terça-feira, 30 de dezembro de 2014

"Falsa democracia"

Folha de S. Paulo, 30 de dezembro de 2014.

Bernardo Mello Franco

O caso do bombeiro

BRASÍLIA - Imagine um pequeno partido que tenha passado dez anos lutando para associar sua imagem a ideais de esquerda e causas libertárias, como o direito ao aborto e o combate à homofobia e a outras formas de intolerância. Agora imagine que este mesmo partido tenha eleito um deputado que fez campanha em quartéis, defendeu um general como ministro da Defesa e comemorou sua diplomação tirando "selfies" com Jair Bolsonaro, porta-voz da direita raivosa no Congresso.
Aconteceu no PSOL, que vive uma crise antes mesmo da posse do cabo Benevuto Daciolo, eleito no Rio de Janeiro com 49.831 votos. Líder da greve dos bombeiros de 2011, ele ajudou a ampliar a bancada federal da legenda de 3 para 5 deputados. Mesmo assim, há quem aposte que sua permanência não vá durar mais que alguns meses.
O choque de culturas começou às vésperas da eleição, quando o evangélico Daciolo fez circular um vídeo em que pedia votos com a Bíblia em punho. "Jesus está na nossa batalha. Homem nenhum pode parar esse movimento", pregava, com tom de pastor, antes de puxar uma oração de olhos fechados.
Eleito, o cabo criticou a subordinação dos militares a um ministro civil e chamou o sistema político brasileiro de "falsa democracia". A gota d'água foi a "selfie" com Bolsonaro, visto como a antítese do PSOL. Dias antes, o partido havia pedido sua cassação por afirmar que uma colega "não merece ser estuprada". Agora seus dirigentes se dividem entre os que sonham em enquadrar Daciolo e os que consideram inevitável expulsá-lo.
O PSOL já flertou com a autodestruição ao deixar que disputas internas afastassem políticos com mais conteúdo, como Heloisa Helena e Randolfe Rodrigues. Nos próximos anos, terá que escolher entre manter a pureza ideológica e continuar nanico ou flexibilizar os critérios de filiação para crescer, sob o risco de virar mais uma sigla igual às outras. O caso do bombeiro ajudará a definir o futuro do partido.

Vitória "mensaleira"

Blog do Noblat, 30 de dezembro de 2014.

Mensaleiro negocia e emplaca ministro de Dilma

De dentro da Penitenciária da Papuda, em Brasília, e desde então em prisão domiciliar, Valdemar negociou com a presidente Dilma Rousseff, por meio de terceiros
Ricardo Noblat
Parabenizem o mensaleiro condenado a 7 anos e 10 meses de prisão por corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro Valdemar Costa Neto, ex-presidente do Partido Liberal, e presidente de fato do Partido da República.
Até novembro de dentro da Penitenciária da Papuda, em Brasília, e desde então em prisão domiciliar, Valdemar negociou com a presidente Dilma Rousseff, por meio de terceiros, a indicação de Antônio Carlos Rodrigues para Ministro dos Transportes. E deu certo.
O nome de Antônio Carlos fez parte do pacote de sete novos nomes de ministros anunciados ontem por Dilma. Ex-suplente de Marta Suplicy, senadora pelo PT, Antônio Carlos sempre foi um dos políticos da confiança de Valdemar e também da de Paulo Maluf.
O dos Transportes é um dos ministérios mais cobiçados pelos partidos devido ao seu orçamento para lá de milionário. O PR de Valdemar teve direito a ele porque ameaçou apoiar a eleição de Aécio Neves (PSDB) para presidente, mas acabou apoiando a reeleição de Dilma.
Vocês não perdem por esperar emocionantes notícias a serem produzidas pelo novo ministro e sua turma.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Afronta ao direito

Folha de S. Paulo, 28 de dezembro de 2014.

