sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Brasil não é pacífico

Coluna do LFG

É falaciosa a crença de que o Brasil é pacífico





** De acordo com levantamento feito pelo IPC-LFG, a violência e a atrocidade humana gera, anualmente, 1,6 milhão de mortes em todo o mundo (o equivalente a 134 mil homicídios por mês). Este massacre mundial atinge com maior intensidade a seguinte faixa etária: jovens de 15 a 29 anos. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que o assassinato de adolescentes e jovens ocupa a 4ª posição no ranking das causas de mortalidade no mundo (atrás apenas das mortes de trânsito, HIV/AIDS e Tuberculose).
Este cenário não é diferente no Brasil! Apenas em 2008, o montante de 50.113 pessoas foram vítimas de homicídios (quase 140 mortes por dia), foi o que revelou o Mapa da Violência 2011, ou seja, um aumento de 17,8%, tomando como base o ano de 1998, no qual morreram 41.950 pessoas.
Mais impressionante é verificar que deste montante (50.113 mortes), 18.321 são jovens (de 15 a 24 anos), ou seja, 36,6% do total dos homicídios. Os dados conduzem para uma conclusão simples: os jovens (especialmente a faixa etária de 15 a 24 anos) são os verdadeiros protagonistas deste massacre brutal.
Esta afirmação fica ainda mais evidente quando verificamos o número dos homicídios para cada 100 mil habitantes. A taxa de homicídios entre os jovens passou de 30 (em 100 mil jovens), em 1980, para 52,9 no ano de 2008. Um aumento de 76% na taxa de homicídios (em 100 mil jovens). Ao passo que a taxa na população não jovem permaneceu praticamente constante ao longo dos 28 anos considerados: passando de 21,2 em 100 mil para 20,5 no final do período, o que significa uma diminuição de 3,3% na taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes não jovens.
O aumento dos homicídios no país (nas últimas décadas) teve como fator preponderante o massacre de jovens. As causas dessa violência epidêmica? São inúmeras, mas, especificamente no que diz respeito aos jovens, uma delas se destaca: a vulnerabilidade social, intimamente ligada à pobreza, ao desemprego, à desigualdade social ou, ainda, à ausência de políticas de desenvolvimento social, situações estas que, dificultam o acesso do jovem aos campos da educação, trabalho, saúde, lazer, cultura etc. O jovem extremamente vulnerável é torturável, prisionável e mortável. Ou seja: descartável.
Se a violência que atinge principalmente os jovens possui um caráter tão complexo e multidimensional, resta claro que as diretrizes a serem perseguidas não se limitam à esfera criminal, mas necessitam de todo um conjunto e aparato interdisciplinar. Já passou da hora de medidas e planos serem desenvolvidos nas mais diversas áreas para que os 140 assassinatos por dia (no Brasil) sejam evitados (das 140 mortes, quase 51 são jovens). Ou seja, alternativas e ações que possibilitem verdadeiramente a implantação de políticas sociais.
Resulta cada vez mais falaciosa a crença de que o nosso é um país pacífico (sem massacres e violência). Algumas autoridades, ao tentarem dourar a pílula, dizem que "O Brasil pelo menos não tem terrorismo". Tratava-se de uma referência ao ataque terrorista do Al Qaeda em Madrid (11.04.04). As bombas da Al Qaeda mataram 191 pessoas na estação de Atocha: isso significa menos de 1 dia e ½ de homicídio no nosso país.
Em 2008, justamente no ano desse discurso, o Brasil ocupou o 6º lugar no ranking mundial dos países mais violentos do mundo, enquanto que a mencionada Espanha, muito distante de nós, apareceu apenas na 51ª posição.
** Colaborou Natália Macedo, advogada, pós-graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.
Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Censura

O Globo, 28 de julho de 2011.

Justiça agride Constituição com censura


Editorial


A deplorável tradição brasileira da lei que "não pega" contamina de forma perigosa dispositivos constitucionais. E nesta contaminação uma vítima frequente é o direito à liberdade de expressão, em todos os aspectos: de opinião, imprensa, criação. O mais grave é que o desrespeito à Carta tem partido da própria Justiça, a maioria das vezes em instâncias inferiores.
A censura ao filme sérvio "Terror sem limites" é apenas mais um atropelamento da Constituição patrocinado por um tribunal, neste caso acionado pelo ex-prefeito Cesar Maia e o filho Rodrigo, em nome do DEM, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Existe uma extensa relação de atos de censura à imprensa avalizados por juízes, um deles ainda em curso contra o jornal "O Estado de S. Paulo", proibido há quase dois anos de publicar qualquer notícia sobre uma investigação da Polícia Federal em que está envolvido o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-PA). Já o tacão sobre o filme sérvio recoloca o Brasil na obscuridade do regime militar, quando filmes, músicas e peças teatrais eram alvo constante do departamento de censura da Polícia Federal.
Há quem possa concordar com a argumentação da defesa da moral, bons costumes e da criança - haveria cenas fortes com menores de idade - para o filme não poder ser exibido. São sempre ponderações razoáveis, mas não se deve abrir frestas e exceções num dispositivo constitucional em que se lastreiam as próprias liberdades democráticas.
A Caixa Econômica, patrocinadora do festival RioFan, em que o filme seria exibido na categoria de terror, decidiu cancelar a projeção, diante da reação negativa. Na Inglaterra, "A Serbian film - Terror sem limites" sofreu 49 cortes; na Espanha o diretor do festival em que ele foi projetado sofre um processo; e, na Noruega, está proibido. Mas a sociedade brasileira, ao superar a ditadura militar, optou por garantir as mais amplas liberdades públicas, direito inscrito na Constituição de 1988. Por erro dos constituintes, foi preservada a Lei de Imprensa, de 1967, do marechal-presidente Castello Branco, até a falha ser corrigida em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal, com a supressão do dispositivo. Por uma simples razão: o direito à liberdade de expressão prescinde de regulamentação. Quer dizer, não cabe lei para estabelecer limites a qualquer segmento da sociedade neste aspecto. Por isso, a própria classificação de filmes e programação de entretenimento em geral é apenas indicativa no Brasil. E não pode ser diferente, mesmo em assuntos sensíveis como o do "Terror sem limites", acusado de promover a pedofilia.
A Caixa Econômica agiu dentro do seu direito. Nada a criticar. É até mesmo possível que o filme não se enquadre sequer no escopo de um festival de cinema "fantástico". Pode ser que o melhor destino para ele seja a lata de lixo. Mas nenhuma obra pode ser vetada por qualquer agente do Estado. E, pior, agentes que passaram a tesoura sequer sem assistir ao filme, segundo se noticia.
Tudo inútil, pois "Terror", com a polêmica, entrou na lista de sucesso entre os arquivos baixados pela internet.

