quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Civil sendo julgado em tribunal militar



Jornal do Commercio,  30 de janeiro de 2013.

Processo e Justiça Militar em discussão
DEBATE Novo capítulo no "caso Roberto Monte", único réu
civil que responde a um processo por crime de opinião no STM

Carolina Albuquerque
carolinaalb@gmail.com

O caso do economista Roberto Monte, único réu civil que responde a um processo por crime de opinião na
Justiça Militar em plena democracia, ganhou novo capítulo ontem. Os advogados do acusado, Frederico
Barbosa e Marcelo Santa Cruz, impetraram uma "ordem de habeas corpus" no Superior Tribunal Militar
(STM), em Brasília, contra a juíza-auditora da 7ª Circunscrição da Justiça Militar (sediada no Recife), Flávia
Ximenes Aguiar de Sousa. Alegeam que ela restringiu o prazo de defesa no processo, o que configuraria
cerceamento de defesa e abuso de autoridade.
De acordo com Frederico, o processo de Roberto Monte envolve outros 13 militares, o que conferiria um
período de 12 dias para elaboração da defesa, chamada de "alegações escritas". "Esse é o momento mais
importante do processo, que deve favorecer o acusado", disse. Ainda segundo o advogado, a intimação para
os advogados de defesa não "seguiu seu curso normal" e continha erros.
O processo já tramita há mais de seis anos. Frederico explica que um habeas corpus poderia ter "trancado"
o processo e resolvido o caso. Porém, eles querem utilizar o fato como bandeira política para defender a
tese de que a Justiça Militar deve ser extinta. "A extinção já ocorreu em outros países. A Justiça Militar ainda
lida com o entulho da época da ditadura militar, o que encontra contradição com o que diz a Constituição de
1988", argumenta. O advogado Marcelo Santa Cruz endossa essa opinião: "Esse processo é um verdadeiro
absurdo. A Justiça Militar julgava antes baseado na Lei de Segurança Nacional (LSN). Já existe uma
discussão de que não há necessidade (dela) em momento de paz", disse.
Roberto Monte responde a um processo militar por ter defendido a criação de Comissões de Direitos
Humanos nas organizações militares e que o Exército brasileiro não deveria ser lembrado apenas por figuras
como Duque de Caxias, mas também por personagens como Carlos Prestes, Lamarca e Apolônio de
Carvalho, militares e políticos comunistas que lutaram contra o regime militar. Segundo os autos, as
declarações foram enquadradas nos artigos 155, de incitação à desobediência, e 219, de ofensa às Forças
Armadas, do Código Penal Militar. O fato ocorreu em 2005, na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), durante o I Congresso Norte-Nordeste de Direito Militar.

Democracia de baixa intensidade em Portugal

Folha de S. Paulo,30 de janeiro de 2013.

Boaventura de Sousa Santos
A democracia ante o abismo

Se o Estado do Bem-Estar Social se desmantelar, Portugal ficará politicamente democrático, mas socialmente fascista
No contexto de crise em Portugal, o combate contra o fascismo social de que se fala neste texto exige um novo entendimento entre as forças democráticas. A situação não é a mesma que justificou as frentes antifascistas na Europa dos anos 1930, que permitiram alianças no seio de um vasto espectro político, incluindo comunistas e democratas cristãos, mas tem com esta algumas semelhanças perturbadoras.
Esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo. A esperança não se inventa, constrói-se com alternativas à situação presente, a partir de diagnósticos que habilitem os agentes sociais e políticos a ser convincentes no seu inconformismo e realistas nas alternativas que propõem.
Se o desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática, mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários, mas poderosos.
O fascismo que emerge não é político, é social e coexiste com uma democracia de baixíssima intensidade. A direita que está no poder não é homogênea, mas nela domina a facção para quem a democracia, longe de ser um valor inestimável, é um custo econômico e o fascismo social é um estado normal.
A construção de alternativas assenta em duas distinções: entre a direita da democracia-como-custo e a direita da democracia-como-valor; e entre esta última e as esquerdas (no espectro político atual, não há uma esquerda para quem a democracia seja um custo). As alternativas democráticas hão de surgir desta última distinção.
Os democratas portugueses, de esquerda e de direita, terão de ter presente tanto o que os une como o que os divide. O que os une é a ideia de que a democracia não se sustenta sem as condições que a tornem credível ante a maioria da população. Tal credibilidade assenta na representatividade efetiva de quem representa, no desempenho de quem governa, no mínimo de ética política e de equidade para que o cidadão não o seja apenas quando vota, mas, também, quando trabalha, quando adoece, quando vai à escola, quando se diverte e cultiva, quando envelhece.
Esse menor denominador comum é hoje mais importante do que nunca, mas, ao contrário do que pode parecer, as divergências que a partir dele existem são igualmente mais importantes do que nunca. São elas que vão dominar a vida política nas próximas décadas.
Primeiro, para a esquerda, a democracia representativa de raiz liberal é hoje incapaz de garantir, por si, as condições da sua sustentabilidade. O poder econômico e financeiro está de tal modo concentrado e globalizado, que o seu músculo consegue sequestrar com facilidade os representantes e os governantes (por que há dinheiro para resgatar bancos e não há dinheiro para resgatar famílias?). Daí a necessidade de complementar a democracia representativa com a democracia participativa (orçamentos participativos, conselhos de cidadãos).
Segundo, crescimento só é desenvolvimento quando for ecologicamente sustentável e quando contribuir para democratizar as relações sociais em todos os domínios da vida coletiva (na empresa, na rua, na escola, no campo, na família, no acesso ao direito). Democracia é todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada. O socialismo é a democracia sem fim.
Terceiro, só o Estado do Bem-Estar Social forte torna possível a sociedade do bem-estar forte (pais reformados com pensões cortadas deixam de poder ajudar os filhos desempregados, tal como filhos desempregados deixam de poder ajudar os pais idosos ou doentes). A filantropia e a caridade são politicamente reacionárias quando, em vez de complementar os direitos sociais, se substituem a eles.
Quarto, a diversidade cultural, sexual, racial e religiosa deve ser celebrada e não apenas tolerada.
-