Sebastião Tojal e Sérgio Renault
TENDÊNCIAS/DEBATES

Não se faz justiça sem direito

Utilizar a prisão preventiva para coagir o investigado a confessar ilícitos que tenha supostamente praticado é uma afronta ao direito
A dualidade direito e justiça sempre ocupou a agenda dos juristas. De toda forma, é consenso que nenhuma sociedade pode prescindir do direito quando busca uma convivência justa. Repugna, pois, à consciência jurídica toda e qualquer orientação fundada na tese de que os fins definem os meios. Ao contrário, no plano do direito, os meios definem os fins possíveis, sob pena de incorrermos na arbitrariedade.
É a partir dessa postulação que se compreendem muitas das soluções jurídicas para os diferentes problemas da vida. Assim é, por exemplo, o tema das provas ilícitas.
Jamais se admitirá uma prova cuja produção tenha desbordado dos limites da lei. Essa é a dicção da Constituição Federal, isto é: a compreensão do princípio da verdade real, que orienta a busca de verdade material, sem a qual não se faz justiça, pressupõe, no entanto, que a produção da prova seja feita dentro dos mais estritos limites legais, sob pena de nulidade.
Nada justificará a desconsideração dos direitos e garantias da pessoa humana, mesmo que a pretexto da busca da verdade material. Paradoxalmente, estamos vivendo uma quadra da história nacional em que essa verdade tem sido sacrificada em prol de outras exigências.
Com efeito, na semana passada, um dos membros do Ministério Público Federal observou em parecer lançado nos autos de um processo de habeas corpus que a prisão preventiva, justificada pela necessidade de preservação da ordem pública e conveniência da instrução probatória, também possuiria "a importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais".
O que já estava se tornando de domínio público, isto é, a utilização da prisão como meio coercitivo de obtenção de confissão ou mesmo delação, agora resta absolutamente comprovado. Às favas com o direito. O que importa é a confissão do investigado.
Nada mais ignominioso. A busca pela verdade, objetivo último de qualquer investigação, somente será legítima se forem observados os limites legais. Do contrário, ter-se-á a produção de uma prova ilícita, nula, imprestável para fundamentar qualquer processo judicial.
Pensar que se possa utilizar a prisão preventiva como meio de coação sobre o investigado, para constrangê-lo a confessar ilícitos que tenha supostamente praticado, significa uma afronta ao direito.
É fazer sobrepor a razão do Estado à razão jurídica, quando, na realidade, a grande conquista da modernidade foi estabelecer o primado do governo de leis sobre a arbitrariedade do governo de homens.
Não se faz justiça ao arrepio do direito. A sociedade brasileira ainda têm na sua memória os tempos de autoritarismo, em que as garantias constitucionais não passavam de formalidade.
A prevalecer a opinião do procurador, para quem a segregação na forma da prisão preventiva encontra-se igualmente justificada quando se cuida da "possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal, como se tem observado ultimamente", teremos violentado o direito, a ética e a própria necessidade de o ser humano viver de forma justa.
A prevalecer, mais uma vez, essa esdrúxula posição, estaremos, na prática, institucionalizando a tortura psicológica quando se cuidar de buscar a verdade material.
Urge, pois, que o Judiciário recupere o sentido das coisas. Não podemos aceitar retrocessos na evolução institucional do país.
SEBASTIÃO TOJAL, advogado, é doutor em direito do Estado e professor da Faculdade de Direito da USP
SÉRGIO RENAULT é advogado. Foi secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2003-2004) e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005-2006)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Democracia capenga

Folha de S. Paulo, 25 de dezembro de 2014.

Clóvis Rossi

Uma democracia capenga

Brasileiro participa pouco em política; talvez por isso, é recordista em sentir-se desatendido pelo governo
O brasileiro é recordista mundial em sentir-se ignorado pelo governo.
É o que indica a pesquisa sobre atitudes globais de 2014 feita pelo Pew Research Center, um centro de pesquisas norte-americano que é dos mais respeitados do mundo na matéria.
Recordista mundial é um pouco de exagero, mas não muito. A pesquisa foi feita nos 33 países emergentes mais relevantes de todos os continentes.
Quando a pergunta era sobre se o governo se importava com a opinião do pesquisado, 90% dos brasileiros responderam "não".
É a maior porcentagem encontrada, superior até à já elevada média latino-americana (77%).
O brasileiro pode ser recordista em sentir-se desatendido pelo governo, mas essa sensação é generalizada no mundo todo ou, ao menos, nos países pesquisados.
"Maiorias em 31 dos 33 países pesquisados disseram que a maioria dos funcionários do governo não se importa com o que pessoas como eles [os pesquisados] pensam."
A pesquisa serve como explicação a posteriori para as grandes manifestações de junho de 2013, em que a grande reivindicação era por serviços públicos melhores.
Ou seja, a rua ferveu porque nenhum governo "ouviu" essa reivindicação ou, se ouviu, não se preocupou efetivamente em atendê-la.
Mas a pesquisa mostra também que o brasileiro limita sua participação política ao ato de votar --o mínimo que se espera de um cidadão em democracias.
Aliás, o brasileiro é também quase recordista, entre os 33 países envolvidos na pesquisa, em participação eleitoral: 94% dizem votar nas eleições, atrás apenas dos tailandeses (96%).
Entre as possibilidades de participação oferecidas pela pesquisa, em só duas delas a porcentagem de brasileiros que participaram passou de um dígito: 34% foram a eventos de campanha política e 13% assinaram petição de cunho político.
Nos outros itens, o resultado é desanimador: participação em protesto (9%), membro de organização política (4%), fez contato com algum funcionário (5%), participação em greves (7%), telefonou para programa de rádio/TV para dar opinião política (5%).
Mesmo nas redes sociais, que, ao menos na campanha presidencial, pareciam inundadas de mensagem políticas, a participação é mínima. Só 9% postaram mensagens políticas e menos ainda (7%) publicaram links para informações políticas.
Em todos esses itens, a participação dos brasileiros é inferior ou, na melhor das hipóteses, igual à média latino-americana, que é igualmente muito baixa.
A pesquisa apurou também que as elites (e os homens, a maioria entre elas) atuam mais.
"Aqueles com educação secundária ou mais alta, aqueles que acreditam que funcionários públicos se importam com suas opiniões e os homens participam mais em atividades políticas", diz o texto.
Tudo somado, tem-se uma democracia capenga: votar, todos votam, mas participar é coisa para poucos, assim como os benefícios se concentram em poucas mãos.
Mesmo assim, Feliz Natal.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Malufismo

Folha de S. Paulo, 22 de dezembro de 2014.

