 7.547, passa a receber no ano que vem R$ 10.073.
Os investigadores e escrivães também vão receber aumento. Essa mudança, segundo o governo do Estado, é exigida pela lei que estabeleceu o nível universitário dessas carreiras. Os escrivães e investigadores passam, portando, a receber ajustes de 8,5% a 18,5% neste ano e de 15% a 25,7% no ano que vem.
Alckmin disse não acreditar que o descontentamento da PM por causa do aumento aos civis possam afetar a produtividade no dia a dia. Ele nega que tenha havido quebra na paridade entre as duas carreiras. "Questões específicas, não gerais, têm de ser analisadas separadamente. Isso é normal. Não houve fim da paridade."
O governador deu o exemplo do aumento salarial de 7% anunciado para as duas polícias na semana passada como mostra da política de paridade. Alckmin lembrou que a carreira da PM também tem benefícios que não existem entre os delegados. Ele citou como exemplo o benefício do "posto imediato", que garante promoção ao oficial que se aposenta para receber maiores vencimentos. "Tenente se aposenta como capitão, capitão como major, Major como tenente-coronel, que se aposenta como coronel. Como coronel não pode ser promovido, ganha aumento de 20%."
Quinze dias. Apesar de afirmar que não acredita na reação dos militares diante da concessão de benefícios aos policiais civis, durante o anúncio, o governo afirmou que em 15 dias pretende apresentar benefícios para a carreira dos PMs.
Nesta quarta houve uma reunião no Comando-Geral, com a presença do conselho dos coronéis. Algumas propostas foram discutidas pelo governo estadual. Todas acabaram sendo rechaçadas pelos presentes.
Uma delas propunha equipara a carreira dos oficiais ao dos delegados. Capitães seriam equiparados a delegados de 3.ª classe. Major, ao de 2.ª classe, tenente-coronel ao de 1.ª e classe especial a coronel. Tenente, portanto, ficaria sem ajustes. O posto de sargento seria equiparados a escrivães e investigadores. Soldados e cabos também não receberiam ajustes. Segundo um dos presentes, todos concordaram que ou aumenta de todos, ou de ninguém.
Ainda foi proposto ressuscitar a pensão para filhas solteiras de oficiais, transformar licença-prêmio em dinheiro e fazer promoções em massa na carreira militar. As propostas foram duramente criticadas após a reunião.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Paraíso dos comissionados

Senado: o paraíso dos comissionados
24 Set 2013

 

O número de indicados é maior que o de servidores. Neste ano, foram admitidas 588 pessoas sem concurso, o dobro das empossadas na seleção de 2012

BÁRBARA NASCIMENTO


A farra dos apadrinhados políticos corre solta pelos corredores do Senado Federal. Os 3.228 comissionados são maioria, ante os 3.037 funcionários de carreira. Segundo o Portal da Transparência, neste ano, a Casa admitiu 588 pessoas para ocuparem esse tipo de posto de confiança, o que corresponde exatamente ao dobro do número de nomeados desde o último concurso público, feito em março de 2012: 294 servidores — em 2013, apenas dois tomaram posse.
As admissões políticas acontecem a despeito do anúncio de redução de gastos, feito pelo presidente Renan Calheiros (PMDB/RN), por meio do congelamento de nomeações e, inclusive, do corte das contratações de confiança. "É, no mínimo, questionável que o Senado esteja aplicando a política de austeridade para seleções públicas e, ao mesmo tempo, nomeando quem lhe interessa para ocupar cargos comissionados", diz o subprocurador-geral da República Francisco dos Santos Sobrinho, membro da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que trata de denúncias de concursos.
Além disso, esses funcionários terceirizados não custam barato. Apesar de a média salarial de um comissionado ser menor que a de um servidor efetivo — R$ 6,5 mil ante R$ 24,9 mil, respectivamente —, um apadrinhado pode chegar a receber R$ 17,1 mil, segundo a tabela divulgada pela Casa legislativa no Portal da Transparência. Assim, a despesa mensal com esse tipo de trabalhador ultrapassa os R$ 20 milhões.
Sobrinho explica que a situação se torna ainda mais grave se os apadrinhados políticos estiverem exercendo as mesmas atribuições dos postos disponibilizados no último concurso para o Senado. No ano passado, foram abertas oportunidades para policial legislativo, consultor, analista e técnico legislativo. "Mesmo que o nome utilizado para o cargo seja diferente, se, na prática, as atribuições forem as mesmas, isso é ilegal", completa o subprocurador. No relatório do Portal da Transparência, todos os comissionados admitidos neste ano são para os cargos de assessor legislativo, assistente, auxiliar e secretário parlamentar.
De acordo com a assessoria de imprensa do Senado, "os cargos de provimento em comissão se destinam ao atendimento das atividades de assessoramento técnico e secretariado, vinculadas aos gabinetes parlamentares e de outras necessidades específicas". A Casa frisa ainda que eles "serão preenchidos segundo critérios de estrita confiança, observadas as condições legais e regulamentares. São de livre nomeação".

