quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Insegurança jurídica

http://www.conjur.com.br/2015-jan-28/advogados-brasil-vive-inseguranca-juridica-nunca-antes-vista

Entendimentos mutantes

Para advogados, Brasil vive insegurança jurídica nunca antes vista



“O empresário que vai fazer um investimento quer saber os riscos que ele vai enfrentar. O problema é que agora estamos vivendo um regime de instabilidade e insegurança jurídicos nunca antes visto, em todas as áreas”, afirma Marcelo Gômara, sócio na área trabalhista do Tozzini Freire Advogados.
De acordo com o advogado (foto), a instabilidade jurídica ficou ainda maior nos últimos anos porque “os tribunais estão praticando uma política social, que é cria da política social do governo". O resultado disso, resume ele: "mudanças brutais de entendimento sem aviso prévio. A jurisprudência muda do dia para a noite".
Gômara debateu o assunto nesta terça-feira (27/1), na apresentação do estudo 2015 Outlook for Legal Issues in Brazil, que fez um levantamento das tendências do mercado jurídico no país para este ano.
Para os sócios e chefes de departamento do escritório, os advogados precisam se adaptar ao momento de incertezas e transição pela qual o país vem passando, de forma a dar um respaldo melhor aos seus clientes, mas ainda veem com pessimismo a forma como o momento político influencia o sistema legal no país.
"A prática mudou em muitas áreas — criminal, compliance, falências... Os pequenos escritórios especializados acabaram perdendo um pouco a importância, porque os escritórios maiores, que atendem diversas áreas, acabam pegando os casos com problemas mais complexos", afirma Alexei Bonamin, sócio na área de mercado de capitais do TozziniFreire.
Os profissionais concordam ainda há entraves culturais e práticas de Ddireito mais conservadoras que têm atrapalhado a solução de conflitos. “Tempos atrás, fazer uma delação premiada, por exemplo, era mais complicado, porque o advogado não  ia falar para o cliente admitir o crime. Não existe essa cultura do dedo-duro no Brasil e o advogado também não queria perder o seu cliente. Hoje, pela influência de como a delação premiada se desenvolveu nos Estados Unidos e ajudou o sistema Judiciário deles e com os recentes e grandes casos no Brasil, essa mentalidade já mudou”, exemplifica Marcelo Calliari, sócio na área Direito Concorrencial do escritório.
Com tantas mudanças, o melhor jeito de preparar é um conceito já conhecido: “É necessário se reinventar. A prática de trabalho já mudou. É preciso acompanhar as mudanças de paradigmas”, completou Bonamin (foto).
O estudo divulgado foi feito por meio de uma parceria do escritório com a LatinFinance e a consultoria europeia Management & Excellence (M&E), sendo elaborada com base em entrevistas a 80 executivos de empresas de 13 setores — como petróleo e gás, logística e indústria eletrônica —, que foram questionados sobre perspectivas para o ambiente de negócios no Brasil no que diz respeito a legislação trabalhista, tributos e impostos, direito ambiental, antitruste, fusões e aquisições, compliance, propriedade intelectual e transferência de tecnologia.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O palco está pronto

Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 2015.