Exército nas eleições

O Globo, 28 de julho de 2011
 
TRE-RJ pede ajuda do Exército para eleições em Magé


MARCOS GALVÃO


O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) pediu a ajuda do Exército para o trabalho de fiscalização das eleições para a Prefeitura de Magé, que acontecem domingo. A solicitação foi feita pelo juiz Orlando Eliázaro Feitosa, responsável pela fiscalização eleitoral no município, ao Batalhão do Exército de Petrópolis, na Região Serrana. O clima tenso nas eleições fez o presidente do TRE, desembargador Luiz Zveiter, convocar para hoje, às 10h, uma reunião na sede do 34º BPM (Magé), com todos os órgãos de segurança, federais e estaduais, que vão acompanhar as eleições.
A intenção do TRE é que os soldados do Exército atuem nos bairros de Fragoso, Raiz da Serra e Praia de Mauá, onde costuma existir grande aglomeração nos locais de votação. "O objetivo é coibir a boca de urna", explica o coordenador de fiscalização de propaganda eleitoral em Magé, Wagner Rabello. Ele disse que a média de denúncias sobre irregularidades aumentou de 20 para 30 nos últimos dias.
Na reunião de desta quinta-feira, além de Luiz Zveiter, vão participar a chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha; o comandante da PM, coronel Mário Sérgio; o superintendente da Polícia Federal, delegado Walmir Lemos; e o superintendente substituto da Polícia Rodoviária Federal, Sergio Valente.
O clima tenso é explicado pela polarização das eleições entre o candidato Nestor Vidal (PMDB), apoiado pelo governador Sérgio Cabral, e o vereador Werner Saraiva (PTdoB), que tem o apoio da família Cozzolino, nesta quinta no poder. O atual prefeito é Dinho Cozzolino, que assumiu o lugar da irmã, Núbia, afastada ano passado por improbidade administrativa.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Papéis destruídos

Folha de S. Paulo, 27 de julho de 2011.


Jobim diz que votou em Serra em 2010


Amigo do tucano, ministro diz que escolha não azedou relação com Dilma: "Não costumo fazer dissimulações"
Peemedebista é evasivo ao comentar eventual saída do governo antes das eleições de 2014: "Deixa a vida me levar"
FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez uma revelação sobre sua preferência na disputa presidencial do ano passado: "Eu votei no Serra".
Na avaliação dele, se o tucano José Serra tivesse derrotado a petista Dilma Rousseff, o governo "seria a mesma coisa" no manejo das recentes crises políticas, como a do combate à corrupção no Ministério dos Transportes.
Por determinação de Dilma, vários servidores foram afastados, inclusive o ex-ministro Alfredo Nascimento.
A escolha eleitoral de Jobim sempre foi conhecida ou pelo menos intuída nos bastidores em Brasília. Dilma também sabia, diz ele.
Azedou a relação? "Azeda quando você esconde. Eu não costumo fazer dissimulações, então não tenho dificuldades", disse.
Passada a eleição, entretanto, o assunto foi esquecido nas conversas entre o ministro e a presidente. "Não se toca no assunto."
Há menos de um mês, ele se envolveu em polêmica ao afirmar, durante cerimônia pelos 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que "os idiotas perderam a modéstia".
No governo, a interpretação foi de uma crítica à administração Dilma. Ele repetiu não ter sido cobrado pela presidente: "Não, não. Ela até riu".
Jobim deu entrevista ontem ao programa "Poder e Política", uma parceria da Folha e do UOL, em Brasília
SAÍDA
Há quatro anos na Defesa, ele sempre é citado em rodas políticas como um ministro que deixará o governo antes de Dilma terminar o mandato em 2014. Confrontado com o rumor, a resposta é evasiva.
Ele cita Zeca Pagodinho: "Deixa a vida me levar".
Ex-integrante do Supremo Tribunal Federal, Jobim defende o ministro José Antonio Dias Toffoli, que viajou à Itália com despesas de hospedagem pagas por um advogado. "É uma decisão pessoal. Conheço muito bem o Toffoli, ele tem absoluta independência."
Jobim afirma manter boas relações com Dilma. Experiente, é o único ministro atual que também teve assento na Esplanada nos dois últimos governos, de Luiz Inácio Lula da Silva e FHC.
Sobre o projeto de Lei de Acesso a Informações Pública, ora no Senado, Jobim recuou de sua posição inicial. Agora, aceita acabar com o sigilo eterno e fixar em 50 anos o prazo máximo para um documento ultrassecreto ficar guardado.
"Vamos ser práticos. Daqui a 50 anos, se algum governo achar que tem algum documento [que não deve ser aberto], poderá alterar a lei."
O ministro diz que os papéis da ditadura militar (1964-1985) que estavam com a Defesa foram destruídos.
Para ele, a futura Comissão da Verdade será a única instância capaz de buscar os responsáveis pelo sumiço.
Neste ano, Jobim voltou a frequentar reuniões de bastidores do PMDB. Encontra-se com frequência com deputados e senadores da sigla, à qual está filiado desde o início da vida política. Articula para que os dissidentes parem de atacar o Planalto.
Acredita estar tendo sucesso.
Aos 65 anos, nega ter interesse eleitoral: "Esse projeto político já desapareceu".
 