Qualidade em xeque

Na avaliação do economista Felipe Salto, especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria, o avanço dos cargos comissionados pode representar um risco às contas da Casa legislativa na medida em que "é difícil mensurar a qualidades das pessoas que ocupam esses postos ou a eficácia dessas contratações". Para Salto, o gasto com pessoal é necessário, mas tem que haver uma racionalização, já que a despesa com trabalhadores na Administração Pública é muito alta. "É claro que faz sentido ter cargos de confiança para que o Estado possa caminhar. O problema é o avanço deles em relação aos técnicos e aos concursados", completa.
O Senado assegurou que respeita "os limites previstos para as contratações nos gabinetes". "(Os comissionados) possuem a característica da rotatividade, sendo a admissão de seus ocupantes precedida da exoneração respectiva". Na Casa, ainda de acordo com a assessoria de imprensa, os cargos comissionados são ocupados apenas por terceirizados. Quando um servidor assume um posto de confiança, trata-se de uma função comissionada. Neste caso, ele está sempre contabilizado como um funcionário de carreira.

Certame polêmico

A não nomeação de aprovados em detrimento da admissão de comissionados é apenas a primeira dor de cabeça que os candidatos que fizeram a prova do ano passado têm. Várias etapas do certame foram questionadas pelos inscritos, a começar pela dispensa de licitação na contratação da Fundação Getulio Vargas como banca examinadora — a empresa faturou aproximadamente R$ 30 milhões somente com inscrições.
Os participantes levaram ao Ministério Público Federal centenas de denúncias que resultaram em pelo menos 28 investigações formais, que relataram, além de falhas gerais em relação ao gabarito, problemas na atuação de fiscais, no edital e na aplicação das provas — em alguns casos encerradas antes do horário previsto —, entre outros. Do total de queixas, 26 foram arquivadas, uma ação civil pública ainda está em curso e a outra teve decisão favorável da Justiça.

Sem legislação

O procurador da República Ailton Benedito de Souza diz que não existe uma lei que determine a proporção de funcionários comissionados em relação aos efetivos. Os trabalhadores de livre nomeação, no entanto, só podem ocupar três tipos de cargo: de direção, de chefia ou de assessoramento. O que é determinado por lei é um percentual mínimo, entre esses três tipos de postos, a ser ocupado por concursados, mas ele varia de acordo com o órgão e com o estado.

Antigos rumos

[A Justiça Militar de hoje é muito similar a do tempo do regime autoritário. Os Códigos Penal Militar e de Processo Militar, redigidos em 1969, continuam em vigor]

Justiça Militar: novos rumos
24 Set 2013

Olympio Pereira da Silva Junior

Ministro e decano do Superior Tribunal Militar (STM)