Marta Suplicy
TENDÊNCIAS/DEBATES

O diretor sumiu

Se houvesse transparência na condução da economia no governo Dilma, ela não teria aprofundado os erros que nos trouxeram a esta situação
Tenho pensado muito sobre a delicadeza e a importância da transparência nos dias de hoje. Temos vivido crises de todos os tipos: crise econômica, política, moral, ética, hídrica, energética e institucional. Todas elas foram gestadas pela ausência de transparência, de confiança e de credibilidade.
Se tivesse havido transparência na condução da economia no governo Dilma, dificilmente a presidente teria aprofundado os erros que nos trouxeram a esta situação de descalabro. Não estaríamos agora tendo de viver o aumento desmedido das tarifas, a volta do desemprego, a diminuição de direitos trabalhistas, a inflação, o aumento consecutivo dos juros, a falta de investimentos e o aumento de impostos, fazendo a vaca engasgar de tanto tossir.
Assim que a presidenta foi eleita, seu discurso de posse acompanhou o otimismo e reiterou os compromissos da campanha eleitoral: "Nem que a vaca tussa!".
Havia uma grande expectativa a respeito do perfil da equipe econômica que a presidenta Dilma Rousseff escolheria. Sem nenhuma explicação, nomeia-se um ministro da Fazenda que agradaria ao mercado e à oposição. O simpatizante do PT não entende o porquê. Se tudo ia bem, era necessário alguém para implementar ajustes e medidas tão duras e negadas na campanha? Nenhuma explicação.
Imagina-se que a presidenta apoie o ministro da Fazenda e os demais integrantes da equipe econômica. É óbvio que ela sabe o tamanho das maldades que estão sendo implementadas para consertar a situação que, na realidade, não é nada rósea como foi apresentada na eleição. Mas não se tem certeza. Ela logo desautoriza a primeira fala de um membro da equipe. Depois silencia. A situação persiste sem clareza sobre o que pensa a presidenta.
Iniciam-se medidas de um processo doloroso de recuperação de um Brasil em crise. Até onde ela se propõe a ir? Até onde vai o apoio à equipe econômica?
Para desestabilizar mais um pouco a situação, a Fundação Perseu Abramo, do PT, critica as medidas anunciadas, o partido não apoia as decisões do governo e alguns deputados petistas vociferam contra elas. Parte da oposição, por receio de se identificar com a dureza das medidas, perde o rumo criticando o que antes preconizou.
O PT vive situação complexa, pois embarcou no circo de malabarismos econômicos, prometeu, durante a campanha, um futuro sem agruras, omitiu-se na apresentação de um projeto de nação para o país, mas agora está atarantado sob sérias denúncias de corrupção.
Nada foi explicado ao povo brasileiro, que já sente e sofre as consequências e acompanha atônito um estado de total ausência de transparência, absoluta incoerência entre a fala e o fazer, o que leva à falta de credibilidade e confiança.
É o que o mercado tem vivido e, por isso, não investe. O empresariado percebe a situação e começa a desempregar. O povo, que não é bobo, desconfia e gasta menos para ver se entende para onde vai o Brasil e seu futuro.
Acrescentem-se a esse quadro a falta de energia e de água, o trânsito congestionado, os ônibus e metrôs entupidos, as ameaças de desemprego na família, a queda do poder aquisitivo, a violência crescente, o acesso à saúde longe de vista e as obrigações financeiras de começo de ano e o palco está pronto.
A peça se desenrola com enredo atrapalhado e incompreensível. O diretor sumiu.
MARTA SUPLICY é senadora pelo PT-SP. Foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008) e ministra da Cultura (2012-2014)

A democracia funciona?

Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 2015.

Hélio Schwartsman

Não viu quem não quis

SÃO PAULO - É claro que foi um estelionato eleitoral. No caso dos paulistas, a fraude foi dupla, já que tanto Dilma como Alckmin nem sequer esperaram a abertura dos trabalhos legislativos para começar a fazer o que prometeram que não ocorreria.
É fácil, porém, imprecar contra políticos. Um fato menos destacado é que todos os indícios de que os então candidatos mentiam ou pelo menos edulcoravam perigosamente a realidade já estavam colocados durante a campanha e foram destacados pela mídia. Não os viu quem não quis.
Não, não estou reclamando do conteúdo do estelionato. É ruim que Dilma e Alckmin tenham ludibriado pessoas (ainda que com sua adesão voluntária), mas seria muito pior se a presidente insistisse na "nova matriz econômica" e se o governador continuasse a bater na tecla de que o abastecimento de água está garantido. Isso nos leva ao tema central da coluna: a democracia funciona? Um sistema que incentiva dirigentes a enganar a população não é um tiro no pé?
Em certa medida, sim, mas há dois pontos a considerar. O primeiro e mais importante é que a democracia, com todas as suas falhas, ainda é o melhor sistema de governo de que dispomos. O segundo é que a democracia lida melhor com alguns tipos de problema que com outros.
Eleições e a busca de consensos funcionam bem para eliminar erros que tenham distribuição gaussiana pela população, mas fracassam quando o viés é sistemático. Isso significa que o sistema é relativamente eficaz para combater chagas como o radicalismo, no qual as posições extremas de sinal invertido acabam se anulando, mas não para lidar com as ilusões cognitivas que afetam à maioria. E, infelizmente, o grosso dos eleitores leva a sério a palavra de autoridades e é vulnerável à promessa de um futuro róseo. O consolo aqui é que o eleitor acaba aprendendo, se não a lidar com seus vieses, ao menos a punir na urna aqueles que percebe como não confiáveis.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