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Exército na segurança pública

 
O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 2011
Mais de 700 mil armas em Fóruns vão para o Exército



O Estado de S. Paulo - São Paulo/SP - NOTÍCIAS - 25/07/2011 - 00:00:00
Objetivo é destruir rapidamente o que hoje fica na custódia judicial; em SP, 400 itens nesses locais foram roubados em apenas 3 meses
William Cardoso - O Estado de S.Paulo

Com mais de 700 mil armas sob tutela da Justiça, os Fóruns do País se transformaram em verdadeiros arsenais que, desprotegidos, ameaçam a segurança da população. Para amenizar o problema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os Ministérios da Justiça e da Defesa assinam nesta semana um convênio para que a maior parte seja encaminhada a quartéis do Exército para a destruição.
Atualmente, todas as armas apreendidas pela polícia ficam sob custódia da Justiça, armazenadas em Fóruns, para que sejam apresentadas durante o processo. Elas servem, por exemplo, para esclarecimento dos fatos em um julgamento. Até mesmo armas cujas ações já se encerraram permanecem nesses locais, por falhas na logística, que impedem que sejam destinadas à destruição.
Apenas no Estado de São Paulo, nos últimos três meses, mais de 400 armas foram levadas dos Fóruns de Birigui, São José dos Campos e Mogi das Cruzes. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, tem sob sua guarda aproximadamente 50 mil armas e 60 mil unidades de munição variada, segundo levantamento feito pelo CNJ em dezembro.
"É uma preocupação verdadeira porque, vira e mexe, constatamos furtos e roubos em Fórum. Ali não é um lugar para guardar arma, mas para julgar processo. Coloca-se em risco não só as pessoas que estão no local, mas toda a sociedade, que amanhã ou depois pode ser vítima de algum crime cometido com esses armamentos", afirma Felipe Locke Cavalcanti, do CNJ.
Entre os Estados listados pelo Conselho, em um ranking preparado em dezembro do ano passado, chama a atenção o Rio. O TJ fluminense lidera o ranking nacional, com mais de 500 mil armas recolhidas em Fóruns. Segundo Cavalcanti, só há uma explicação possível. "Imaginamos que não havia uma preocupação em encaminhar essas armas para o Exército. Não é possível que correspondam a aproximadamente 500 mil processos que ainda aguardam julgamento."
E engana-se ainda quem pensa que apenas armamentos de pequeno calibre são roubados de Fóruns. Um casal foi detido recentemente quando levava um fuzil do Fórum de São José dos Campos para o Rio, onde seria vendido por R$ 35 mil.
Solução. O convênio é o complemento necessário para tirar do papel a Resolução 134 do CNJ que, em 21 de junho, determinou prazo de 180 dias para que as assessorias militares dos Tribunais de Justiça disciplinem a identificação, a guarda e o transporte periódico das armas e munições de todas as unidades judiciárias para o Comando do Exército. "Os termos finais estão sendo trabalhados pelos Ministérios da Justiça e da Defesa para que, na próxima semana, seja assinado o convênio. Fui o relator, mas é um trabalho coletivo", afirma Cavalcanti, que deixa o Conselho depois de dois anos. Ele cita o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, como um dos principais entusiastas da resolução.
Agora, o magistrado passou a ser obrigado a justificar a permanência de uma arma durante o processo, caso contrário ela será destinada à destruição ou doação. "O natural é que ela vá embora. Isso melhora muito o fluxo", afirma Cavalcanti. Os TJs serão obrigados também em 180 dias, a providenciar local adequado para manter as armas que sejam realmente necessárias aos andamento dos processos.
Segundo o relator da Resolução 134, isso não deve acarretar custos excessivos para o Poder Judiciário. "Na verdade, encaminhando o grosso das armas rapidamente para o Exército, não haverá aumento de custo. Hoje já existe uma guarda, que é muito dispersa, onerosa e não é eficiente. Se precisarmos guardar apenas poucas armas, esses recursos podem ser otimizados, com segurança maior." De acordo com Cavalcanti, isso já ocorre em Alagoas. O juiz solicita por e-mail, com antecedência, que determinada arma recolhida em um único paiol será usada durante o processo. Ela é entregue no dia combinado.

RANKING

Rio 551.396
São Paulo 49.553
Minas 34.603
Rio Grande do Sul 17.235
Pernambuco 11.462
Paraná 8.535
Mato Grosso do Sul 8.412
Distrito Federal 8.291
Espírito Santo 5.595
Ceará 4.574
Paraíba 3.958
Mato Grosso 3.703

domingo, 24 de julho de 2011

Sistema vulneráveis


Correio Braziliense 24 de julho de 2011.
Sistemas ainda são vulneráveis

Ponto a ponto - General José Carlos dos Santos

Responsável pelo Centro de Defesa Cibernética afirma que o país não investe o suficiente na segurança de dados sensíveis do governo

Tiago Pariz



Com a missão de diminuir as vulnerabilidades do sistema de informação do Exército, o general José Carlos dos Santos, responsável pelo Centro de Defesa Cibernética, traça cenários sombrios sobre o trabalho nas fronteiras do país e diz que o Brasil investe bem menos do que o necessário para implementar uma rede segura de proteção a dados sensíveis do governo e das Forças Armadas. Ele diz que a maioria dos hackers consegue penetrar nas redes virtuais devido à falta de cuidados básicos, que os próprios usuários deixam de tomar.
Um dos desafios é colocar toda a rede do Exército em servidores próprios. Hoje, 20% está em serviços tercerizados, a maior parte na Amazônia, um dos locais fundamentais de defesa do território. O Centro de Defesa Cibernética teve R$ 10 milhões em investimentos no ano passado. A previsão é alocar R$ 80 milhões este ano e mais R$ 200 milhões até 2013, quando, espera-se que o sistema esteja em completo funcionamento. O general recebeu o Correio em seu gabinete no Quartel-General do Exército. Veja abaixo os principais pontos da entrevista.

Rede frágil

Uma das nossas prioridades é diminuir essa vulnerabilidade no sistema. Cerca de 80% dos nossos serviços estão hospedados em servidores próprios. Mas ainda tem 20% com a necessidade de contratar outras empresas. Um dos investimentos que estamos planejando é ter em nossos servidores 100% desses serviços de que necessitamos para as operações. São localidades onde não temos uma infraestrutura de telemática instalada. As vezes somos obrigados a contratar um serviço local. Posso citar algumas localidades na Amazônia e no Centro Oeste, por exemplo. E dependemos de contratar canais de empresas privadas para podermos dar acesso a todos os nossos usuários.