Em recente reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi determinada a criação de uma comissão para estudar a extinção da Justiça Militar. Inicialmente, tratava-se da estadual (Polícia Militar e Bombeiro Militar); posteriormente, a ideia atingiu também a federal (auditorias e Superior Tribunal Militar, o STM).
A motivação objetiva de tal atitude prende-se ao fato de que ambas trabalham com pouca quantidade de processos, não justificando, assim, os gastos realizados. É evidente que alguns outros motivos impulsionam a ideia de extinção; porém, trataremos apenas do que diz respeito à quantidade de processos.
Há muitos anos venho me batendo pelo aumento da competência da Justiça Militar da União. Já falei em congressos e apresentei propostas em diversos fóruns, tentando demonstrar que a nossa Justiça Militar da União está preparada para enfrentar outros caminhos do direito que interferem e influenciam a relação entre o militar e sua administração.
Por força constitucional, somos uma Justiça Criminal operando com dois diplomas legais: o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar. Evidentemente que os conhecimentos da magistratura, do Ministério Público e a da Defensoria Pública, que atuam nessa Justiça especializada, não estão restritos, apenas, à matéria criminal. Aqueles que operam na Justiça Militar da União estão, de muito, preparados e prontos para atuar em qualquer conflito que surja entre o Estado (administração militar) e o cidadão (militar).
Excluindo-se a ação penal, outros conflitos, envolvendo os militares e sua administração, abarrotam as prateleiras das varas federais, dos Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça, que, pelo volume de processos relacionados com o resto da sociedade, ocasionam, por óbvio, a demora e a lentidão na prestação jurisdicional.
A pergunta lógica que surge é: por que não dividir parte dessa carga com a Justiça Militar da União, atribuindo-lhe competência naqueles processos que envolvem o militar e sua administração?
O juiz federal, é lógico, não tem, por formação, a intimidade com as regras militares, seus estatutos, seus costumes e princípios, razão por que em determinados conflitos suas decisões ferem o princípio básico da vida militar, o esteio de suas instituições, a razão de sua existência: a hierarquia e a disciplina.
Há muito tempo tento entender por que, com a Justiça Federal abarrotada de processos, não nos passam uma carga substancial, de aproximadamente 20%, de processos cíveis que envolvem militares. Por que não nos deixam ajudá-los, atribuindo a nós essa competência para julgá-los?
Não queremos nem procuramos a quantidade de processos que a nós cabe processar e julgar. Queremos, sabemos e podemos trabalhar nessa nova área. Estamos representados em todo o território nacional. São juízes, promotores e defensores do mais alto gabarito podendo ajudar a desafogar a Justiça Federal.
Por que o Superior Tribunal Militar não pode ser a instância superior dos recursos originários das auditorias militares estaduais? Será que os eminentes desembargadores dos tribunais estaduais têm mais experiência do que nós no manuseio das questões militares? E nos recursos especiais, não podemos atuar, substituindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ)?
Por que falar em extinção e não em ampliação? Por que falar em destruir e não em criar? Por que falar em retroagir e não em modernizar?
A notícia da criação da comissão do CNJ para estudo da Justiça Militar, se, para muitos, pareceu uma notícia ruim, para mim se apresenta como nova oportunidade para sua expansão, como uma possibilidade de contribuir com o "desafogamento" do Poder Judiciário brasileiro, preso aos milhares de processos que se arrastam nas gavetas e prateleiras.
Estamos prontos, preparados e equipados para ajudar. Não precisam extinguir a Justiça castrense brasileira, ícone da Justiça Militar Internacional, a mais antiga do Brasil, só porque tem poucos processos. Devemos, sim, adaptá-la a uma nova visão, a um novo rumo. Essa é a minha opinião pessoal.

Dulci: a oposição é "golpista"

Nova chance a condenados não altera ‘julgamento político’, diz direção do PT
24 Set 2013

Fernando Gallo


O presidente do PT? Rui Falcão, afirmou ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federa! de dar uma nova chance a parte dos condenados do mensalão "não mudou a qualidade do julgamento". Para Falcão, o processo "foi eminentemente político". O secretário-geral do partido, Paulo Teixeira, afirmou que, ao aceitar os embargos infringen-tes, os ministros da Corte poderão "corrigir equívocos".
Na semana passada, o STF decidiu aceitar os embargos infrin-gentes, recurso que dá aos condenados o direito de nova análise de crimes pelos quais foram condenados - desde que ojulga-do tenha tido pelo menos quatro votos pela absolvição.
Amedida concede uma segunda chance, por exemplo, ao ex-ministro José Dirceu. Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, ele poderá pedir novo julgamento para este último crime e, se for absolvido, livrar-se do cumprimento de sua pena em regime fechado. José Genoino, ex-presidente do PT, e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, também poderão pedir embargos infringen-tes para o crime de quadrilha.
Críticas. Foi a primeira declaração de Rui Falcão desde a decisão pelo novojulgamento. O assunto não esteve na pauta oficial da reunião de ontem da Executiva do partido em São Paulo - o único documento com a posição do PT sobre o julgamento foi divulgado em 14 de novembro, já com críticas ao Supremo.
Nas declarações à imprensa de ontem, as críticas aos magistrados foram reiteradas, mesmo diante de um resultado positivo para os réus do caso.
Falcão avaliou que a aceitação dos embargos não altera o fato de o STF ter decidido, na visão dele, "em cima de suposições e presunções". "Continuo entendendo que foi um julgamento eminentemente político, que condenou os companheiros sem provas, baseado em indícios, suposições e presunções, que aplicou a teoria do domínio do fato, que é uma coisa totalmente despropositada. Não mudou a qualidade (do julgamento). Simplesmente deram acolhida a uma coisa que vale para qualquer um que tenha sido julgado só pelo STF e tem direito a um segundo julgamento, uma segunda jurisdi ao que é um princípio universal
Paulo Teixeira - deputado federal que disputará em novembro, com Rui Falcão, a eleição interna para o comando do PT -disse esperar que a Corte possa "ter mais tranquilidade" para "corrigir equívocos". "Tem penas desproporcionais, condenações sem provas. Esperamos que nessa fase possa haver maior equilíbrio", afirmou Teixeira, segundo quem há no partido a percepção de que o Supremo sofreu influências externas na hora de julgar os petistas e condená-los, no entendimento final da Corte, por montar um esquema de desvio de verbas públicas a fim de comprar votos no Congresso entre os anos de 2003 e 2005, no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Ainda ontem, em entrevista ao site da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, o ex-secretário-geral da Presidência do governo Lula Luiz Dulci atacou a oposição, classificando-a de "golpista". Na avaliação das críticas aos governos petistas, Dulci,hoje dirigente do Instituto Lula, não mencionou o processo do mensalão, mas disse que há uma "judicialização" da política.
Prazos. Também ontem, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso entregou seu voto por escrito para publicação.
O acórdão do caso, porém, só será publicado quando todos os 12 ministros do STF entregarem seus votos. A previsão é que o início do julgamento dos embargos infringentes ocorra apenas em fevereiro de 2014 -ano de eleições presidenciais no País. O relator dos recursos será o ministro Luiz Fux.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Independência questionada