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Democracia debilitada

O Globo, 28 de janeiro de 2013.

Democracia debilitada


Chico Alencar


Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são os princípios que regem a administração dos Poderes da União, reza a Constituição. Esta, por sinal, foi elaborada em momento de grandeza política, naquele processo virtuoso dos anos 80 que aproximou a cidadania mobilizada dos seus representantes congressuais.
Mais do que fazer leis - a despeito de restarem uma centena de dispositivos constitucionais a serem regulamentados - cumpre ao Parlamento zelar pelo seu cumprimento. Diplomas legais não faltam no país da cultura bacharelesca: nos âmbitos municipal, estadual e federal há nada menos que 3,7 milhões de leis! Fazê-las descer do papel para a vida real é um imperativo.
Passados quase 25 anos daquele belo momento constituinte, em que Ulysses Guimarães (1916/1992) proclamou "nojo e ódio à ditadura", as práticas do Congresso debilitam nossa democracia. Preceitos constitucionais precisam ser praticados no âmbito dos próprios Legislativos: respeitá-los seria um regaste da credibilidade parlamentar e partidária, hoje rastejante.
Patrimonialismo, fisiologismo e clientelismo tomaram o lugar do espírito público, da disputa de ideias, da fiscalização dos Executivos, dos projetos de país e da visão de mundo. A ganância particularista e o objetivo maior da mera reprodução de mandatos, em sistema fundado no poder do dinheiro, alimentam o balcão de negócios que, qual mercantilismo no templo, viceja no Parlamento. O chicote da opinião pública, hoje sob a forma de desinteresse pela política, pode vir, no futuro, com o aguilhão da rejeição total e da aspiração por novos autoritarismos.
O Congresso Nacional não mostra apreço pela legalidade democrática: costumeiramente desrespeita seu próprio Regimento, sempre em favor dos grupos dominantes. A impessoalidade anda esquecida no ambiente de tráfico de influência e personalização da política. Moralidade, que impõe a ética do interesse público sobre o ganho particular, é artigo raro: privilégios persistem, sob a enganosa defesa de serem "necessários ao exercício parlamentar". A publicidade fica tisnada por "atos secretos", dificuldades de acesso a informações e até da divulgação prévia da pauta de votações. Onde está a eficiência quando não se atualiza a tempo o Fundo de Participação dos Estados e se acumulam 3 mil vetos sem apreciação?
Os parlamentares têm dificuldade de trabalhar com o que lhes é próprio: a divergência no enfrentamento das grandes questões, como a crise do sistema produtivo e da representação. Tudo o que pode criar arestas com segmentos do "eleitorado", categoria mais manipulável do que a cidadania, é deixado de lado.
Às vésperas da nossa maior festa popular, o carnaval, Suas Excelências escolherão aqueles que dirigirão as Casas do Congresso Nacional. É de se esperar que, no desfile das candidaturas, evolua o fundamental ao Legislativo, que é o protagonismo, a independência, a austeridade e a transparência. Só esse enredo possibilitaria almejar uma "nota dez" para a atividade parlamentar, que não seria mais para lamentar...

Viés autoritário

Folha de S. Paulo, 28 de janeiro de 2013.