Ricardo Melo

A Justiça malufou

Exemplos recentes dão motivos para reforçar o descrédito dos brasileiros no Judiciário
A lista de políticos divulgada como sendo produto da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa carece de grandes novidades. De uma forma ou de outra, a maioria dos nomes já havia sido liberada em ritmo variável, de acordo com o calendário eleitoral.
O comitê tucano instalado na Polícia Federal imprimiu ritmo acelerado até o fechamento das urnas, na tentativa vã de emplacar o candidato da oposição. O esforço culminou com aquela capa de uma revista que entrou para a história como uma das maiores vergonhas da imprensa nacional.
Ainda assim a lista de Costa tem seus atrativos. Apesar de ter dito publicamente no Congresso que a bandalheira na Petrobras vem de longe, o ex-diretor acusou sobretudo gente que pertence à base do atual governo. Houve duas exceções: Eduardo Campos (PSB) e Sérgio Guerra (PSDB), unidos por uma circunstância trágica, a morte, normalmente nestas horas sinônimo de anistia ampla e preventiva.
Chama a atenção também que a operação Vaza Jato, paralela à investigação oficial, esteja sendo tão parcimoniosa quanto às supostas delações da outra testemunha-chave, o doleiro Alberto Youssef.
Ele pareceu útil para construir aquela capa já referida, desmoralizada no mesmo dia por seu próprio advogado. Fala-se que ele tem sua própria lista de políticos, mas estranhamente os nomes não pingam com tanta sofreguidão quanto os apontados por Costa.
Por que será? Um palpite: o doleiro atua com o ilícito faz muito tempo. Foi personagem destacado na finada CPI do Banestado, criada para investigar esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que teve seu auge entre 1996 e 2002. Youssef estreou ali no papel de delator premiado. Jurou se afastar do crime, mas a carne é fraca. A CPI acabou em pizza, como de costume.
Salvos casos isolados --entre eles o de doleiros como Youssef--, nenhum dos políticos e milionários citados na época conheceu o xadrez. Presume-se, no entanto, que a agenda de Youssef seja bem mais ecumênica e explosiva que a do ex-diretor da estatal.
Presume-se, repita-se, uma vez que a Lava Jato tem sido marcada por procedimentos nada ortodoxos. Todos têm o direito de desconfiar quando o suposto fato de se apontar um retrato na parede já vira indício de incriminação de um ex-presidente! A espetacularização e o viés partidário, infelizmente, conspiram contra a reputação de um trabalho investigativo que poderia, e ainda pode, espera-se, contribuir para a depuração do habitat político e empresarial brasileiro.
Motivos para descrença na imparcialidade judicial, aliás, só têm crescido nos últimos tempos. Nem se fale dos momentos vexatórios oferecidos por magistrados que desrespeitam normas em blitz e aeroportos e ainda contam com a retaguarda de seus pares. O buraco está acima. Um dos exemplos mais frescos envolve o deputado Paulo Maluf, de currículo sobejamente conhecido.
O parlamentar é perseguido no mundo inteiro, menos no país onde cometeu crimes. Pode viajar ao exterior apenas na imaginação, lendo as placas das ruas do bairro chique onde mora em São Paulo. Pois bem, aqui no Brasil Maluf recuperou o status de ficha-limpa. Para isso, o Tribunal Superior Eleitoral, à sua moda, mandou os escrúpulos às favas. Manobrou, aguardou a viagem de um dos ministros a favor da condenação do deputado para refazer a votação original e inverter o placar. Chocante. Assim é duro achar saída neste beco.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Cobram caro

Blog do Noblat,  21 de dezembro de 2014,

Cobram caro, roubam muito e querem mais

A saída que o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vislumbra para colocar ordem no caos econômico que a presidente criou em 48 meses de Planalto é aumentar impostos

Impostos de Primeiro Mundo, serviços de Terceiro e de quinta qualidade. Uma equação insana que piorou muito na última década. Dados divulgados pela Receita Federal apontam que os tributos cobrados dos brasileiros bateram em 35,95% do PIB. É a mais alta proporção desde 2004, quando o indicador foi criado, e a 13ª maior do mundo.
O Brasil perde, pela ordem, para paraísos de excelência: Dinamarca (48%), França (45,3%), Itália (44,4%), Suécia (44,3%), Finlândia (44,1%), Áustria (43,2%), Noruega (42,2%), Hungria (38,9%), Luxemburgo (37,8%), Alemanha (37,6%), Eslovênia (37,4%) e Islândia (37,2%).
A contrapartida para o tanto que se paga é pior do que pífia. Um desequilíbrio estarrecedor, para usar uma das palavras prediletas da presidente Dilma Rousseff.
O país ocupa o 58º lugar entre os 65 que participam do Pisa, programa da OCDE que avalia jovens de 15 anos que concluíram a escolaridade básica; é o último no ranking do Instituto Bloomberg, que analisou os sistemas de saúde de 48 nações. Empata com Geórgia e Granada no 79º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), posição um ponto superior ao ano passado, comemorada com fogos de artifício pelo governo. Mas também aqui perde feio para vizinhos como Chile (41º), Argentina (49º), Uruguai (50º). Não alcança nem mesmo a empobrecida Venezuela (67º).
A União detém a maior fatia da arrecadação: 68,92%. Estados e municípios respondem respectivamente por 25,29% e 5,79%, e ainda têm de implorar pelo pagamento em dia dos repasses de direito, como fundos de participação, verbas da Educação e do Sistema Único de Saúde (SUS).
A saída que o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy – tido por muitos como salvador da pátria do mandato perdido de Dilma --, vislumbra para tentar por um mínimo de ordem no caos econômico que a presidente criou em 48 meses de Planalto é aumentar impostos. Nada antecipa sobre corte de gastos. Mas fala com desenvoltura em voltar a cobrar a Cide sobre combustíveis, suspensa em 2012, e deixa correr solta a proposta de se criar um novo imposto, semelhante à CPMF extinta pelo Senado em 2007.
Novo imposto não combina com ceia de Natal nem champanhe de virada do ano. Mas a falação sobre o tema em época de festas faz parecer que a tentativa de ressuscitar o imposto do cheque é mais do que um teste.
Resta combinar com quem paga os impostos; aqueles que abarrotam os cofres do governo para quase nada receber em troca e ainda veem o seu suado dinheirinho encher os bolsos, cuecas e malas de gente que compra assentos no poder.
Por R$ 0,20 o país pegou fogo; a presidente berrou por bombeiros. Na época, o escândalo da Petrobras ainda dormia em águas profundas. Quais seriam as chances agora de cobrar mais impostos para bancar a incompetência do governo e corrigir “malfeitos”, para dizer o mínimo?
Haja extintores.