Ex-deputados são maioria nos tribunais

O Globo - 23/09/2013
 
DA POLÍTICA PARA A CORTE Encarregados de avaliar os contratos realizados por estados e municípios, os tribunais de contas possuem sete conselheiros cada um. Quatro são nomeados pelas assembleias legislativas e três, pelo governador. Entre os nomeados pelo Executivo, um deles é obrigatoriamente oriundo do Ministério Público de Contas e o outro, do corpo de auditores da casa. A terceira nomeação é livre. Os cargos são vitalícios e a aposentadoria é obrigatória aos 70 anos. O modelo de nomeação faz com que a maioria dos integrantes dos tribunais tenha perfil político. Para o presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), Diogo Ringenberg, o grande problema no funcionamento das Cortes começa aí: — Há uma falta de independência dos conselheiros para julgar as contas de quem o nomeou. Eles não conseguem se desvencilhar desse vínculo. A associação tenta emplacar uma mudança na legislação para que 80% dos conselheiros tenham nomeação por formação técnica. Além dos tribunais das 27 unidades da federação, ainda existem, em quatro estados, cortes especializadas nas contas de todos os municípios. Elas funcionam em Goiás, Bahia, Ceará e Pará. Nesses estados, os TCEs cuidam apenas das contas dos governos estaduais. As cidades do Rio e de São Paulo são as únicas que possuem tribunais de contas exclusivos. Na esfera federal, a fiscalização dos contratos é de responsabilidade do Tribunal de Contas da União (TCU), com nove integrantes.