65%

Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 2015.

Bernardo Mello Franco

República das medalhas

BRASÍLIA - Uma deputada estadual gaúcha aproveitou os últimos dias de mandato para distribuir medalhas a dez parentes. A notícia, divulgada no fim de semana, joga luz sobre uma velha prática das nossas casas legislativas: a concessão desenfreada de comendas, moções, títulos honorários e outros rapapés.
O hábito é tão disseminado que algumas Assembleias Legislativas chegaram a criar cotas de honrarias. No Rio de Janeiro, cada um dos 70 parlamentares tem direito a 24 moções anuais de "regozijo, congratulações, louvor, repúdio ou pesar". Até dezembro, a soma pode chegar a 1.680.
O cálculo não inclui condecorações mais nobres, como os títulos de cidadão fluminense e a Medalha Tiradentes, que já foi conferida a figuras como a apresentadora Mara Maravilha e o pagodeiro Waguinho.
Em geral, a escolha dos homenageados não requer muita explicação. Prevalece a regra de que o mandatário pode condecorar quem quiser. "Devo tudo aos eleitores, mas também à família. Agradecer é um ato de justiça", disse Marisa Formolo (PT), a deputada gaúcha que agraciou o marido, seis irmãos e três filhos.
Além de gerar gastos desnecessários, a farra das medalhas contribui para aumentar o fosso entre os cidadãos e quem deveria representá-los.
Há três anos, a ONG Transparência Brasil mostrou que 65% das propostas votadas nas Assembleias eram irrelevantes, ou seja, não tinham qualquer importância para a vida dos eleitores. Em vez de desempenhar suas funções, a maioria dos deputados preferia gastar o tempo mudando nomes de logradouros, marcando sessões solenes e, é claro, distribuindo condecorações.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Que Congresso é este?

Folha de S. Paulo, 23 de janeiro de 2015.