sábado, 20 de dezembro de 2014

1992-2015?

Tomara que caia

Quem, em sã consciência, pode apostar que um grupo que se enraizou no Estado brasileiro para saqueá-lo fará tudo diferente agora?

Ao ser diplomada no TSE para o novo mandato, Dilma Rousseff propôs um pacto nacional contra a corrupção. Quase na mesma hora, a Controladoria-Geral da União afirmava que a compra da Refinaria de Pasadena não foi um mau negócio, foi má-fé. Dilma presidia o Conselho de Administração da Petrobras, responsável pela aprovação da negociata. A dúvida é se os critérios para a compra da refinaria e para o pacto anticorrupção serão os mesmos.
O Brasil precisa saber urgentemente qual será o papel do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, no pacto nacional contra a corrupção. Nas investigações da Polícia Federal, Vaccari é acusado de beneficiário do esquema do petrolão, e de injetar propinas na campanha de Dilma — essa mesma que foi reeleita e diplomada declarando guerra à corrupção. As faxinas da presidente deixariam o FBI de cabelo em pé.
Os EUA, aliás, já foram apresentados às entranhas do governo popular, com a chegada do escândalo da Petrobras à Justiça americana. O problema é que lá não tem um Lewandowski ou um Dias Toffoli para tranquilizar os companheiros na última instância. Também não tem um ministro da Justiça servindo de garoto de recados do marqueteiro petista. Como incluir os americanos, holandeses e suíços lesados pelo petrolão no pacto contra a corrupção? Será que o apoio deles custa mais do que os da UNE e do MST?
Uma das ascensões políticas mais impressionantes nos últimos anos foi a do ex-deputado André Vargas. Virou secretário de comunicação do PT e chegou a falar grosso com o STF no julgamento do mensalão — cuja transmissão televisiva ele queria embargar. Depois provocou Joaquim Barbosa publicamente, fazendo a seu lado o gesto do punho cerrado dos mensaleiros. André Vargas chegou à vice-presidência da Câmara dos Deputados, nada menos. Aos inocentes que não entendiam aquela ascensão meteórica, veio, enfim, a explicação: Vargas era comparsa do doleiro Alberto Youssef, o operador do petrolão.
Essa singela crônica de sucesso mostra que hoje, no Brasil, não há nada mais claro e seguro do que a lógica de funcionamento do PT. A qualquer tempo e lugar que você queira compreendê-la, o caminho é simples: siga o dinheiro.
Seguindo o dinheiro (farto) do doleiro, a polícia chegou a uma quadrilha instalada na diretoria da Petrobras sob o governo popular. Tinha o Paulinho do Lula, tinha o Duque do Dirceu, tinha o tesoureiro da Dilma, tinha bilhões e bilhões de reais irrigando a base de apoio do império petista. Um ou outro brasileiro mal-humorado se lembrou do mensalão e resmungou: mais um caso de corrupção no governo do PT. Acusação totalmente equivocada.
O mensalão e o petrolão não são casos de corrupção. Pertencem a um sistema de corrupção, montado sob a bandeira da justiça social e da bondade. Vamos repetir para os que seguiram o dinheiro e se perderam no caminho: trata-se de um sistema de corrupção. E as investigações já mostraram que esse sistema esteve ligado diretamente ao Palácio do Planalto nos últimos dez anos. Um deputado de oposição disse que o maior medo do PT não era perder a eleição presidencial, mas que depois Dilma fizesse a delação premiada.
E lá vai o Brasil para mais quatro anos dessa festa. Quem tem autoridade para acreditar que o método será abandonado? Quem em sã consciência pode apostar que um grupo político que se enraizou no Estado brasileiro para saqueá-lo irá fazer tudo diferente agora? Responda, prezado leitor: quem são as pessoas nesse governo ou nesse partido capazes de liderar uma guinada virtuosa? Lula? Dilma? Vaccari? Mercadante? Pimentel? Cardozo? Carvalho? Dirceu? Delúbio?
Mesmo depois de passada toda a propaganda suja da eleição, mesmo depois de exposta a destruição da maior empresa brasileira pelos que juravam amá-la, Dilma não recuou. Foi para cima do Congresso e rasgou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Obrigou o parlamento a legalizar o golpe do governo popular contra a política de superávit — que é um dos pilares da estabilidade monetária. O que falta fazer?
Que passe de mágica devolverá a credibilidade a um governo desmoralizado no país e no exterior? Quem vai querer investir aqui com esse bando de parasitas mudando as regras ao sabor das suas conveniências fisiológicas? Quem tem coragem de afirmar (com alguma dignidade) que os próximos quatro anos poderão reerguer esse Brasil em processo de argentinização?
Num sistema parlamentarista razoável, a extensão do escândalo na Petrobras já teria derrubado o governo. Os acordos de delação premiada já indicaram que Dilma e Lula sabiam de tudo. Se o Brasil quiser (e o gigante abrir pelo menos um dos olhos), essa investigação chegará onde tem que chegar. Esse é o único pacto possível contra a corrupção.
Em 1992, quando Collor estava balançando, já por um fio, Bussunda resolveu dar a sua contribuição e apareceu diante do Palácio do Planalto vestindo um tomara-que-caia — “em homenagem ao presidente”. É isso que falta?
Guilherme Fiuza é jornalista