Critérios institucionais de escolha

Contas a acertar

O Globo - 23/09/2013 
 Nos estados, 15% dos conselheiros de TCEs já sofreram ações do Ministério Público SÃO PAULO 
 - As constituições estaduais são claras: conselheiro do Tribunal de Contas deve ter  “idoneidade moral e reputação ilibada’ Mas o histórico de parte dos homens responsáveis por zelar pelo dinheiro público nas 27 unidades da federação permite concluir que a exigência nem sempre é cumprida ao pé da letra. Pelo menos 29 (15%) dos 189 conselheiros desses órgãos em todo o país são alvo de ações ou inquéritos penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou carregam no currículo condenações por improbidade administrativa. De desvio de recursos dos próprios tribunais a recebimento de propina para fazer vista grossa na fiscalização de contratos, o leque de acusações contra os conselheiros é amplo: peculato, corrupção, formação de quadrilha e fraude em licitações. Ainda assim, os tribunais promovem o afastamento cautelar dos conselheiros somente em alguns casos. E não há proibição legal para que continuem no exercício da função. o levantamento feito pelo GLOBO mostra ainda que as nomeações ocorrem mesmo quando o postulante ao cargo já tem um histórico de acusações. Em 2002, o então deputado estadual Humberto Melo Bosaipo foi um dos alvos da Operação Arca de Noé, da Policia Federal, em Mato Grosso, sob suspeita de participar de um amplo esquema de desvio de dinheiro dos cofres da Assembleia Legislativa. A quadrilha criava empresas-fantasma para disputar licitações da Casa. Denúncia criminal contra Bosaipo foi apresentada pelo MP e aceita pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Mesmo assim, em dezembro de 2007, ele foi aprovado pela Assembleia Legislativa para assumir uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas local. A posse fez que com que Bosaipo ganhasse direito a foro privilegiado e seus processos fossem enviados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que atrasou a tramitação do caso. Hoje, o conselheiro é réu em 11 ações penais no STJ. Os ministros já ordenaram seu afastamento do cargo, mas Bosaipo continua recebendo o salário de R$ 24.117 e tendo direito a foro privilegiado. Advogado do conselheiro, Antonio Nabor Areias Bulhões diz que as denúncias contra seu ciente são genéricas. — Não há individualização de conduta. QUADRILHA DENUNCIADA NO AMAPÁ Há casos em que investigações apontam que conselheiros se valeram do cargo para desviar recurso públicos. No Amapá, quatro integrantes do TCE foram denunciados pelo Ministério Público Federal, em 2010, por formarem uma quadrilha para agir dentro da Corte. O quarteto é acusado de receber ajuda de custo indevida. O esquema seria liderado pelo ex-presidente José Júlio de Miranda Coelho e envolveria ainda outras duas conselheiras — uma morreu e outra se aposentou. De acordo com dados da Operação Mãos Limpas, da PF, Coelho teria sacado, por diversas vezes, recursos em espécie da conta do TCE. Também é suspeito de emitir passagem em nome do filho com dinheiro público e pagar salários a servidores fantasmas. Os quatro conselheiros estão afastados das funções por determinação do STJ, mas ainda aparecem no site do tribunal como se estivessem na ativa. Alessandro Brito, advogado de Coelho, rebate as acusações contra seu cliente. — Houve equívoco da PF na investigação. Não é possível ligar nenhum saque ao meu cliente. E não houve uso de passagem pelo filho dele. O cargo de conselheiro também serve para garantir tratamento diferenciado em ações judiciais. integrante do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Domingos Lamoglia é o único dos 37 acusados por envolvimento no chamado mensalão do DEM, no Distrito Federal, esquema que derrubou o ex-governador José Roberto Arruda, a responder a processo no STJ. Os outros 36 réus serão julgados pela Justiça do DF. Um processo que poderia levar à aposentadoria de Lamoglia e acabaria com seu direito a foro privilegiado se arrasta desde 2009 no TCDF. O conselheiro é acusado de ser um dos operadores do esquema. NEPOTISMO LEVA A AÇÃO DO MP EM GOIÁS Outras denúncias, na esfera administrativa, também mancham a reputação dos TCEs. Em setembro do ano passado, seis dos sete conselheiros do tribunal de Goiás foram acusados pelo Ministério Público Federal de contratar parentes. O TCE-GO informou que os familiares de conselheiros já foram demitidos. No caso das condenações por improbidade administrativa, as irregularidades, em geral, se referem a condutas adotadas em cargos públicos ocupados antes das nomeações. Nestes casos, o foro é a Justiça estadual. Para o presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), Diogo Ringenberg, o quadro nada mais é do que consequência natural da forma pela qual os conselheiros são escolhidos. — A maioria dos membros é oriunda da política. A premissa de ter ilibada conduta não é respeitada na hora das nomeações.

Luzes institucionais sobre fraudes

Fraude babilônica

Correio Braziliense - 23/09/2013
 

JOSEMAR DANTAS É EDITOR DO SUPLEMENTO DIREITO & JUSTIÇA, MEMBRO DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS (IAB)
Na avaliação da consciência civilizada da sociedade brasileira a principal causa da corrupção, no âmbito do poder público, é a impunidade. Outros fatores, contudo, se juntam para dimensioná-la como verdadeira praga. A predominância no aparelho estatal de funções da mesma natureza distribuídas por vários órgãos ou remetidas à competência de instâncIas superpostas, fertiliza o terreno para florescimento da roubalheira. A confusa disciplina administrativa leva o sistema fiscalizador a render-se às seduções do peculato e à percepção de outros tipos de vantagens ilícitas.

Quando a pilhagem é descoberta, sempre graças à ação da Polícia Federal (PF), o jogo de transferência de responsabilidades se instala. Não cabia a esta repartição, mas àquelas outras responderem pelo assalto — ouve-se de todos os lados. Está armado o tabuleiro onde as peças se embrulham. Reside aí manobra obscena para desvincular os verdadeiros autores dos crimes das provas colhidas no inquérito policial. Mais tormentosa é a imputação no caso de desvios de recursos com envolvimento de organizações da sociedade civil (Oscisps) cessionárias de serviços públicos.

No início de 2011, sob pressão da imprensa, a presidente Dilma demitiu sete ministros acusados de corrupção, um deles, o do Trabalho, Carlos Lupi. Segundo a PF, irregularidades em convênio com entidades sociais de fachada resultaram em desvio de R$ 12 milhões de recursos destinados à capacitação profissional de trabalhadores. Todavia, nenhuma providência despontou para investigar se é de interesse público ceder a Oscips a realização de programas do gênero. Na previsão constitucional, educação para qualificar cidadãos a atuar como agentes produtivos resulta de ensino de qualidade na rede escolar pública, convencional ou de nível técnico. Trata-se de obrigação do Estado, não de empreendimento que, por conveniência respeitável da administração oficial, se entrega a cessionário privado.