Disputa deprimente

Rivalidade entre candidatos à presidência da Câmara dos Deputados se traduz em negociações fisiológicas e lances aloprados
Depois de um período de marcado favoritismo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), torna-se acirrada a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
As chances do candidato preferido do governo federal, Arlindo Chinaglia (PT-SP), teriam crescido nos últimos tempos, com Júlio Delgado (PSB-MG) tentando impor-se como fiel da balança num eventual segundo turno.
Intensificando-se a rivalidade, aumenta proporcionalmente o potencial do noticiário para constranger, deprimir e rebaixar o espírito de quem o acompanhe.
Viagens de jatinho, em ritmo capaz de competir com o das eleições à Presidência da República, ocupam a agenda de postulantes que competem por pouco mais de 500 votos --os de seus pares na Casa.
Promessas vulgares, típicas do varejo político, entram na pauta de Cunha. O peemedebista acena, para seus colegas, com a equiparação definitiva do salário dos congressistas ao teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 33,7 mil.
Quem dá mais? Chinaglia pretende reajustar o caixa do gabinete de cada deputado, que consome R$ 78 mil por mês. Parece-lhe insuficiente, ademais, a verba indenizatória destinada ao pagamento de despesas como consultorias e passagens, que já chega a R$ 41 mil mensais em alguns casos.
Não se pense, porém, que migalhas desse tipo possam ser decisivas para mudar o voto de qualquer um. Oito partidos nanicos, totalizando 40 deputados, recebe ofertas mais substanciais do Planalto. Cargos no governo federal e em gestões petistas nos Estados e municípios se disponibilizam a esse grupo em troca do apoio a Chinaglia.
Mais absurdo é o episódio de suposta gravação contendo indícios de que Cunha estaria envolvido em irregularidades apuradas na Operação Lava Jato. Ainda que suspeitas desse tipo pairem sobre o nome do peemedebista, nada de concreto se revelou até agora.
O próprio Cunha dá ciência, então, de um áudio com que se pretenderia incriminá-lo. Notam-se vários sinais de inautenticidade. De onde teria vindo a impostura?
O peemedebista sugere que a manobra partiu de "aloprados" da Polícia Federal. Um deputado petista lança a hipótese contrária. Cunha estaria tentando vacinar-se contra outras denúncias.
O esclarecimento de todo o caso, calcula-se, virá apenas depois da eleição na Câmara. Enquanto isso, deputados e governo, engajados nessa disputa mesquinha, apequenam a Casa legislativa que, por definição constitucional, abriga os representantes do povo.
Do povo? Não; os congressistas, salvo honrosas e cada vez mais raras exceções, são representantes apenas dos próprios interesses, e o governo só amplia tal distorção.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O avesso

Folha de S. Paulo, 21 de janeiro de 2015.

O avesso da república

O recorde dificilmente será tirado de Suely Campos (PP), governadora de Roraima. Eleita no ano passado, ela nomeou 19 parentes para postos de destaque no Estado, segundo o Ministério Público.
Campos, como infelizmente seria de imaginar, não foi a única personagem da política brasileira a insistir nessa lamentável confusão entre o público e o privado.
O leitor desta Folha tem percebido que sobram notícias de governadores e prefeitos que tratam o Executivo como se fosse uma empresa particular, com a qual podem fazer favores a familiares e amigos.
No Rio de Janeiro, por exemplo, talvez se sentindo em dívida com Sérgio Cabral (PMDB), seu padrinho político e antecessor no cargo, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) entregou a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude aos cuidados de Marco Antônio Cabral.
Com 23 anos e tendo sido eleito deputado federal pelo PMDB-RJ, o filho do ex-governador fluminense terá pela frente nada menos que a Olimpíada de 2016. Estará qualificado para o desafio? Sua pouca idade sugere rala experiência, embora registre no currículo passagem pela Casa Civil carioca, sob os auspícios de Eduardo Paes (PMDB).
O prefeito do Rio, aliás, parece sempre disposto a agradar o governador do Estado. Se de 2011 a 2012 abrigou o filho de Sérgio Cabral, agora abriu espaço para o enteado de Pezão. Também filiado ao PMDB, o advogado Roberto Horta Jardim Salles, 33, assumirá uma subprefeitura recém-criada.
Situações semelhantes repetem-se Brasil afora. No Paraná, governado por Beto Richa (PSDB), a companhia de energia tem como superintendente um filho do ex-governador Orlando Pessuti (PMDB); na companhia de saneamento, uma diretoria está nas mãos de Antonio Carlos Salles Belinati, que substituiu a mãe no posto e cujo pai foi prefeito de Londrina pelo PP.
Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) se valeu do segundo escalão para fazer média com aliados e até seduzir rivais. Ao todo, quatro filhos de políticos locais têm uma boquinha em sua gestão.
Todos esses são apenas exemplos de uma prática disseminada em todo o país, que inclui o uso da máquina pública para consolar políticos malsucedidos nas urnas ou empregar pessoas indicadas pelos mais diversos correligionários --para nada dizer das negociações espúrias que envolvem a troca de cargos por apoio político.
Nessas relações de compadrio, uma mão lava a outra --e quem se suja é o cidadão, que não paga seus impostos para sustentar apaniguados de quem quer que seja.

domingo, 18 de janeiro de 2015

'Novos baianos'

Folha de S. Paulo, 18 de janeiro de 2015.