Aécio Neves
Ausência de limites

A redemocratização brasileira nos deixou um importante legado: a certeza de que a democracia é mais que um voto depositado nas urnas. Ela se baseia na garantia das liberdades e num rigoroso respeito às leis. Assim, não é possível fechar os olhos para o viés autoritário que ganha substância no governo petista.
A governança por medidas provisórias, a profunda subordinação do Congresso, a forma como foram promovidas as mudança de marcos regulatórios, a ausência de diálogo e as diversas tentativas de "regulamentar" a mídia são algumas das expressões dessa perigosa tendência.
Mas a fala da presidente da República e a lamentável utilização da rede nacional de rádio e TV para, entre outras coisas, desqualificar os brasileiros críticos ao seu governo é, certamente, a mais evidente delas. Não se sabe se incomodada pela pressão das articulações que gostariam de ver o ex-presidente Lula candidato ou com a simples motivação de tirar o foco dos fracassos acumulados, constatados pelo pífio resultado da economia, a presidente resolveu antecipar o debate eleitoral.
É nesta posição que ela se permitiu propagar aos brasileiros a visão maniqueísta de uma nação dividida ao meio, na qual os que amam o Brasil são otimistas e estão com o governo enquanto que os que não querem o bem do país, os "do contra", os pessimistas, estão na oposição.
Essa é uma postura que agride a diferentes gerações de democratas. É impossível não revisitar, com ironia, a gênese petista do "quanto pior melhor". Ou voltar no tempo para lembrar o nacionalismo canhestro dos governos militares que buscava confundir governo com nação, transformando a crítica em ato impatriótico e que agora ganha estranha atualidade.
O conteúdo do pronunciamento foi atípico e agressivo.
Na parte dedicada à energia, de forma desleal, o texto transformou os que apenas defenderam um outro caminho para a diminuição da conta de luz -no caso a redução de tributos federais- em adversários da ideia. Para a construção do falso raciocínio, sonegou ao país até mesmo a informação de que empresas estaduais criticadas aderiram à proposta do governo nas áreas de transmissão e distribuição.
E, por ironia, são justamente os Estados governados pelo PSDB que, sem alarde, oferecem há muitos anos as maiores isenções de ICMS na conta de luz... O pronunciamento da presidente tem vários significados. Nenhum deles é bom para a democracia, patrimônio de todos brasileiros.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Globo, 27 de janeiro de 2013.

O risco do desalento

 Míriam Leitão


O que há de desanimador no noticiário político dos últimos dias é ver o vigor do arcaico. É difícil encontrar algo mais antigo na República do que o truque de os políticos explorarem o drama das secas do Nordeste. E é tudo tão parecido: famílias que dominam a política de estados pobres e que encontram uma forma de ganhar nos contratos das obras contra as secas.
O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) apresentou emendas que beneficiaram a empresa de Aluízio de Almeida, seu assessor, com recursos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, cujo titular o deputado indicou. Ele se defendeu dizendo que nada sabia da empresa; já o funcionário se demitiu depois de 14 anos de bons serviços. Isso não sana as dúvidas em relação ao fato de uma empresa de fachada ter contratos milionários e um bode tomando conta da sede. O pobre do animal foi desalojado depois de fotografado na sede vazia da empresa.
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas foi criado em 1909. Tem, portanto, mais de um século. Nesse período, enriqueceu muitas famílias da oligarquia nordestina. O órgão foi criado para aumentar a liquidez dos ricos e não para eliminar a aridez da vida dos pobres. Uma vasta seca voltou a machucar áreas do Nordeste, provando que um século não é o bastante.
O deputado faz sua campanha à bordo do avião do amigo e parceiro Newton Cardoso (PMDB-MG). Foi a várias capitais do país reunindo-se com os governadores e bancadas, num circuito cujo verdadeiro custo jamais se saberá.
O Senado será presidido novamente pelo conhecidíssimo Renan Calheiros (PMDB-AL), aquele que saiu do cargo em 2007 no meio do escândalo de um caso de promiscuidade explícita com empreiteira que pagava suas contas íntimas. Para se defender, ele apresentou notas frias de venda de gado. A liderança do PMDB, partido do vice-presidente, será do notório Eduardo Cunha (RJ), com tantos e tão controversos casos em sua ficha.
O Congresso se divorcia cada vez mais do sentimento do país. O futuro presidente da Câmara usa como argumento de defesa os seus 11 mandatos. Foi modesto. Deveria fazer até uma conta maior: com quantos mandatos de Alves se fez a política do seu estado nas últimas décadas.
Mais do que o Congresso, a política vai se distanciando dos cidadãos. Quadros que poderiam representar uma novidade repetem os velhos erros de relativizar valores. São Paulo vive uma situação surrealista pela união entre o prefeito Fernando Haddad e Paulo Maluf. O velho e conhecido político é influente na prefeitura a ponto de indicar secretários, mas ao mesmo tempo foi condenado pela Corte de Jersey a devolver R$ 58 milhões à prefeitura. Uma dualidade dessas, de fazer parte do consórcio do poder numa prefeitura à qual terá que indenizar por desvios é surrealista. Até quando o prefeito Fernando Haddad vai fingir que não vê essa fratura exposta?
Novos casos de Renan Calheiros voltam a aparecer no noticiário. A empreiteira Uchôa, de um empresário cujo irmão é sócio do filho de Renan, tem contratos milionários com a Caixa, no programa Minha Casa, Minha Vida. Não entrega as casas, mas a vida de todo o grupo Uchôa-Calheiros fica bem melhor.
A escolha de tais políticos para o comando do Senado, Câmara e liderança de um dos grandes partidos da coligação governista produz desalento. A indignação e revolta são sentimentos fortes, que mostram disposição de luta. O desalento é a véspera da desistência. É mais perigoso. Quando o eleitor vai sendo dominado por esse sentimento há o risco de que ele considere que nada disso vale o preço que custa aos cofres públicos. Esse é o maior dos prejuízos.