 Repetem-se — em parte substancial por causa idêntica — as fraudes que, em 2011, extorquiram soma significativa do orçamento da pasta do Trabalho. Com a diferença de que o rombo, há pouco revelado por investigações da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU), é avaliado em soma babilônica: R$400 milhões. Licitações viciadas, serviços e construção de cisternas não realizados, falsa produção de eventos turísticos construíram o monumental cenário de corrupção. O Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC) encabeça a lista dos acusados, na qual também figuram empresas, pessoas físicas e servidores públicos de alto escalão.

Houvesse o escândalo de 2011 suscitado a abolição do regime de execução de projetos por entes ditos sociais ou operado severas mudanças no processo de fiscalização, o bolso do contribuinte não teria sido saqueado em R$400 milhões. Com semelhante fortuna poder-se-ia construir algo como 30 grandes unidades hospitalares bem equipadas. Mas a prioridade dos gestores públicos não parece ser acuar a corrupção. No momento, é a de recrutar médicos cubanos para ocupar hospitais e postos de saúde onde, em muitos, não há sequer gaze.

Prática que perverte o processo legislativo



A farra e a saúde
Autor(es): Denis Lerrer Rosenfleld
O Globo - 23/09/2013

O que tem a ver uma medida provisória que trata do se­tor sucroalcooleiro, visan­do especificamente à regi­ão Nordeste, com nova regulamenta­ção que permite a captação de recei­tas entre drogarias e farmácias de ma­nipulação? Literalmente, nada! No entanto, este é o caso da Medida Provisória nº 615, de 2013, muito apropriadamente denominada pelo Estadão de "Farra das MPs" em edito­rial de 16 de setembro, ora pendente de sanção pela presidente da Repú­blica. A situação é surreal! Interesses dos mais difusos e, às vezes, mais obscuros, são contempla­dos em negociações que têm como objetivo á aprovação de uma medida provisória de interesse do governo. Assuntos que nada possuem em co­mum com o assunto tratado são inse­ridos arbitrariamente e açodadamente em um texto legal, sem passar pelos trâmites legislativos ordinários, pró­prios, por exemplo, de projetos de lei. Isto faz com que discussões não te­nham lugar, o embate e o confronto de opiniões não se realizem e os argu­mentos pró e contra sejam simples­mente desconsiderados. Aquilo que seria o trâmite específico do processo legislativo simplesmente não ocorre, sendo substituído pelo arbítrio de in­teresses que simplesmente estavam à espreita de uma oportunidade para se concretizarem. Trata-se de uma prática que perver­te o processo legislativo. É como se o interesse que teme a discussão clara e ordenada, não ousando apresentar- se sob a forma de projeto de lei, pu­desse apenas prosperar sob essa for­ma legal da medida provisória, porém essencialmente distorcida. Um legis­lativo que se preze não poderia com­pactuar com tal tipo de prática. É o próprio processo de criação e elabo­ração de leis que é simplesmente abandonado. No caso em questão, o efeito é ain­da mais perverso, porque afeta a saú­de da população, transformando o texto legal em vigor e, inclusive, uma Resolução da Anvisa, de 2007. O pro­blema é grave: como pode um agrega­do extemporâneo a uma medida pro­visória alterar um texto legal, fruto de todo um processo legislativo, e uma resolução posterior da Anvisa tratan­do da mesma questão? Se há algo a ser mudado, deveria ele seguir os trâ­mites legislativos normais e não ser introduzido de uma forma arbitrária no calor de uma negociação a respei­to do setor de cana de açúcar e etanol. Atualmente, drogarias não podem captar receitas com prescrições ma­gistrais, próprias de farmácias de ma­nipulação. O que se visa a manter com isto é a qualidade dos produtos manipulados e a saúde da população. Não se trata de uma separação arbi­trária, pois ela obedece a formas de produção e personalização de produ­tos bastante distintas. O que está em questão é o coletivo, e não os interes­ses setoriais. Farmácias de manipulação são ri­gorosamente controladas. Obedecem a uma série de condições e critérios que as distinguem das drogarias. Ca­da uma delas possui laboratório, far­macêutico responsável, trata os seus clientes de uma forma individualiza­da, segue regras sanitárias estritas e obedece a condições rigorosas de conservação de seus produtos. Medi­camentos manipulados são únicos e personalizados, distinguindo-se, nes­te sentido, dos medicamentos indus­trializados, que obedecem a outras regras e condições. Drogarias, por sua vez, vendem me­dicamentos em série, caracterizando-se pelo comércio de produtos indus­ trializados. Não possuem a cultura do produto manipulado, tampouco ten­do os laboratórios correspondentes. Logo, não obedecem às regras própri­as, sanitárias e laboratoriais, das far­mácias de manipulação. Sua ativida­de é completamente distinta. Só o olhar incauto as identificaria. Desta maneira, o agregado introdu­zido pelo artigo 36 na Medida Provisó­ria 615, visa a abolir essa distinção fa­zendo com que as drogarias venham a exercer certas funções das farmácias de manipulação, sem terem as condi­ções de cultura, laboratoriais e sanitá­rias para isto. O risco daí decorrente pode ser grande para clientes que, inadvertidamente, passem a recorrer a drogarias para adquirirem um produ­to que, lá, não é manipulado. Ou seja, sob a forma aparentemente anódina de uma autorização para que drogari­as e farmácias possam captar receitas entre si, introduz-se uma grande mo­dificação. Eis o perigo. Para além dos problemas próprios de conservação dos produtos mani­pulados e das condições laboratoriais específicas de sua produção, perde-se a cultura da relação pessoal com o cli­ente e da de produtos únicos que são individualizados segundo as necessidades de cada um. Receituários mé­dicos, odontológicos e veterinários exercem, precisamente, essa função. São prescrições personalizadas. É co­mo se os medicamentos manipula­dos pudessem vir a ser produzidos em série, industrialmente, o que con­traria precisamente a sua natureza própria. Ademais, a autorização de captação de receitas entre estabelecimentos de natureza distinta (farmácias de mani­pulação e drogarias) faria com que a ação fiscalizadora da autoridade sa­nitária correspondente se visse sensi­velmente enfraquecida. As farmácias de manipulação, que obedecem a uma legislação sanitária estrita, cujo objetivo consiste em preservar a qua­lidade, a segurança e a eficácia de seus produtos, ver-se-iam confronta­das a uma situação completamente distinta. Seus medicamentos e suas finalidades próprias de individualiza­ção correriam um grande risco, po­dendo afetar a saúde da população. Quem seria responsável? Não pode, portanto, vingar, na farra de negociação de uma MP, que o arbi­trário vença uma regulamentação le­gal vigente, que atende às necessidades da população brasileira. Se for para mudar, que todos sejam ouvidos, que os interessados apresentem os seus argumentos, em um processo le­gislativo adequado aos projetos de lei. Os direitos do cidadão seriam, as­sim, preservados. Urge que a presi­dente da República vete o artigo 36 da Medida Provisória nº 615. • 
Denis Lerrer Rosenfleld é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Elefante por debaixo da porta