Governadores nomeiam filhos de políticos

Pelo menos 12 jovens sem experiência em gestão pública ganharam cargos em secretarias e agências estaduais
Casos ocorrem em seis Estados; no Rio de Janeiro, filho de Sérgio Cabral tornou-se secretário de Esportes
JOÃO PEDRO PITOMBO DE SALVADOR DIÓGENES CAMPANHA DE SÃO PAULO Com perfil similar, eles têm mais que o currículo como fator decisivo para suas nomeações. São jovens entre 20 e 40 anos que nunca exerceram mandatos eletivos e têm pouca ou nenhuma experiência na gestão do serviço público.
Pelo menos 12 filhos de políticos assumiram cargos nos novos governos estaduais.
A prática não configura nepotismo, já que os pais geralmente são ex-gestores ou ocupam cargos em outras esferas públicas. Mais do que a garantia de emprego, os cargos são vitrines para a carreira política dos jovens.
É o caso do deputado federal eleito Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ), 23, filho do ex-governador Sérgio Cabral. Às vésperas da Olimpíada, o jovem foi nomeado para secretaria estadual de Esportes.
'NOVOS BAIANOS'
Para agradar aliados e atrair partidos antes rivais, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), nomeou os filhos de três políticos locais e manteve um quarto herdeiro em cargos de destaque no segundo escalão de sua gestão.
Um deles é Otto Alencar Filho, 37, que abriu mão de um cargo de direção na construtora Odebrecht. Filho do senador eleito Otto Alencar (PSD), vai assumir a presidência da Desenbahia (agência estadual de fomento).
"Ele não estava precisando de emprego. Só aceitou o cargo porque o governador o chamou e ele queria uma experiência no serviço público", diz Otto, cujo filho foi cotado candidato a deputado.
Outro é Diogo Medrado, que faz administração numa faculdade particular de Salvador e é filho do deputado federal não reeleito Marcos Medrado (SD).
Diogo se tornou presidente da estatal Bahiatursa ainda em 2014, numa tentativa do então governador Jaques Wagner (PT) de atrair o SD para a coligação de Costa.
Não deu certo e o SD apoiou o oposicionista Paulo Souto (DEM) nas eleições. No poder, o petista o manteve no governo e os Medrado agora podem deixar o SD. Secretário de Relações Institucionais baiano, Josias Gomes (PT) defende as nomeações. "Todos são qualificados", diz.
Já em Roraima, a governadora Suely Campos (PP) nomeou 19 parentes, segundo o Ministério Público, sendo duas filhas escaladas para importantes secretarias.
Na visão de especialistas, nomeações do tipo são retrato do clientelismo que ainda existe na política brasileira.
O cientista político Leôncio Martins Rodrigues diz ser impossível exercer a atividade política sem trocas de favores, "mas podia não ser tão exagerado assim".
"Sempre tem um grupo de seguidores que são agraciados com cargos. E o político acredita que, com um parente lá, vai ter alguém mais fiel, mais leal", avalia Rodrigues.

sábado, 17 de janeiro de 2015

As instituições não funcionam

Folha de S.Paulo, 17 de janeiro de 2015.

André Singer

Que se vayan todos?