Desmandos no Senado

Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 2013 (editorial)

Um protesto no Senado

Assim como a Câmara, o Senado brasileiro acumula um longo histórico de desmandos.
A rotina de clientelismo, esbanjamento de recursos e subordinação ao Executivo só é sacudida pela eclosão periódica de escândalos em que senadores, suspeitos de ilegalidade, são de hábito protegidos pelo corporativismo dos colegas.
Felizmente, sempre houve, nas sucessivas legislaturas, um punhado de bons senadores empenhados em resistir ao descalabro. Eleitos por diferentes partidos, em geral na oposição, sua luta acaba por assumir uma feição quixotesca em meio à degradação generalizada.
Foi assim que o falecido senador Jefferson Péres, inatacável representante do Amazonas, lançou-se em 2001 candidato a presidente do Senado contra o rolo compressor (sempre organizado pelo governo, então o de Fernando Henrique) que elegeu Jader Barbalho -forçado a renunciar no mesmo ano em meio a indícios de desvio de dinheiro público.
Agora, também, prepara-se a candidatura simbólica do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) ou do senador Pedro Taques (PDT-MT), parlamentares promissores da nova safra, para marcar protesto diante da provável sagração de Renan Calheiros (PMDB-AL) como presidente da Casa no próximo dia 1º de fevereiro.
Por acintoso que pareça, este senador já ocupou o cargo, do qual foi igualmente forçado a sair em 2007, quando emergiram evidências de que parte de suas despesas pessoais era paga pelo lobista de uma construtora que mantinha negócios com o governo.
Não se trata de apoiar esta ou aquela candidatura -não para a Folha, que se define como jornal apartidário e procura adotar um ângulo crítico ao focalizar o conjunto dos agentes políticos. Mas uma candidatura de protesto, ainda que quimérica, ressalta a necessidade de reformar as práticas parlamentares.
É preciso reduzir gastos e abreviar os recessos (quase dois meses por ano; na prática, o Congresso só funciona de terça a quinta). É preciso melhorar a qualidade das sabatinas de autoridades a ser nomeadas, restringir os casos de sigilo de voto e liquidar o 14º e 15º salários para congressistas. É preciso mudar a regra que permite ao suplente comprar uma vaga.
A pauta é extensa. Implementá-la depende menos da boa vontade dos senadores, porém, do que da pressão organizada da sociedade.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 2013.

André Singer
Os donos do poder

"O problema do político era o poder, só o poder, (...) sem programas para atrapalhar ou ideologias desorientadoras. O agente ideal para esta ação será o realista frio, astuto mais que culto, ondulante nos termos, sagaz na apreciação dos homens, aliciador de lealdades e pontual na entrega de favores." As palavras de Raymundo Faoro no livro cujo título encima esta coluna descrevem o que chamou de "patronato político brasileiro".
A provável ascensão de Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente, atesta a plasticidade desse estamento, o qual, volvido meio século da publicação do clássico estudo, foi capaz de sempre adaptar-se à modernização (precária) do Brasil sem perder a essência, a saber, o controle do poder de base local.
O PMDB é, hoje, a principal sigla do patronato por ser a mais velha em funcionamento. Dispõe de capilaridade inigualável. Elegeu o maior número de prefeitos em outubro passado (1.027), 750 dos quais em municípios com até 15 mil eleitores. Os espalhados diretórios peemedebistas não são só fruto da expansão que o partido sofreu a partir de 1974. Antes da abertura, parcela da estrutura montada por antigas agremiações já o engrossava.
Tome-se o caso exemplar de Aluísio Alves, patriarca do clã que deverá ocupar agora o segundo posto na linha sucessória da Presidência da República. Eleito constituinte pelo Rio Grande do Norte em 1945, Alves ficou na UDN até que desavenças regionais o levaram ao arquirrival PSD para ganhar a eleição de governador em 1960. Integrava, portanto, a base aliada a Jango, mas, consumado o golpe de 1964, apoiou os militares, indo para a Arena.
Outra vez por conflitos estaduais, foi cassado em 1969, "sob alegação de corrupção", segundo o CPDOC. Transferiu a sua influência para o MDB, por meio do qual fez do filho, Henrique, membro do legislativo federal em 1970, o que se repete desde então.
Se, além disso, considerarmos que o PSD e a UDN foram formados de estruturas coronelistas que remontam ao império, a história do peemedebismo se perde na noite dos tempos, da qual emerge para assombrar uma sociedade que teima em esquecer de onde veio.
Dois fatores garantem a sobrevivência dos mecanismos arcaicos de patronagem. O primeiro é a persistência da pobreza. A penúria material da população gera o solo de dependência sobre o qual florescem diferentes modalidades de mandonismo. O segundo é a cultura que educa os quadros do estamento. Como os descreveu Faoro, um misto de realismo e sagacidade lhes permite prever em que direção soprará o vento. Depois, é só corrigir a posição das velas.

jeitinho federativo

Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 2013.