Vigilância na fronteira

O Sistema Integrado de Vigilância de Fronteira atua onde há falta de infraestrutura de telemática. E realmente há uma dificuldade de vigilância maior. Nós podemos colocar tropas na fronteira, mas sem uma estrutura de telemática adequada não podemos vigiar completamente os mais de 16 mil km de fronteira. O Exército está adquirindo equipamentos mais modernos para diminuir a vulnerabilidade. Mas isso depende de recursos.

Previsão de melhorias

Não podemos nos comparar às grandes potências econômicas que investem em tecnologia, como por exemplo, a Inglaterra, US$ 1,5 bilhão por ano. Não podemos chegar a essa comparação. Mas não somos, por enquanto, alvos tão compensadores como essas grandes potenciais — Estados Unidos, União Europeia. O Brasil, por sua natureza, é uma nação de índole pacífica que tem sido solicitada em operações de paz da ONU. Sem investimento adequado, nós não teremos a capacidade de dissuasão que o Brasil vai precisar daqui alguns anos.

Investimentos

Eu gostaria que estivéssemos investido muito mais do que nós estamos. O país investe dentro das suas realidades. Eu não estaria sendo sincero dizendo que isso atende todas as nossas necessidades. As primeiras ações de organização do Centro de Defesa Cibernética foram executadas em 2010 com recursos próprios do Exército, cerca R$ 10 milhões. Logicamente, não podemos dar passos maiores do que as nossas pernas. Todas as ações previstas para este ano estão orçadas em R$ 80 milhões. Depois são R$ 100 milhões por ano até 2013.

Legislação específica

Eu acredito que, pela necessidade de proteger os ativos, os serviços essenciais da população, é preciso que alguma regulamentação seja aprovada.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Assinaturas falsificadas?

Folha de S. Paulo, 21 de julho de 2011.

Perícia revela fraude para fundar partido de Kassab

Laudo mostra assinaturas falsificadas em documento exigido pela Justiça

Uma só pessoa assinou lista de apoio em nome de terceiros, diz exame; segundo dirigente, sigla retirou 36 mil registros

DANIELA LIMA DE SÃO PAULO
CATIA SEABRA DE BRASÍLIA

Listas de apoio em São Paulo e no Rio de Janeiro à criação do PSD, partido do prefeito paulistano Gilberto Kassab, foram preenchidas com assinaturas falsificadas, atesta perícia grafotécnica feita a pedido da Folha.
A coleta de assinaturas é uma exigência da Justiça Eleitoral para a criação de uma nova sigla.
Kassab corre contra o tempo para apresentar cerca de 490 mil assinaturas até setembro deste ano, para que o partido tenha condições de participar das eleições municipais de 2012.
A reportagem teve acesso a cópias digitalizadas de três fichas de apoio ao PSD.
Em todos os documentos foram detectadas fraudes. Segundo a perícia, assinaturas atribuídas a diversos eleitores foram feitas, na verdade, por uma mesma pessoa.
Em uma das fichas, de 10 assinaturas coletadas, 5 foram feitas pela mesma pessoa. No documento do Rio, há assinatura atribuída a um eleitor que morreu.
O PSD reconhece a existência de "erros" na coleta de assinaturas e que, só no Rio, o partido descartou 36 mil assinaturas "inadequadas".
O laudo foi elaborado por Orlando Garcia, que, entre outros casos, foi perito oficial da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou as atividades de PC Farias, em 1992.
Na conclusão do laudo que conta com nove páginas ele afirma: "As listas de apoiamento ao PSD examinadas apresentam falsas assinaturas de eleitores, eis que, atribuídas a pessoas diversas, foram produzidas por mesmos punhos escritores".
No Rio, as fichas foram preenchidas no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Em São Paulo, na zona leste da capital.

NOVOS PROCESSOS
A coleta de assinaturas do PSD já é investigada em Santa Catarina, Paraná, Amazonas e em São Paulo, por suspeita de irregularidades na coleta de assinaturas.
Na capital paulista, onde já há suspeita de que a estrutura da Prefeitura foi usada para cooptar eleitores, nova investigação foi aberta no último dia 14 de julho, a pedido da juíza eleitoral Adaísa Bernardi Halpern.
Ela determinou a suspensão da certificação de assinaturas após encontrar divergências em listas apresentadas pelo PSD ao cartório de sua zona eleitoral, em Ermelino Matarazzo.
Durante o processo de validação das assinaturas o cartório convocou eleitores que tinham os nomes citados nos documentos. De 18 pessoas ouvidas, 9 disseram não ter assinado as fichas.
A Folha localizou dois desse eleitores. O funcionário público do Estado de São Paulo, Robinson Galvani, de 41 anos, e a autônoma Andreia Simonavicius.
"Cheguei lá [na Justiça Eleitoral], não era só a minha assinatura, minha família todinha estava lá: minha mãe, minha irmã e meu cunhado, todos com as assinaturas indevidas", disse Galvani. "Aquela assinatura nem de mulher é. É uma falsificação grosseira", disse Andreia.
Ricardo Vita Porto, advogado do DEM -partido que Kassab deixou para fundar o PSD-, disse que pedirá uma auditoria nas listas de apoiamento ao PSD.
"Há relatos de que fraudes como as constatadas pela juíza de Ermelino Matarazzo também ocorreram em outras Zonas Eleitorais. Queremos que os eleitores sejam convocados", disse o advogado do DEM.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A reforma do arcabouço jurídico