falta do direito de ir e vir



Por medo de arrastões, agências evitam levar turistas pela Linha Vermelha
20/12/201410h37

Um arrastão na Linha Vermelha fez com que motoristas abandonassem seus carros e fugissem na contramão pela via
Representantes de empresas que transportam turistas e executivos no Rio de Janeiro afirmam que, devido ao alto número de assaltos e arrastões presenciados na Linha Vermelha, passaram a evitar a via e utilizar a avenida Brasil como alternativa. A informação é do jornal "O Globo".
A Linha Vermelha é uma das principais vias expressas do Rio, que liga o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) ao centro. Na última semana, foram relatados ao menos dois episódios de arrastão na altura do Complexo da Maré, na zona norte da cidade.
"O bandido se aproximou de um dos nossos veículos carregando um saco cheio de pacotes de pipoca. De repente, ele puxou uma arma e abordou o motorista. Roubou celulares, relógios, dinheiro, tudo", contou ao jornal o gerente da LDS Group, Vinícius Alonso, que presta serviços para executivos estrangeiros. "Um outro motorista da empresa viu, também na Linha Vermelha, um suposto vendedor de garrafas de água retirar uma pistola de um isopor e atacar os ocupantes de um carro. Por isso, começamos a usar automóveis blindados e mudamos nossas rotas para a avenida Brasil. Assaltos na Linha Vermelha se tornaram uma rotina."
Outra empresa que trocou a Linha Vermelha pela avenida Brasil é a agência Triple M. "Tivemos alguns serviços cancelados por uma única razão: a violência na Linha Vermelha. Hoje utilizamos a avenida Brasil, que não pode ser considerada uma solução. Vamos sediar as Olimpíadas em breve, mas ainda não somos capazes de assegurar a ida tranquila do turista que desembarca no aeroporto internacional da cidade para um hotel", reclamou o gerente de operações Fabrício Martins.
Na sexta-feira (19), um arrastão na altura da Vila dos Pinheiros fez com que motoristas abandonassem seus carros e fugissem na contramão pela via. Os criminosos arremessaram em direção à pista barras de ferro e pedaços de pau na tentativa de parar o tráfego.
Policiais militares estão reforçando o policiamento do trecho desde quinta (18), segundo a corporação, em toda a extensão da via, com motopatrulhamento e viaturas. A Maré é o maior conjunto de favelas do Rio –formado por 15 comunidades com mais de 130 mil moradores. Ocupado pela Força de Pacificação do Exército desde 5 de abril, o complexo tem sido palco de tiroteios constantes mesmo com a presença dos militares.
Em novembro, um cabo do Exército morreu ao ser baleado na cabeça enquanto fazia ronda de rotina na Maré. Michel Augusto Mikami, 21, era de Vinhedo, interior de São Paulo. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), pediu na quinta (18) ao governo federal a prorrogação da permanência do Exército no complexo de favelas da Maré.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Os dois lados

O Globo, 18 de dezembro de 2014.

Os dois lados

É desonesto não aceitar a diferença entre a violência clandestina de contestação a um regime ilegítimo e a violência que arrasta toda a nação para os porões da tortura