Jeitinho federativo
Decisão liminar do STF garante repasses do Fundo de Participação dos Estados; Congresso ainda precisa fazer um debate sério sobre o tema
Presidente interino do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski pôs fim, ao menos por hora, nas dúvidas que vinham cercando a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) neste ano.
O impasse não era pequeno. As regras de partilha do FPE, fixadas em 1989, deveriam ter sido atualizadas em 1992, com base no Censo do ano anterior. Como a mudança nunca ocorreu, o STF, no começo de 2010, considerou inconstitucionais os critérios vigentes e determinou que o Congresso elaborasse nova lei até o final de 2012.
Expirado o prazo, um Legislativo omisso e um Executivo inerte foram incapazes de dar conta da tarefa. Criou-se, assim, um limbo jurídico no qual diversos Estados brasileiros não sabiam se poderiam contar, já a partir de janeiro, com sua principal fonte de receitas.
Mesmo para os padrões políticos do Brasil, a negligência surpreende. É notável, assim, que Lewandowski, na decisão liminar, tenha afirmado que o Congresso "está envidando os esforços possíveis para solucionar o tema em questão".
Com uma interpretação no mínimo benevolente acerca do trabalho parlamentar nos últimos 35 meses, o ministro concedeu aos deputados e senadores mais 150 dias para que façam o que já deveriam ter feito. Até lá -ou até que o plenário do Supremo reveja a decisão-, os repasses estarão garantidos.
Dadas as circunstâncias, compreende-se que tanto membros da oposição como da base aliada tenham festejado como "sensata" a sentença de Lewandowski. Graças ao ministro, criou-se uma base jurídica "ad hoc" para evitar o que seria um desastre.
A suspensão do FPE traria prejuízos incalculáveis para o país. Basta dizer que, na Bahia -apenas o 15º Estado que mais depende do fundo-, os repasses representam um quarto da receita bruta local. No Amapá, a participação sobe para quase 70%.
A boia de salvação jogada por Lewandowski na última hora, porém, não resolve o problema. Os parlamentares ainda precisam se entender sobre os critérios de repartição do FPE, até hoje alicerçados em dados demográficos e socioeconômicos da década de 1980.
Talvez seja pedir demais, mas o ideal seria que o Congresso aproveitasse a oportunidade para discutir com seriedade, e aperfeiçoar, o arranjo federativo brasileiro.
O mais provável, no entanto, é que o tema não receba a atenção que merece. Os parlamentares inclinam-se para, mais uma vez, apostar em uma solução baseada em nada mais que o bom e velho jeitinho brasileiro.



Aumento significativo de homicídios em São Paulo

Em 2012, capital paulista teve 1.497 mortes em casos homicídios dolosos.
Dados foram divulgados nesta sexta (25) pela Secretaria da Segurança.

Márcio Pinho Do G1 São Paulo
136 comentários
Dados da violência em 2012 (Foto: Arte/G1)
A capital paulista registrou em 2012 aumento de 40% no total de vítimas de homicídios em relação a 2011, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (25) pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. No ano passado houve 1.497 vítimas, enquanto em 2011 foram registradas 1.069.
O total de mortos em casos de latrocínio (roubo seguido de morte) também cresceu em 2012 na capital paulista. Foram 101 vítimas. Em todo o ano de 2011 foram 94 pessoas mortas nesse tipo de crime. O aumento no período foi de 7,4%.
O aumento do total de assassintos em São Paulo é reflexo da onda de violência ocorrida especialmente a partir de outubro na Grande São Paulo. Apenas naquele mês, o número de vítimas de homicídios cresceu 114% em relação ao mesmo mês em 2011. O salto foi de 82 mortes para 176.
Crimes relacionados a veículos também ocorreram em maior número. Foram 44.021 roubos de veículos em 2012 na capital, aumento de 8,64%.
Grande São Paulo
Nas estatísticas da Grande São Paulo os dados também indicam crescimento de número de vítimas de homicídios. Foram 2.796 homicídios em 2012 na região metropolitana, 26,5% mais do que os 2.210 registrados em 2011. Houve também mais latrocínios - 191 em 2012, 13% mais que os 169 de 2011.
Cidades paulistas
Também houve aumento nos indicadores relativos ao estado. Se forem considerados os números de vítimas de homicídio em todas as cidades paulistas, o aumento nos últimos 12 meses foi de 18,2%. Em 2011, 4.403 pessoas foram mortas, enquanto em 2012 o total de vítimas de homicídio foi 5.206.
Nas cidades paulistas, o total de mortos em caso de latrocínio registrou alta de 6%. Foram 329 pessoas mortas em roubos seguidos de morte em 2011, enquanto no ano passado foram 349 vítimas.
Os casos de estupro no estado aumentaram 23,9%. Em 2011, foram 10.399 casos. No ano passado, foram 12.886. No caso desse indicador, é preciso considerar que houve mudança na lei, que passou a considerar casos de abuso como estupro.
Queda de sequestros
Por outro lado, o número de sequestros diminuiu no Estado. Durante o ano, houve um total de 43 ocorrências contra 71 em 2011 - a redução foi de 28 casos ou de 39,44%.
Trata-se da menor incidência de sequestros desde 2001, quando 307 casos foram registrados.

--
Postado por José Maria Nóbrega no Segurança Pública, Democracia e Cidadania em 1/26/2013 12:09:00 AM

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Parlamento como correia de transmissão do Executivo

Folha de S. Paulo, 24 de janeiro de 2013.