As primeiras semanas de janeiro confirmam as previsões pessimistas sobre 2015. Decisões contracionistas no plano federal; escassez de água no Estado de São Paulo; conflito violento em torno do transporte público na maior cidade do país. Para acirrar os ânimos, um verão tórrido pontilhado de tempestades que deixam sem luz parte da população paulistana. Cria-se o ambiente para explosões de raiva.
Enquanto isso, a política segue o seu curso imperturbável. O PMDB, detentor da direção do Congresso Nacional, entra na disputa pela continuidade na presidência do Senado e da Câmara com nomes sujeitos a envolvimento no escândalo da Petrobras. Não seria razoável, ainda que por precaução mínima e respeito aos cidadãos, apresentar candidatos desvinculados de qualquer suspeita?
Serei chamado de ingênuo, o que ocorre com alguma frequência entre os leitores que me dão a honra de ler e comentar. Não se trata de ingenuidade e sim de evidenciar, na referência a valores, o assustador descolamento que existe entre o cotidiano na planície e a espécie de permanente baile da Ilha Fiscal em que vivem as instituições. Em particular, os grandes partidos. Parecem não se dar conta do buraco que se abre a seus pés.
No Estado de São Paulo, a situação emergencial ocasionada pela crise hídrica poderá causar efeito parecido ao que o apagão de 2001 teve sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. Quando faltam os elementos básicos que sustentam o dia a dia, como água, energia elétrica ou alimentos, não se consegue pensar em outra coisa e o governante torna-se alvo de intenso repúdio.
O reconhecimento tortuoso por parte de Alckmin de que existe racionamento é como um tapa na cara do cidadão. Todos sabem que falta água em parte das casas pelo menos desde meados de 2014. É mais do que hora de o governador, com seriedade, comunicar o quadro real à população e o que precisará ser feito para enfrentá-lo.
Em outra esfera, o aumento das passagens na capital paulista foi feito de maneira que desconhece a força do novo tipo de mobilização social representado pelo Movimento Passe Livre (MPL). A Prefeitura argumenta que procedeu de acordo com as reivindicações de junho de 2013, entre outras coisas concedendo isenção de tarifa para estudantes de escolas públicas. No entanto, o prefeito Fernando Haddad (PT) deveria ter chamado antes o MPL e demais entidades interessadas no assunto para explicar e negociar publicamente o aumento, construindo opinião coletiva a respeito. Ao anunciar as novas tarifas de supetão e na calada das férias, subestimou o espírito do tempo.
As instituições não funcionam, mas não podemos viver sem elas. Precisamos transformá-las.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Drible comum

Folha de S. Paulo, 9 de janeiro de 2015.

Bernardo Mello Franco

Uma prática comum

BRASÍLIA - O drible à lei, este velho esporte nacional, acaba de ganhar mais uma recordista. Trata-se da nova governadora de Roraima, Suely Campos (PP). Ela merece uma medalha: começou a praticar a modalidade antes da eleição e já conseguiu atrair as atenções do país com menos de dez dias no cargo.
Suely assumiu a candidatura como herança familiar. Até setembro passado, a vaga era do marido, o ex-governador Neudo Campos (PP). Driblador exímio, ele chegou a ser preso pela Polícia Federal, sob acusação de nomear funcionários fantasmas para embolsar seus salários.
Campos liderava as pesquisas, mas foi barrado pela Lei da Ficha Limpa e renunciou a 20 dias da eleição. Num deboche à Justiça Eleitoral, afirmou que seria a sombra da mulher ao lançá-la em seu lugar.
Empossada, a nova governadora virou notícia com um novo e ousado drible. O alvo desta vez foi o Supremo Tribunal Federal, que proibiu o nepotismo na administração pública. Em uma só tacada, Suely empregou 19 parentes no Estado, de acordo com o Ministério Público.
A grande família inclui duas filhas, nomeadas secretárias da Casa Civil e do Trabalho; uma irmã, secretária de Educação; um irmão, secretário-adjunto de Agricultura; e três sobrinhos, secretários de Saúde, Administração e Infraestrutura.
Segundo a assessoria de Suely, todas as nomeações estão dentro da lei. Ela sustenta que a súmula vinculante do Supremo não proibiu a indicação de parentes para cargos de natureza política, como ministérios e secretarias. Ou seja: as indicações podem ser imorais, mas não ilegais.
Mais espantosa que a desenvoltura da governadora em usar o Estado para engordar a renda da família, só a nota em que ela defende as escolhas. "É uma prática comum na história de Roraima a nomeação de pessoas próximas aos gestores para ocupar importantes secretarias", diz o documento. Os roraimenses elegeram Suely com 54,8% dos votos.