O estado de s. paulo 20 julho 2011, editorial

A reforma do arcabouço jurídico


  • Por ter se atrasado na modernização do arcabouço jurídico, especialmente com relação ao restabelecimento do regime democrático, à abertura da economia, à estabilização da moeda e aos avanços sociais das duas últimas décadas, o Congresso está sendo obrigado a reformar simultaneamente seis códigos.
As reformas na espinha dorsal da legislação ordinária são necessárias, uma vez que a maioria desses códigos foi editada antes da promulgação da Constituição de 1988, quando eram outras as condições políticas, sociais e culturais do País. Dos 17 códigos que fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, apenas 2 - o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor - foram aprovados depois da redemocratização e da abertura econômica. Entre os demais códigos, o mais esclerosado é o Comercial, que data de 1850.
A sobrecarga de trabalho do Congresso, contudo, está deixando juristas e empresários preocupados. Eles temem que, por causa das inevitáveis implicações técnicas e políticas da reforma simultânea de seis códigos, o Congresso acabe aprovando inovações de modo açodado, sem um debate cuidadoso, suscitando divergências de interpretação nos meios forenses e disseminando com isso a incerteza jurídica nas relações sociais e empresariais.
Dos seis códigos que estão sendo reformados, dois - o de Processo Penal e o de Processo Civil - são decisivos para o bom funcionamento dos tribunais. Na última década, o Congresso aprovou as mudanças constitucionais das quais dependia a modernização do Poder Judiciário. Agora, o desafio é rever a legislação infraconstitucional, reduzindo prazos e diminuindo o número de recursos, com o objetivo de agilizar a tramitação das ações e assegurar uma execução mais rápida das sentenças e acórdãos.
A agilização dos processos e a simplificação do sistema de recursos são fundamentais para que os tribunais possam acompanhar o dinamismo da atividade econômica que - graças à expansão da tecnologia de comunicações - exige decisões cada vez mais rápidas. A modernização da legislação processual também é necessária para dar aos tribunais condições de acompanhar a diversificação da economia.
À medida que os mercados se tornaram diferenciados e a legislação processual não mudou, no mundo dos negócios as empresas, bancos, fundos de investimento e fundos de pensão passaram a optar pelos chamados métodos extrajurisdicionais de resolução de litígios - dos quais a arbitragem é o mecanismo mais conhecido.
Além dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, dois outros códigos em reforma também estão deixando inquietos os meios empresariais e forenses. Um deles é o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Apesar de ser relativamente novo, pois entrou em vigor em 1990, muitos de seus dispositivos ficaram ultrapassados com o avanço da tecnologia. O CDC, por exemplo, não trata do comércio eletrônico.
O outro Código é o Comercial. Por causa de seu anacronismo, os temas mais técnicos em matéria de direito mercantil, societário e falimentar hoje são tratados por leis especiais, como a Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, e a Lei de Recuperação das Empresas, de 2005. Já os dispositivos relativos às obrigações contratuais passaram a ser disciplinados pelo Código Civil de 2002. Por isso, entidades empresariais e de juristas estão divididas - algumas defendem a minuta do novo Código Comercial, que foi enviada ao Congresso há um mês, enquanto outras alegam que o mais adequado seria rever as leis especiais, para desburocratizar os negócios, e fortalecer o capítulo do direito das obrigações do Código Civil, para assegurar o cumprimento dos contratos. Os outros dois códigos que estão sendo reformados são o Florestal, que data de 1965, e o Eleitoral, que entrou em vigor naquele mesmo ano, mas foi modificado por leis esparsas.
As reformas simultâneas desses seis códigos é um desafio que o Congresso tem de enfrentar, para adequar o arcabouço jurídico a uma economia mais complexa e a uma sociedade mais dinâmica.

Lugar de polícia é na rua

Correio Braziliense 20 de julho de 2011.


Lugar da polícia é na rua



Renato Alves

Mesmo com a maior proporção de policiais militares por habitante — um para cada grupo de 175,5 moradores — e os melhores salários pagos a policiais civis e militares no país, o Distrito Federal não consegue reduzir a criminalidade. Muito, em parte, pela excessiva quantidade de praças e oficiais lotados em gabinetes. Nesse cenário, uma proposta da Câmara Legislativa pode reduzir ainda mais o policiamento nas ruas da capital.
Caso a presidente Dilma Rousseff acate a minuta de medida provisória de autoria do deputado Patrício (PT) — ex-cabo da PM e presidente da Câmara Legislativa —, até 1,5 mil homens e mulheres deixarão de combater o crime diretamente. Na prática, ela permitirá a promoção de policiais, mas reduzirá o número de PMs com patentes mais baixas — maior parte do contingente nas ruas. O projeto também permite ao praça alcançar o posto máximo de tenente-coronel. Hoje, ele se aposenta, no máximo, como subtenente.
A proposta rachou a PM. Jogou praças contra oficiais. Mas em lugar algum está escrito que o oficial da PM não pode trabalhar nas ruas. Portanto, promoção não deveria significar a aposentadoria precoce da atividade-fim dos policiais. Afinal, ele apenas está sendo promovido, não deixando de ser policial.
No entanto, o atual governo mantém a prática dos antecessores de premiar os oficiais com bons cargos e gratificações na burocracia. Diariamente, o Diário Oficial do DF publica uma relação de PMs e bombeiros nomeados para cargos de natureza burocrática.
Também não é segredo para ninguém que, em geral, o oficial da PM faz um curso de três anos, mas só trabalha na rua enquanto é aspirante e segundo-tenente. Já na condição de burocratas, os oficiais ainda retiram da linha de tiro ao menos quatro praças. Geralmente, duas policiais para servirem como secretárias e dois PMs para carregar sua pasta ou celular. O mesmo ocorre com o Corpo de Bombeiros. Há soldado do fogo exercendo função de todos os tipos, menos a de apagar fogo.
O pior de tudo é que, em meio a toda essa discussão das promoções, ainda não apareceu proposta, de praça, oficial, Patrício ou qualquer outro distrital, para devolver a tranquilidade aos moradores, aos contribuintes que pagam os salários de toda essa gente.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O futuro está na educação

O Estado de S. Paulo, 19 de julho de 2011.