Randolfe Rodrigues
Navegar é preciso

Diante de um falso consenso, inspiro-me em Ulysses Guimarães para apresentar ideias que restaurem a credibilidade do Senado 

Recente pesquisa mostrou que a maioria do povo brasileiro não acredita nos partidos políticos. Esse fenômeno é provocado pelos sucessivos escândalos de corrupção e pela falta de resolução dos principais problemas da população. E a postura do Parlamento reforça essa percepção negativa.
No dia 1° de fevereiro, o Senado Federal elegerá mais um presidente, que será também o presidente do Congresso Nacional; ou seja, o escolhido será um dos pilares da democracia representativa brasileira.
Dias atrás, em consenso com outros senadores, apresentei um conjunto de ideias para restaurar a credibilidade do Senado. Dentre as sugestões, destaco a necessidade do resgate ético e da garantia de sua independência frente aos demais Poderes da República.
Em uma democracia, o Parlamento tem três funções: representar, legislar e fiscalizar. Deixamos muito a desejar no cumprimento dessas atribuições. A conduta do representante tem sido distante da vontade do representado; nos omitimos em legislar por uma agenda nacional, agindo como correia de transmissão do Executivo e nos omitimos na função fiscalizadora.
Nossa Constituição Federal prevê a igualdade entre os Três Poderes. Mas os últimos anos mostram que o Parlamento tem sido um Poder subalterno.
Em primeiro lugar, por causa do rolo compressor das medidas provisórias. O Executivo usa esse instrumento sem critério, forçando o Congresso a aprová-las sem debate e em prazos vergonhosamente curtos.
Depois, em função da "judicialização" da política, com a clara intervenção da Justiça, que impõe legislações e contesta decisões tomadas no Parlamento, muitas vezes respondendo a iniciativas dos próprios parlamentares descontentes com o resultado das votações.
Mas a principal causa da perda de credibilidade do Senado é a nossa ineficiência. Nos últimos anos, a Casa acumulou posicionamentos que desgastaram sua imagem perante o povo brasileiro, especialmente pela falta de transparência, pela não punição exemplar de desvios éticos e pela perda da capacidade de agir com independência.
Alguns exemplos: depois de três anos de prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal, não conseguimos definir o funcionamento do Fundo de Participação dos Estados (FPE), jogando as finanças de alguns Estados em um abismo.
Na mesma época, passamos pelo ridículo pela forma vergonhosa como terminamos a CPI do Cachoeira, com um relatório pífio e nenhum indiciamento, passando a ideia de que preferimos jogar para debaixo do tapete os escândalos que maculam a imagem do Parlamento.
Inspirado em Ulysses Guimarães, que, em 1973, lançou sua "anticandidatura" à Presidência contra Geisel, fazendo avançar o processo de redemocratização, eu decidi apresentar meu nome para a disputa no Senado. Fiz isso porque estava se consolidando um falso consenso e também porque não compactuo com uma casa de representantes com hábitos tão distantes do sentimento de seus representados.
Minha candidatura pretende resgatar a esperança dos cidadãos de que o Senado Federal fiscalize o Executivo, aprove leis em favor das maiorias, respeite o pacto federativo, especialmente garantindo tratamento diferenciado para as regiões mais pobres do país.
Há 39 anos, ao lançar sua "anticandidatura", Ulysses disse o seguinte: "Nossos opositores, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment. Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar".
Assim como Ulysses, recordo o brado de Fernando Pessoa, tão atual para o momento de hoje: "Navegar é preciso. Viver não é preciso".
-

Fraude institucional

Folha de S. Paulo, 24 de janeiro de 2013.

Eliane Cantanhêde
Fraude institucional

BRASÍLIA - A abertura do ano legislativo, no início de fevereiro, vai ser num ambiente de enorme constrangimento. Não bastasse a vitória iminente de Renan Calheiros para a presidência do Senado e de Henrique Eduardo Alves para a da Câmara, há uma pauta monumental em atraso, nem o Orçamento de 2013 foi aprovado ainda e as relações com o Judiciário vão de mal a pior.
Não combina com democracias um Poder fazer ouvidos de mercador em relação a outro. Mas é o que o Congresso faz duplamente com o Supremo Tribunal Federal: ao abrigar quatro deputados condenados pelo mensalão e ao não votar um modelo de distribuição para o FPE (Fundo de Participação dos Estados) no tempo determinado pela corte.
O FPE é um "case" de como ninguém leva a lei a sério, a começar dos próprios legisladores. Se a lei não encaixa nos interesses de Poderes e de poderosos, dane-se a lei.
Ao ser criado em 1989, o fundo destinou 85% de repasses para o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, prevendo a revisão do critério três anos depois. A revisão nunca foi feita, o modelo original foi ficando e está aí até hoje -apesar de ilegal.
Descoberta essa, digamos, fraude institucional, o Supremo oficiou o Congresso em fevereiro de 2010 para corrigir o vácuo de 20 anos e definir o novo modelo até dezembro de 2012. Mais uma vez, nada foi feito e o FPE continua ilegal. O que fazer?
Como o fundo representa até 60% da receita de alguns Estados menores, deu-se o famoso jeitinho brasileiro. O TCU sacou uma saída e o governo a agarrou correndo: mantenha-se o formato em uso, por enquanto...
Agora, vários Estados reclamam uma solução, e o presidente interino do Supremo, Ricardo Lewandowski, cobra novamente o Congresso, mas o presidente do Senado, José Sarney, reage contra a intervenção entre Poderes. O tema é "muito complexo", alega. E, assim, a fraude se perpetua no país do faz de conta.

Brasão da PM

Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 2013.