O elefante, o envelope e os embargos infringentes

22 de setembro de 2013 | 2h 18  O Estado de S. Paulo

ANÁLISE: Eloisa Machado de Almeida, PROFESSORA DA DIREITO GV - O Estado de S.Paulo
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu admitir os embargos infringentes para alguns dos réus da Ação Penal 470. O argumento para receber os embargos foi garantir aos réus o direito de revisão de seu julgamento, o direito de recorrer. Todos temos direito de recorrer de uma decisão, tal como estabelecido na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Este direito - sobretudo no âmbito penal - está vinculado à ideia de que é preciso ter um mecanismo de controle que evite injustiças.
Os órgãos internacionais, quando interpretam este direito, afirmam que é preciso garantir a revisão do caso como um todo - incluídos aí os fatos, a valoração das provas, o direito aplicado e as penas. É preciso, sobretudo, que a revisão seja feita por um tribunal diferente daquele que condenou, de hierarquia maior para poder impor sua decisão à primeira. Mas o foro privilegiado, do qual os réus da Ação Penal 470 usufruem, garante aos privilegiados que o julgamento será feito diretamente pelo STF, a mais alta corte do país. Das decisões do Supremo não cabe recurso.
Pela decisão desta semana cabem, agora, embargos infringentes. Os embargos infringentes serão admissíveis apenas para alguns réus e ficarão adstritos ao tema de divergência entre os ministros. Não cumpre, assim, o papel de garantir o direito de recorrer. A pergunta que se coloca, neste caso, é se é possível conciliar direito de recorrer com foro privilegiado. Tal como estabelecido em nosso sistema constitucional, a resposta é negativa. O foro privilegiado não se harmoniza com o direito de recorrer: ou se acaba com o foro privilegiado ou com o direito de recorrer para quem o tem. O STF criou uma outra solução, indicando direito de recorrer ao mesmo tribunal, em embargos infringentes. Em termos alegóricos, seria como passar um elefante por debaixo da porta. Perde-se, com isso, a oportunidade de aperfeiçoar o sistema e, inevitavelmente, mantém-se aquela sensação de impunidade que sempre rondou o foro privilegiado.