O futuro do Brasil depende da educação



Miguel Jorge


Filosofia, Sociologia, Música e Espanhol. Depois de incluir, nos últimos anos, essas disciplinas no currículo do ensino médio, o Conselho Nacional de Educação estuda acrescentar uma sobre direitos humanos no ensino básico. É louvável assegurar às crianças e aos jovens brasileiros o estudo de novas áreas do saber nas escolas públicas, pois isso lhes daria maior compreensão do mundo que os cerca, levando-os a refletir e agir com civilidade, consciência e respeito. "Daria maior compreensão...", com o verbo no condicional? Por que não dará, com o verbo no futuro?
Porque é impossível atingir tal estágio sem antes atacar as questões fundamentais que comprometem a qualidade da educação. Classificado nas últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), com problemas crônicos de ingresso tardio na escola, repetência, professores desmotivados, mal remunerados e mal preparados, infraestrutura precária e famílias distantes do processo de ensino, o Brasil está numa encruzilhada.
Uma das maiores economias do mundo, com fortes índices de crescimento e de redução de desigualdade social, só manteremos e ampliaremos as conquistas dos últimos anos com grandes investimentos em educação. Para não perder em competitividade precisa formar mão de obra qualificada. Para atender às exigências da classe média crescente, que busca um futuro melhor, precisa garantir a todos o direito ao conhecimento. Para ingressar no seleto clube dos países desenvolvidos precisa de muita vontade e de decisão para encarar seus grandes problemas educacionais.
Como reflexão, convém recordar alguns números. A última edição do Pisa, de 2009, avaliou 470 mil estudantes de 15 anos, de 65 países, ou 90% da economia mundial. Em leitura, a China foi a primeira e o Brasil, 53.º, atrás de Chile (44.º), Uruguai (47.º), Trinidad e Tobago (51.º) e Colômbia (52.º). Como consolo, chegamos à frente da Argentina (58.º) e do Peru (63.º). Em Matemática, nossos estudantes ficaram em 57.º e em Ciências, em 53.º.
Há índices de sobra, que, infelizmente, não se traduzem em mudanças nas políticas públicas. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Prova Brasil (complementar ao Saeb) estão entre as pesquisas regulares do MEC para retratar a situação da educação. E persistem o quadro de precariedades e a baixa qualidade do ensino, apesar dos avanços registrados.
O Inep, em levantamento de 2009, mostra que 34 a cada 100 estudantes do ensino médio sofreram defasagem ao longo da vida escolar, enquanto no ensino fundamental 23 a cada 100 estudantes estão atrasados. Outro estudo, com dados da Pnad-IBGE, destaca que só 30% da população entre 25 e 34 anos frequentou até a 3.ª série do ensino médio - sem conhecimento para preencher vagas que exigem ensino médio completo, a taxa de desemprego é de 14%, acima dos 9% dos que têm até oito anos de escolaridade.
Relatório da Unesco é contundente: entre 1999 e 2007 o índice de repetência no ensino fundamental (18,7%) foi o mais elevado da América Latina (AL) e muito acima da média mundial, 2,8%. Segundo o relatório, 13,8% dos brasileiros abandonam os estudos no primeiro ano do ensino básico, o que nos coloca apenas à frente da Nicarágua (26,2%), na AL, e bem acima da média mundial (2,2%).
A Unesco define analfabeto funcional como quem sabe escrever o próprio nome, lê e escreve frases simples e faz cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Em 2009 eram 20,3%, isto é, um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional: tem compreensão limitada do que observa ou produz e o desenvolvimento pessoal e profissional comprometido.
Daí, não é de estranhar que um professor da rede pública encontre alunos de 12, 13 anos, estudantes da 6.ª ou 7.ª séries, que mal sabem escrever o próprio nome e são incapazes de construir frases.
Também não é de estranhar que, há coisa de dois meses, Amanda Gurgel, que leciona Português na rede pública do Rio Grande do Norte, tenha virado celebridade na internet. Ela resumiu sua situação em três dígitos (9, 3 e 0), seu salário e o de milhares de profissionais como ela: R$ 930 - o que obriga a trabalhar 30, 40 e até 60 horas semanais, numa rotina de empréstimos, bicos, muito cansaço e desestímulo. Não há como negar que a grande maioria dos professores da educação básica é mal remunerada e trabalha sem condições. Nem que também esses professores tiveram, em geral, uma formação inicial insatisfatória nas disciplinas que lecionam e no campo didático-pedagógico.
Pelos dados da Pnad-2010, o salário médio de um professor da educação básica é 40% menor que o de um trabalhador com o mesmo nível de escolaridade. No rico Estado de São Paulo, por exemplo, a remuneração média de um professor é de R$ 1.905 e a de um profissional de outra ocupação, R$ 3.306. Neste caso, a equação está feita: melhores cursos de formação dos docentes + remuneração adequada + capacitação continuada = bons professores, que ensinarão mais e melhor.
Uma das conclusões do estudo do pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Ipea (Caminhos para melhorar o aprendizado), a partir dos resultados de 165 estudos acadêmicos brasileiros e estrangeiros sobre educação, é que um aluno que estuda com os melhores professores da rede pública aprende 68% mais que a média dos estudantes. Mais: além de nível de escolaridade, formação profissional e experiência, o sucesso do professor depende também de características como liderança, motivação e persistência.
Por tudo isso, o Brasil, que ainda tem 9,6% da população com 15 ou mais anos analfabeta, precisa avançar muito para se igualar às economias mais competitivas. São quase 14 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever, e reverter esse quadro dependerá do esforço de todos os segmentos da sociedade, mas, principalmente, da implementação de políticas públicas duradouras e eficazes pelos governos federal, estaduais e municipais.

Jornalista, foi ministro do desenvolvimento, indústria e comércio exterior no governo lula (2007-2010)

domingo, 17 de julho de 2011

O Brasil que ainda tortura

O Brasil que ainda tortura
Sun, 17 Jul 2011 07:51:20 -0300
 

O que a delegação da ONU, que virá ao Brasil em setembro, irá encontrar em todo o território nacional
Solange Azevedo