Na reação ao relatório da Comissão da Verdade sobre as vítimas da ditadura, afirma-se que, para ser justo, ele deveria ter incluído o outro lado, o das vítimas da ação armada contra a ditadura. Invoca-se uma simetria que não existe. Nenhum dos mortos de um lado está em sepultura ignorada como tantos mortos do outro lado. Os meios de repressão de um lado eram tão mais fortes do que os meios de resistência do outro que o resultado só poderia ser uma chacina como a que houve no Araguaia, uma estranha batalha que — ao contrário da batalha de Itararé — houve, mas não deixou vestígio ou registro, nem prisioneiros. A contabilidade tétrica que se quer fazer agora — meus mortos contra os teus mortos — é um insulto a todas as vítimas daquele triste período, de ambos os lados.
Mas a principal diferença entre um lado e outro é que os crimes de um lado, justificados ou não, foram de uma sublevação contra o regime, e os crimes do outro lado foram do regime. Foram crimes do Estado brasileiro. Agentes públicos, pagos por mim e por você, torturaram e mataram dentro de prédios públicos pagos por nós. E, enquanto a aberração que levou a tortura e outros excessos da repressão não for reconhecida, tudo o que aconteceu nos porões da ditadura continua a ter a nossa cumplicidade tácita. Não aceitar a diferença entre a violência clandestina de contestação a um regime ilegítimo e a violência que arrasta toda a nação para os porões da tortura é desonesto.
O senador John McCain é um republicano “moderado”, o que, hoje, significa dizer que ainda não sucumbiu à direita maluca do seu partido. Foi o único republicano do Congresso americano a defender a publicação do relatório sobre a tortura praticada pela CIA, que saiu quase ao mesmo tempo do relatório da nossa Comissão da Verdade. McCain, que foi prisioneiro torturado no Vietnã, disse simplesmente que uma nação precisa saber o que é feito em seu nome. O relatório da Comissão da Verdade, como o relatório sobre os métodos até então secretos da CIA, é um informe à nação sobre o que foi feito em seu nome. Há quem aplauda o que foi feito. Há até quem quer que volte a ser feito. São pessoas que não se comovem com os mortos, nem de um lado nem do outro. Paciência.
Enquanto perdurar o silêncio dos militares, perdura a aberração. E você eu não sei, mas eu não quero mais ser cúmplice.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Falsas vítimas

Folha de S. Paulo, 16 de dezembro de 2014.

Vladimir Safatle

Falsas vítimas

Depois de pressões vindas de vários setores da sociedade pelo reconhecimento dos excessos cometidos por ambos os lados, o governo alemão resolveu inaugurar um memorial aos oficiais da Gestapo mortos por militantes comunistas alemães.
"Devemos colocar o problema da ascensão do nazismo em seu contexto. Afinal, havia o medo da ameaça comunista, por pouco uma revolução comunista não eclodiu na Alemanha. Claro que ninguém apoia o nazismo, mas do outro lado não havia apenas santos", disse a chanceler Angela Merkel na inauguração.
Não, esta não é uma notícia verdadeira. Mas, guardada as devidas proporções, alguns querem nos levar a um raciocínio parecido diante das exigências postas pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Depois de dois anos e meio de trabalho, a CNV mostrou como o país foi governado, durante vinte anos, por governos que implementaram uma política sistemática e consciente de medo, assassinato, tortura, estupro e ocultação de cadáveres, não apenas contra militantes comunistas, mas contra todos os que podiam se apresentar como ameaça à perpetuação do regime. Durante vinte anos, o Brasil foi simplesmente um Estado ilegal governado por bandidos.
Diante disso, o mínimo que se poderia esperar era uma pressão nacional para que as Forças Armadas oferecessem à nação um mea-culpa, como foi feito em países como Argentina e Chile, entre tantos outros. As Forças Armadas brasileiras devem decidir se querem ser uma instituição à altura das exigências de uma sociedade democrática ou um clube de defesa de torturadores, estupradores e assassinos.
Mas, como não poderia deixar de ser, levantam-se vozes para falar sobre "as vítimas do outro lado". Então, militares aparecem com listas de vítimas das ações de grupos de luta armada (para variar, listas falsas com pessoas ainda vivas), filhos de torturadores escrevem cartas indignadas contra o governo. Pessoas que morreram por defender uma ditadura criminosa ou que são atualmente denunciadas por isso querem agora ser vistas como vítimas. Mas vítimas do quê? Do direito de resistência contra a tirania? Os colaboracionistas franceses mortos pela resistência foram "vítimas"?
Como se não bastasse, há de se lembrar que todos os membros da luta armada que participaram de crimes de sangue NÃO foram anistiados (por favor, leiam novamente, "não foram anistiados"). Eles ficaram na cadeia depois de 1979 e, por isso, pagaram suas penas. Os únicos que não pagaram nada foram os militares.
A Lei de Anistia, como aplicada no Brasil, é uma simples farsa imoral. Como é farsesca a ideia de, agora, dar voz àqueles que passaram à história brasileira eliminando as vozes dos descontentes.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Debilidade dos Direitos Humanos no Brasil

Folha de S. Paulo, 15 de dezembro de 2014.