Informalidade na ausência da lei








Presos fazem "autogestão", mantêm comércio e controlam acessos em presídios de PE, diz relatório

Carlos Madeiro
Do UOL, em Maceió
06h00

Superlotação em presídio em Pernambuco; problema é recorrente em unidades carcerárias em todo o Estado

Relatório produzido após visita de comissão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) apontou uma série de problemas em três dos principais presídios de Pernambuco e cobrou providências do poder público local. Além das já tradicionais falta de estrutura física, apoio jurídico e superlotação, uma das constatações dos auditores foi a "autogestão" dos presos nos locais visitados em maio. Para os relatores, o Estado não exerce o correto poder de controle nas unidades.
Em Caruaru (a 130 km do Recife), a penitenciária Juiz Plácido de Souza enfrenta superlotação: tem capacidade para 380 presos, mas possui 1.302. No local, presos provisórios e condenados convivem sem divisão.
Na unidade, os representantes do CNMP apontam, no relatório, ter encontrado uma "espécie de autogestão dos presos no sistema prisional". O documento cita que os presos ficam fora das celas e tem controle das ações dentro da unidade.
"Há controle praticamente absoluto, inclusive comercial. Ao que parece, a direção do presídio só atua como observadora e porta voz dos presos junto ao Estado. Bem simbólica, nesse sentido, foi a manifestação de um dos presos, ao aduzir que a penitenciária seria como 'a casa de mamãe', diz o relatório.
Além disso, foi encontrada a prática de comércio informal dentro da unidade, sob controle total dos detentos.
"Há mais de uma lanchonete controlada pelos presos e algo parecido com comércio informal (observamos pelo menos um preso explorando uma espécie de camelódromo, com vendas de cigarros). Há presença de barbeiros, cabeleireiros, tatuadores, todos com utilização de instrumentos cortantes. Questionada, a diretora do presídio aduziu que faz apenas o controle de valores das transações financeiras, mas as vendas são de exclusivo controle dos presos", diz o texto.
A situação é parecida no Recife, no Complexo Prisional do Curado –o antigo Aníbal Bruno, considerado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) o pior do país. 
Segundo o relatório, na unidade há cerca de 5.000 presos ocupando espaço destinado a 1.500. Detentos exercem a função de controladores do acesso.
"Ato contínuo, solicitamos entrada em um pavilhão, o que só foi possível após autorização dos presos e do chamado 'chaveiro'. O diretor da unidade nos acompanhou, mas nós ficamos rodeados de presos por todos os lados", diz o relatório, citando que os detento reclamaram principalmente de penas vencidas.

Também foi verificada pela comissão possíveis regalias de alguns presos. "As celas são como se fossem as 'casas' dos presos. Em celas individuais, há mais de um preso "morando". Em algumas celas, verificamos televisões, DVD. Há pequenos fogões. Vimos alguns preparando comida. Há gambiarras", apontaram os relatores.
Ainda segundo o relatório, "os presos ficam soltos dentro do pavilhão e a maioria dorme em um pátio localizado do próprio pavilhão."
No presídio Luiz Gonçalves, em Vitória de Santo Antão (a 50 km do Recife), há capacidade para 96 presos, mas 440 estão amontoados nas celas.
Segundo o relatório, na unidade é um detento o "responsável por realizar o primeiro atendimento ao preso com algum problema de saúde".
Além disso, novamente o acesso a uma dos pavilhões só veio após a abertura de um preso, que tinha a chave do local. "Os integrantes da comissão só entraram em um dos pavilhões (pavilhão A), após ter sido aberto por um dos presos que, ao que parece, o controla (o chamado chaveiro)", conta o relatório.

Outros problemas

Ainda segundo o relatório, no Complexo do Curado, as refeições são "arremessadas" pelos próprios presos, "sem luvas ou outros mecanismos de higiene."
O relatório também cita a falta de higiene. "Não há pratos para recebimento das refeições, mas, em sua maioria, garrafas plásticas cortadas ou outros objetos plásticos improvisados", afirma o relatório.
Ainda no complexo, os relatores apontaram os consertos do presídio são pagos pelos próprios presos, com recolhimento dos valores pelos chamados "representantes". Haveria também pagamento de cotas para usar banheiro e agressões aos presos que não tem dinheiro para pagar.

Resposta

Em nota encaminhada ao UOL, a Seres (Secretaria de Estado de Ressocialização) disse que o governo aumentou em mais de 90% o efetivo de agentes penitenciários, responsáveis pelo controle dos reeducandos.
"A Seres ressalta que tem agido com rigor ao tomar conhecimento de que presos exercem liderança nas unidades prisionais. Uma das ações de combate a esta prática é a transferência de detentos. Outra iniciativa que vem sendo tomada é abertura de sindicância para apurar possíveis irregularidades, como no caso de cantinas", disse o órgão.
No caso da superlotação, a Seres disse que está tomando medidas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica a partir de outubro e a construção e ampliação de cinco presídios, que devem geram 7.000 novas vagas.
No caso do Complexo do Curado, a Seres negou a existência de "taxas" que seriam cobradas aos presos.