Duas décadas e meia depois do fim da ditadura militar (1964-1985), o Brasil não está livre da tortura – uma das pragas que marcaram o regime. Sevícias como pressão psicológica, choques, espancamentos, violência sexual e assassinatos ainda fazem parte do cotidiano de delegacias, batalhões da PM, presídios e unidades para adolescentes infratores. Nos anos de chumbo, as vítimas preferenciais eram estudantes engajados, intelectuais e líderes políticos. Os militares se viram obrigados a arrefecer quando as ações praticadas nos porões da repressão repercutiram no Exterior. Atualmente, os torturadores mostram sua face mais cruel aos pobres e encarcerados. Pessoas sem voz e com pouquíssimo acesso à Justiça. Mas tudo indica que a violência contra esses cidadãos, em breve, também repercutirá além das fronteiras nacionais e voltará a abalar a imagem do País. Uma delegação do Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura virá ao Brasil, provavelmente em setembro, e fará visitas-surpresa a locais de privação de liberdade. O objetivo do grupo é traçar um panorama das agressões e pressionar para que o Estado tome providências.
Não existem números confiáveis sobre tortura no País. Como se trata de um crime praticado, em geral, por policiais ou carcereiros, as vítimas têm medo de denunciar. Casos como o dos seis PMs presos em flagrante na semana passada por terem ameaçado e ateado fogo num morador de rua em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, são raríssimos. O que chega aos tribunais é uma pequena parcela do que ocorre diariamente. “A tortura no País é cultural, generalizada e sistemática. Começou no período da escravidão e se mantém até hoje”, afirma Margarida Pressburger, integrante do Subcomitê da ONU. “A vocação brasileira para a tortura se solidificou porque os torturadores não são punidos.” Para castigar, arrancar confissões ou obter informações sobre terceiros, agentes do Estado adotam a ferramenta criminosa da tortura como método de trabalho.
“Os dados nacionais mais recentes são de 2003. Depois disso, o programa Disque-Denúncia federal foi desativado. Em dois anos, foram recebidas 20 mil denúncias”, diz Luciano Mariz Maia, procurador da República e membro do Comitê Nacional Contra a Tortura. Maia afirma que, de cada três casos de tortura, um é praticado por policiais civis, um por PMs e o outro por categorias como a dos carcereiros e dos guardas civis. “Em um terço dos registros, não há crime aparente, como quando alguém é pego só porque está olhando o quintal de uma casa”, relata o procurador.
Pela lei brasileira, torturar é “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão” ou “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. O engenheiro R., 34 anos, sentiu na pele o que isso significa. Vive à base de remédios desde 2007, quando foi detido por policiais do Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic), em São Paulo. Suspeito de repassar linhas de teste da Vivo para o crime organizado, ele foi abordado sem mandado de prisão, algemado e jogado numa viatura. No trajeto até o Deic, de acordo com o depoimento de R. à Corregedoria, os policiais pararam num galpão e o torturaram. Ele afirma que levou socos, choques nas pernas e no ânus e foi abusado sexualmente.
Os policiais exigiram que ele confessasse um crime que não havia cometido. No ano passado, R. foi inocentado pela Justiça. Apesar da absolvição, ele não consegue levar uma vida normal. Faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Já tentou suicídio. Raramente sai de casa e entra em pânico quando vê aglomerações. R. perdeu tudo: o emprego, a mulher, os amigos, a saúde. Ele denunciou o caso à Corregedoria. Mas o órgão arquivou duas apurações preliminares alegando “ausência de elementos e fragilidade da declaração prestada”. Entre 2007 e maio de 2011, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, 77 policiais civis foram demitidos por violência – o que inclui, entre outros delitos, lesão corporal e tortura.
“Quem investiga é a própria polícia ou funcionários dos presídios. Muitas vezes, é o torturador quem leva a vítima para o exame de corpo de delito, e os médicos que fazem os laudos se omitem”, diz José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional. “É um problema o Judiciário imaginar que torturadores são psicopatas”, afirma o procurador Maia. “A tortura é racional e quem a pratica acha que está fazendo algo positivo para a sociedade, que está desvendando delitos. No meio em que esses indivíduos estão inseridos, é uma escolha intimamente defensável.”
A enfermeira S., 42 anos, foi presa em março de 2010. Ela relata que, logo depois de pegar carona com um amigo da filha e um conhecido dele, uma viatura os abordou. Ao revistar o carro, um dos PMs teria encontrado uma arma debaixo do banco. Começava ali o tormento. S. conta que os três foram levados para o 37o Batalhão da Polícia Militar, na zona sul da capital paulista. “Estava algemada e fui empurrada várias vezes contra a parede, fiquei com um galo na testa. Me jogavam no chão, davam socos na minha nuca e chutes na minha bunda, me puxavam pelos cabelos”, diz. “Ficavam me perguntando quem era o dono de uma moto amarela e falando que, se eu indicasse alguma boca de fumo, eles me soltariam. Mas eu não vi nenhuma moto.”
S. chora ao recordar que uma policial exigiu que ela ficasse nua para ser revistada. “A porta estava aberta e todo mundo que entrava se achava no direito de me bater”, lamenta. “Os policiais riam e falavam: ‘Olha que desgraça, que baranga’. Um deles beliscou o meu mamilo. Fiquei das quatro da tarde até umas 7 horas apanhando. Os meninos pagaram R$ 5 mil e foram liberados. Só falaram que o revólver estava na minha bolsa porque também foram torturados.” S. passou 38 dias na cadeia. Procurada por ISTOÉ, a Assessoria de Imprensa da PM foi lacônica. Em nota, respondeu que a responsabilidade administrativa de três policiais, “por terem conduzido pessoa presa para dependências do quartel para que fosse realizada revista pessoal minuciosa”, está sendo apurada.
“Quando agressões são um método investigativo e agentes públicos se sentem no direito de mitigar a vida, a tortura se torna apenas um detalhe”, afirma o advogado Rildo Marques, do Centro Santo Dias de Direitos Humanos. Em junho, J. encontrou o neto com hematomas nos braços e nas pernas. Ele é um dos 16 internos que apanharam na Unidade 28 da Fundação Casa (antiga Febem paulista). “Tinha menino com o pé quebrado, com pontos na cabeça, com o dedo decepado”, diz J.
O relato dessa senhora, de 62 anos, foi confirmado à ISTOÉ por mães de outros três internos. A instituição, no entanto, não admite tamanha violência. “Há indícios de que o tumulto foi iniciado pelos adolescentes e que houve excesso de alguns funcionários. Estamos apurando”, alega Jadir Pires de Borba, corregedor da fundação. “Houve confronto. Há adolescentes com escoriações e ferimentos na cabeça, mas nenhum com fraturas ou dedo decepado.” Seis funcionários foram atendidos no pronto-socorro. Desde 2005, 77 servidores da instituição foram demitidos por justa causa em decorrência de agressões e maus-tratos.
A tortura física pode deixar marcas visíveis. A psicológica, não. J., 26 anos, passou 2010 no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté. Dependente de crack e inserido num quadro que a ciência chama de “borderline” – um distúrbio em que o indivíduo apresenta sintomas inerentes a qualquer ser humano, mas com uma intensidade que o afasta do eixo da normalidade – ele foi internado após roubar um celular e ser considerado pela Justiça paulista incapaz de responder por seus atos.
Na companhia da mãe, J. contou que ficava trancafiado na cela 20 horas por dia e que não recebeu tratamento médico. “Minha mãe pediu para o pessoal do hospital não me dar prestobarba, porque eu me cortava. Mesmo assim, eles davam. Uma vez, avisei a um funcionário que eu estava surtando e que ia me cortar. Ele me falou para esperar o turno dele acabar e passar a lâmina no pescoço”, diz o rapaz. “Fizeram alguma coisa na minha cabeça. Sai pior do que entrei. A psicóloga falava que minha mãe estava contra mim.” Contatada por ISTOÉ, a SAP não se manifestou.
O Subcomitê da ONU encontrará histórias escabrosas. A sequência de torturas praticadas por policiais no Rio de Janeiro levou parlamentares a tomar uma providência inédita no Brasil. O deputado Marcelo Freixo (PSOL) criou, através de lei, o Comitê de Prevenção à Tortura no Estado para monitorar delegacias, presídios, unidades socioeducativas e manicômios. “A ditadura militar acabou, mas a tortura continua”, garante Freixo. Não faltam exemplos. Em março, T., 42 anos, foi agredido durante três horas numa delegacia da capital fluminense. “Queriam que eu confessasse que era parceiro de um traficante”, afirma. “Eram cinco policiais me batendo e me xingando. Davam socos e tapas. Tentaram me chutar no rosto, mas me protegi com as mãos e fiquei com os dedos machucados. Um deles pegou um alicate, apertou e puxou meu pênis”. Diante da dor insuportável, T. assinou a confissão. Cinco policiais que o agrediram chegaram a ficar 15 dias presos.
Assim como outras vítimas entrevistadas para esta reportagem, T. preferiu manter o anonimato porque teme pela própria segurança e de familiares. Indaiá Moreira, 43 anos, não. Ela percorre os tribunais fluminenses em busca de Justiça desde 2009. O filho dela, Vinicius, morreu 20 dias depois de ser preso. “Torturaram e mataram meu filho dentro da delegacia”, conta Indaiá. Vinicius, 20 anos, tinha um ferimento subcutâneo na cabeça, o que lhe causou um coágulo, e marcas de queimaduras de cigarro pelo corpo. Indaiá recebeu uma indenização de R$ 50 mil porque o Estado reconheceu que falhou na guarda de Vinicius, pego numa tentativa de assalto. “Não me interessa o dinheiro, quero que os responsáveis pela morte dele sejam punidos”, sentencia Indaiá. “Sei que vai ser difícil, mas vou lutar até o fim.”