Entrevista José Miguel Vivanco

Brasil precisa julgar crimes dos dois lados na ditadura militar

Diretor da ONG Human Rights Watch afirma que Comissão errou ao omitir ações da esquerda e que falta coragem para superar a Lei da Anistia
FERNANDA GODOY DO RIO O diagnóstico é contundente: o chileno José Miguel Vivanco, 53, diretor-executivo da divisão Américas da ONG Human Rights Watch, diz que o Brasil está atrasado e precisa de coragem para julgar os acusados, de ambos os lados, de crimes durante a ditadura militar (1964-1985).
O atraso "demonstra a debilidade da causa dos direitos humanos no país", diz.
Para o ativista, o relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade) divulgado na quarta (10) é um avanço, mas o país deve ainda investigar, julgar e punir os responsáveis por crimes cometidos tanto por agentes do Estado como por guerrilheiros.
Ele critica a Comissão por ter excluído os crimes da esquerda do relatório. "Se houve abusos de grupos armados irregulares, isso deve constar de um informe dessa natureza", afirma Vivanco, que foi expulso da Venezuela em 2008 após publicar relatório crítico ao governo Chávez.
Para ele, a Lei da Anistia --aprovada em 1979, reafirmada pelo Congresso após a redemocratização e confirmada pelo STF em 2010-- não pode obstruir julgamentos.
Vivanco se baseia na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2010, sentenciou o Brasil a investigar crimes da ditadura e punir seus autores para afirmar que o direito evoluiu e a impunidade é inaceitável.
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Como o sr. avalia a recomendação da Comissão Nacional da Verdade para que autores de crimes imprescritíveis, como tortura, sejam julgados?
José Miguel Vivanco - O relatório faz o que outras comissões da verdade fizeram no passado: um esforço extrajudicial. Como encontraram evidências de crimes atrozes, desaparecimentos, torturas, execuções, hoje considerados crimes contra a humanidade, esses delitos devem ser investigados e punidos. Devem ser identificados seus autores materiais, os que instigaram esses crimes ou que encobriram as violações dos direitos humanos na época.
A Lei da Anistia, que vem de outra época, não pode constituir um obstáculo, à luz dos parâmetros nacionais e internacionais de direitos humanos, para a investigação e a punição dos responsáveis por essas atrocidades.
A comissão não é instância judicial, investigou por seus próprios meios e sem a ajuda do Exército --coisa que infelizmente também ocorreu no Chile, na Argentina, no Peru--, e conseguiu, assim mesmo, provas dos delitos.
Esses delitos, insisto, devem ser objeto de processo justo, equilibrado, com respeito ao processo legal. Não pode haver impunidade total.
O Brasil demorou a criar sua Comissão da Verdade. O documento chega tarde?
O Brasil está muito atrasado em relação aos demais países da região. Recuperou a democracia há quase 30 anos e ainda não tinha feito esse esforço, que normalmente se faz tão logo se recupera a democracia. Isso demonstra a debilidade da causa dos direitos humanos no país.
E, inclusive, mostra a força do Exército brasileiro, que conseguiu passar incólume por quase 30 anos. As Forças Armadas se deram ao luxo de não prestar nenhuma cooperação à comissão, apesar de ela ser uma entidade oficial.
Espero que o documento abra debate amplo e justo sobre as responsabilidades que possam caber ao Exército e as que possam ter tido grupos irregulares armados, algo que o relatório lamentavelmente não menciona, ao contrário do ocorrido no Chile e Peru.
É uma das queixas dos militares a ausência de referências aos crimes do outro lado.
Foi um erro. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Se houve abusos cometidos por grupos armados irregulares, isso deve constar de um informe dessa natureza. E também haveria servido para mostrar a magnitude dos abusos cometidos pelo Estado e a magnitude dos abusos dos grupos armados.
O relatório é um primeiro passo para mudanças?
Neste ponto, sou prudente. Depende de como a sociedade receberá o relatório, de seu impacto, de se isso se traduzirá em demanda por investigações judiciais. Depende de saber se setores importantes da sociedade se farão ouvir, deixando claro que não aceitam a impunidade.
Qual o papel de Dilma?
É central. E também o de líderes da oposição. É difícil entender a falta de compromisso dos líderes brasileiros contra a Lei da Anistia. Parece que a consideram uma boa lei porque afetou também a setores da esquerda que foram perseguidos nesses anos.
Não devemos temer a Justiça. É preciso botar tudo sob os holofotes da Justiça. Houve pessoas que se beneficiaram da anistia embora tenham cometido abusos graves, que foram membros de grupos armados. É preciso prestar contas de suas responsabilidades, assim como os agentes do Estado têm que fazê-lo.
Falta clareza sobre a primazia da Justiça sobre quaisquer outras considerações, em especial as de natureza ideológica. O tema dos direitos humanos não é de esquerda ou direita, nem monopólio de uma ou outra. É um valor jurídico que tem a ver com a necessidade de que uns e outros, civis e militares, ricos e pobres, tenham tratamento igualitário perante a lei.
Todos devem prestar contas por violações de direitos humanos cometidas, ainda que há 40 anos. Do contrário, custa muito construir a credibilidade do Estado de Direito.
Os que se opõem à revisão da Lei da Anistia argumentam que ela foi fruto de um acordo político. À luz do direito internacional, como analisa isso?
Não há sentido nesse argumento. Esse foi o acordo político que os líderes da época acharam possível. Mas o país evoluiu, assim como o direito brasileiro e o internacional. E o país adquiriu obrigações jurídicas internacionais em termos de direitos humanos. Isso não pode ficar congelado.
O que uma lei de anistia faz é oferecer proteção aos que cometeram crimes graves. É possível que essa proteção resulte de negociação política, mas isso não tem nada a ver com os princípios jurídicos.
Os líderes políticos da época não tinham em consideração os interesses das vítimas. São as vítimas desses crimes atrozes e o conjunto da sociedade quem têm que, hoje, em função dos padrões atuais de direitos humanos, decidir o futuro do Brasil nesses temas.
Se o Brasil mantiver a anistia, estará indo contra o entendimento jurídico moderno?
Seria lamentável que, apesar das evidências, o Brasil decidisse varrer esses temas para debaixo do tapete. Não se deve pretender que esse seja o fecho, o último capítulo.
O caminho de mudança passa pelo Judiciário?
Os juízes podem até chegar à conclusão de que a Lei da Anistia não impede a investigação, como foi o caso da Suprema Corte chilena. A lei de anistia de 1978, ditada por Pinochet, continua vigente. Não foi obstáculo para que se investigasse e castigasse violações aos direitos humanos.
Parece que políticos brasileiros não têm valentia para realizar investigações justas. Não revanches, investigações judiciais. Ninguém está à margem da lei. Por que estaria? Por vestir um uniforme?
O Brasil mudou e, com respeito aos princípios do processo legal, deve haver investigação séria. A Lei da Anistia não pode ser um obstáculo, em especial depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu um parecer categórico sobre ela.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Silêncio castrense



Folha de S. Paulo, 11 de dezembro de 2014.