Comissão da Verdade de SP quer rever brasão da PM
Uma das 18 estrelas do símbolo da corporação celebra golpe de 1964
Referência ao episódio que instaurou a ditadura militar no país foi criada durante o governo de Paulo Maluf, em 1981
DE SÃO PAULO
 
A Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo vai propor a revisão do brasão de armas da Polícia Militar paulista. Desde 1981, o símbolo presta homenagem ao golpe de Estado de 1964, que implantou a ditadura militar no país.
O brasão contém 18 estrelas que, segundo o site da PM, representam "marcos históricos da corporação". De acordo com a página, a 18ª estrela é uma referência à "Revolução de Março". O termo "revolução" é usado por militares que negam que houve uma ditadura no país de 1964 a 1985.
Em janeiro de 2012, a Folha noticiou que os sites da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e da PM tratavam o golpe como "Revolução de Março". A pasta retirou a expressão no mesmo dia; a PM a manteve.
"A Comissão da Verdade pretende sugerir a revisão e análise do significado dessas estrelas", disse o deputado Adriano Diogo (PT), presidente do colegiado paulista.
Segundo ele, os caminhos formais para sugerir uma revisão no símbolo ainda serão discutidos com os integrantes da comissão.
Criado em 1958 pelo então governador Jânio Quadros, o brasão de armas da PM foi alterado em 1981, na gestão de Paulo Maluf, que acrescentou a 17ª e a 18ª estrelas.
Além do golpe de 1964, estão representadas no brasão outras ações repressivas realizadas pelas Forças Armadas em episódios controversos, como a Guerra do Paraguai (1864 a 1870), que devastou o país vizinho, e a revolta de Canudos (1897) no sertão baiano, que dizimou todos os participantes do movimento.
Há ainda estrelas em homenagem às repressões à Revolta da Chibata (1910) e ao levante dos 18 do Forte de Copacabana (1922).
Procurada, a assessoria de comunicação da Polícia Militar informou que não comentaria o assunto por se tratar de um tema "de natureza política".

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Defeitos da lei mutante

Folha de S. Paulo, 19 de janeiro de 2013.

Walter Ceneviva
Defeitos da lei mutante
Mesmo o leitor sem contato com a interpretação da lei saberá que nosso país precisa consolidar seu sistema legal 

O ministro Sérgio Luiz Kukina, recentemente nomeado pela presidente Dilma Rousseff para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem sua posse marcada para 6 de fevereiro. Em entrevista, o ministro chamou atenção para deficiências de leis fundamentais no campo dos Direitos Penal, Processual Penal, Civil e Comercial. Sua avaliação chegou em momento oportuno, pois o assunto já se tornou inadiável.
Mesmo o leitor sem contato permanente com a interpretação da lei e sua aplicação saberá que nosso país precisa consolidar seu complicado sistema legal. Há instabilidade no ordenamento, com as numerosas mudanças nele introduzidas. As dificuldades em sua aplicação firme são grandes. Maiores ainda no que se refere à Constituição, a lei das leis. Quando modificada - em grande ou pequena extensão - influencia todo o sistema jurídico vigente. Exige do intérprete o cotejo com as repercussões da alteração da Carta Magna. Por isso mesmo, na composição jurídica da lei escrita, a regra constitucional deveria ter estabilidade, mas não tem.
É relativamente comum o processo chegar à etapa final de seu julgamento - tanto na área cível quanto na penal - depois de muitos anos decorridos desde seu começo até o encerramento. O tempo passado inclui até decênios, em particular quando o autor da ação é credor do poder público. A demora, nesse espaço restrito, não se deve apenas a muitas regalias que o processo brasileiro concede ao poder público, em face do contribuinte e da cidadania comuns. Quando a administração nacional, estadual ou municipal é devedora, o andamento do processo é um. Quando credora é outro. Mais rápido.
Esse aspecto injusto do tratamento processual se apresenta em normas processuais. O Código de Processo Civil brasileiro, cujo texto foi publicado em 11 de janeiro de 1973, vigorou a partir do ano seguinte, mas sofreu, em outubro do mesmo ano, dezenas de alterações. Durante 1974 várias outras leis foram adaptadas à codificação processual. Daí até o presente há umas 60 leis novas. A contagem é mesmo confusa, ante muitas mudanças feitas mais de uma vez, na mesma lei, ora de artigos isolados, ora de dezenas de novas normas vigentes, ora em parte do enunciado básico ou de seus parágrafos, daqueles que quebram até a coerência interna.
Essa confusa espécie legal também é encontrável nos alteradíssimos Códigos Penal e Processual Penal, editados em 1940 e vigorantes a partir de 1942. O primeiro caminha para 250 alterações, desde a origem. O segundo, em um só exemplo básico, sofreu mais de 40 mudanças entre 2000 e 2009. Pense o leitor que certos feitos judiciários demoram muitos anos para serem julgados. As discussões sobre a lei, com alterações do texto legal, aplicáveis ao caso concreto, vão ao infinito. Pode convir ao réu, sobretudo quanto responde solto ao processo criminal. Convém ao poder público, nas duas alternativas, ante a interferência do Executivo na elaboração legislativa.
Não tomarei mais tempo do leitor com novos exemplos. O panorama é confuso, presente tanto na lei do direito material quanto no direito processual. A confusão das normas e a instabilidade dos julgamentos só aumentam a desconfiança do povo. Que venha a revisão integral.

Mensalão e instituições

Folha de S. Paulo, 21 de janeiro de 2013.

Fábio Wanderley Reis
Mensalão, instituições e dor nas costas

Estudo mostra que até a fome afeta decisão de juízes. Que dirá, então, fatores como a atenção da imprensa e da TV e a notoriedade dos réus...
Em livro de 2011, o psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, revê os estudos sobre a tomada de decisões, que originaram a "economia comportamental". Destaco duas pesquisas sobre juízes.
Na primeira, observam-se juízes israelenses a deliberar sobre pedidos de liberdade condicional -e suas decisões vão de 65% a favor após as refeições, com a barriga cheia, até perto de zero ao aproximar-se a refeição seguinte.
Na segunda, experimentados juízes alemães, diante de artifício que os leva a ver lançamentos de dados viciados que resultam em 3 ou 9, optam, num caso de pequenos furtos, por penas cerca de 40% maiores quando o resultado é 9 do que quando é 3.
Kahneman liga observações como essas a um modelo da mente que a divide em dois sistemas, o Sistema 1, de intuições, impressões e operações automáticas e sem controle voluntário, e o Sistema 2, de atividades mentais que envolvem esforço, concentração e lógica. E mostra elaboradamente como a dinâmica do indispensável Sistema 1 contamina e "ancora", pela ação de fatores diversos, as atividades do Sistema 2.
Se um mero rolar de dados pode influir sobre juízes doutos e experientes, como apreciar o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com sua complexidade e os muitos fatores recônditos em jogo?
O ineditismo do evento, com a Corte constitucional a brigar sobre um processo penal em que os numerosos réus são figuras notórias; a atenção da imprensa, a TV e a pressão da chamada "opinião pública"; as ramificações político-partidárias e a conexão com questões de psicologia coletiva e com prenoções ou preconceitos vários; ou, quem sabe, a dor nas costas do ministro relator...
De especial interesse é o destaque dado à operação, no processo de avaliação e decisão, de mecanismos de clara relevância para a agora famosa teoria do domínio do fato, a grande questão doutrinária do julgamento. Kahneman salienta as distorções nascidas da tendência geral a tomar como base qualquer relato "coerente".
"O que você vê é tudo o que existe": O que conta para o decisor sujeito a "âncoras" espúrias é o conteúdo da "história" que a informação disponível permite e não a quantidade ou a confiabilidade da informação. Que dizer dos ministros a insistirem, contra o apego a provas cabais, em entidades como o "conjunto probatório", a "lógica da vida" ou a "experiência de vida"...
Cientistas políticos têm advertido contra a "teoria política" do STF, e eu mesmo já escrevi sobre a adesão do nosso Judiciário a um modelo convencional e analiticamente tosco de "política ideológica", que tem produzido decisões inconsistentes ou até absurdas do Tribunal Superior Eleitoral e do STF sobre a organização e as relações dos partidos.
A leitura de Kahneman respalda com força a ideia de que, em vez de se encerrarem num jurisdicismo às vezes ingênuo, nossos juristas fariam melhor abrindo-se às ciências humanas e sociais e trazendo conveniente pitada de realismo ao fatal normativismo do ofício.
Assim, se há corrupção e crimes a punir, as instituições se fazem sempre com material humano, em que o Sistema 1 cria vieses. E há Sistemas 1 variados, incluídos aqueles, sociologicamente condicionados, que ajudam a conformar o viés social de nossa Justiça, cuja presença latente no julgamento de há pouco é plausivelmente sugerida por fáceis experimentos mentais sobre o julgamento de outras lideranças, outros governos, outros partidos.
No melhor dos casos, talvez o STF colérico de Joaquim Barbosa não só tenha algo a ver com o "perfil sociológico" do próprio ministro, mas acabe também por justificar apostas quanto à novidade duradoura do perfil geral de futuros condenados. Veremos.
-

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Exército autoriza uso de armas para policiais



O  Globo 15 de janeiro de 2013.

Exército autoriza a policiais uso pessoal de armas mais potentes

BRASÍLIA

O Comando do Exército autorizou policiais civis, militares, rodoviários e bombeiros a comprar pistolas .45 para uso pessoal. A compra e porte desse tipo de arma, de forte impacto, era restrita até então a policiais federais. O Exército diz que liberou o uso das armas a pedido de órgãos estaduais de segurança pública, mas não informou quais seriam essas instituições.

Lígia Rechenberg, coordenadora da ONG Sou da Paz, classificou de absurda a decisão. Em geral, policiais civis e militares portam revólveres 38 ou pistolas .40:
Vão dar armas para policiais que eles não sabem manusear. Isso vai colocar em risco a segurança do policial e da população. Essa é uma demanda da indústria de armas.
A presidente Dilma Rousseff fez ontem um balanço da campanha do desarmamento, que há oito anos recolhe armas da população em troca de indenização em dinheiro. No ano passado foram entregues 27.329 armas. São Paulo foi o estado que mais entregou armas, com 7.877 devoluções. Proporcionalmente à população, a Bahia liderou as devoluções, com 4.748 armas entregues, 106% a mais do que em 2011. O Rio de Janeiro ficou em quarto lugar em volume de armas rendidas (2.253), redução de 43,4% em relação a 2011.