Silêncio de militares traz dúvida sobre volta da tortura, diz Dallari

FLÁVIA FOREQUE
GABRIELA GUERREIRO
DE BRASÍLIA

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

crescem os homicídios



Número de homicídios no mundo cai, mas cresce no Brasil, diz ONU
Em números absolutos, país é o que registra o maior índice de mortes violentas entre 133 nações avaliadas
por Deborah Berlinck
10/12/2014 10:23 / Atualizado 10/12/2014 12:20



GENEBRA — O número de homicídios está em queda no mundo. Apesar disso, o Brasil está na contramão da tendência. Em números absolutos, é o país com o maior índice de assasinatos no mundo: 64,357, o que equivale a 32.4 mortes para cada 100 mil pessoas, revela relatório global para prevenção de violência preparado por agências das Nações Unidas divulgado nesta quarta-feira.
O Brasil ultrapassa até a Índia (52 mil) – o segundo país mais populoso do planeta. E tem mais do dobro de homicídios que o México (26 mil), Colômbia (20 mil), Rússia e África do Sul (18 mil), Venezuela e Estados Unidos (17 mil). A esmagadora maioria das vítimas brasileiras são homens. A estimativa é da Organização Mundial de Saúde, uma das três agências que participaram do estudo.
Numa avaliação dos homicídios per capita, no entanto, o Brasil não é o país mais violento do mundo. Embora o país tenha quase 5 vezes mais do a média de homicídios no mundo (6 para cada 100 mil pessoas), quem lidera o ranking nas estimativas da OMS é Honduras, com 103.9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, seguido da Venezuela, com 57 casos para cada 100 mil e 45 no caso da Jamaica. O Brasil fica entre os 10 mais violentos.
Os números da OMS são bem maiores do que os dados oficiais fornecidos pela polícia brasileira e que também constam do relatório : 47,136 mil ou 24.3 para cada 100 mil pessoas. Nos dois casos, no entanto, os dados mostram uma curva ascendente no número de homicídios brasileiros desde 2007, depois de uma queda nos registros no período entre 2003 e 2007.



Em 2012, foram registrados 475 mil assassinatos no planeta, que registrou queda de 16% em relação aos números de 2000. Os dados do país foram fornecidos pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Desigualdade social e cultura de aceitação da violência, conjugados à convivência com armas e à ampla cobertura da mídia sobre o tema são algumas das explicações apontadas para o elevado nível de homicídios no continente americano.
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Mas representantes das agências que prepararam o relatório não conseguiram explicar porque a curva de homicídios se reverteu no Brasil depois de estar em queda. Para Etienne Krug, diretor do departamento de Prevenção de Violências, Lesões e Incapacitações da Organização Mundial de Saúde (OMS), parte da explicação pode ser creditada à melhor coleta de dados fornecidos pelo governo.
— Eu sei que houve vários esforços no Brasil (para combater a violência) – disse ele.
Sara Sekkenes, do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), admitiu que há limitações na análise dos dados:
— Há limites (na análise), porque o relatório não leva em consideração, por exemplo, o impacto da crise financeira e do desemprego. Mas é algo que ajuda a começar a olhar para os problemas da violência.
O relatório, que analisou dados de 133 países, avaliou também a legislação do Brasil no combate e prevenção da violência. Segundo o documento, o país destaca-se positivamente por possuir leis abrangentes contra os maus tratos de crianças e de idosos, mas precisa melhorar suas formas de inibir a violência sexual. Questões como a do estupro no casamento e a remoção de marido violento não são contempladas em sua plenitude. A ONU também não considera suficiente a legislação para impedir o porte de armas nas escolas.
O texto deixa claro que a criação de mais leis contra a violência não impede que atos violentos sejam cometidos em grande escala. Nos 133 países que fizeram parte do estudo, a ONU detectou que uma a cada quatro crianças já sofreu abuso, enquanto que uma a cada três mulheres já foi vítima de violência física ou sexual cometido pelo parceiro e que um a cada 17 idosos sofreu algum tipo de agressão no último mês.
Apesar de Krug afirmar ser boa a notícia da diminuição do número de homicídios no mundo, avaliou que os países têm dificuldade na aplicação das leis. Em média, 80% deles adotaram regras para prevenção e combate da violência, mas apenas metade as puseram em prática.
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— Existem leis, mas muitos países informaram que elas não são aplicadas – disse Krug.
PORTE DE ARMA
Sobre restrição ao uso de armas, o documento compara o Brasil a outros países, e chama atenção que o porte de uma família violenta não é retirado, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, na Suécia ou na Colômbia. Além disso, o país não limita a compra de munição, ao contrário do que ocorre no México e na África do Sul. O ponto do controle do porte de armas foi considerado importante pela ONU.
Forte controle de porte de armas é importante, segundo a ONU, porque aumenta a propabilidade de violência: um a cada dois homicídios é cometido com armas.