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Choque de classes

Folha de S. Paulo, 15 de julho de 2011.


MOISÉS NAÍM

Choque de classes



Principais fontes dos conflitos atuais não se originam do choque de civilizações, mas das expectativas frustradas


A teoria do "choque de civilizações", popularizada por Samuel Huntington, reza que, uma vez esgotado o conflito entre comunismo e capitalismo, os principais conflitos internacionais ocorrerão entre países com identidades culturais e religiosas diferentes. Muitos pensaram que o terrorismo islâmico e as guerras no Afeganistão e Iraque confirmavam essa teoria. Mas os conflitos têm se dado mais no interior de civilizações que entre elas.
Devotos terroristas islâmicos assassinam mais inocentes muçulmanos que quaisquer outros. E o conflito entre xiitas e sunitas continua a produzir vítimas -quase todas muçulmanas.
Uma das principais fontes de conflitos destes tempos não guarda relação com choques entre civilizações, mas com expectativas frustradas. Os conflitos têm se originado cada vez mais pelo fato de que, em certas partes do mundo, a classe média cresce, enquanto em outras partes ela se reduz. As frustrações de ambas terão fortes repercussões políticas internas e internacionais. Os países pobres de crescimento econômico acelerado hoje têm a classe média mais numerosa de sua história. É o caso de Brasil e Gana, China e Chile, Índia e Indonésia.
Estas novas classes médias não são tão prósperas quanto as dos países ricos, mas têm níveis de renda sem precedentes. Enquanto isso, em países como Espanha, França e Estados Unidos, a renda da classe média está em declínio. Em 5 milhões de famílias espanholas, todos os membros em idade economicamente ativa estão desempregados. Apenas 8% dos franceses opinam que seus filhos terão vida melhor que a deles. Em 2007, 43% dos americanos diziam que seu salário era o suficiente apenas para chegarem ao fim do mês. Hoje, 61% afirmam estar nessa situação.
As classes médias que crescem rapidamente geram tanta instabilidade política quanto aquelas que decrescem. As aspirações insatisfeitas da classe média chinesa ou brasileira são tão politicamente inflamáveis quanto a nova insegurança econômica da classe média que está deixando de sê-lo no mundo desenvolvido.
Isso não significa que a classe média de um país vá se engalfinhar com a classe média de outro. Significa que os respectivos governos estarão submetidos a pressões enormes ou para satisfazer as aspirações crescentes da nova classe média ou para proteger a classe média que já existe. Políticos nos países avançados aproveitaram a situação para declarar que a decadência da classe média se deve ao crescimento de outros países. Que os empregos perdidos nos EUA ou na Europa, ou os salários estagnados, devem-se à China, à Índia ou ao Brasil.
Isso não é verdade. A deterioração da classe média nos países desenvolvidos se deve às mudanças tecnológicas e a outros fatores domésticos, e não ao crescimento dos emergentes.
Já nos países pobres, a nova classe média vai rapidamente exigir mais e melhores escolas, água, hospitais, transportes e todo tipo de serviços públicos.
Não existe governo no mundo que atenda a essas exigências na mesma velocidade em que elas se produzem. A instabilidade política provocada por esse abismo já é visível em muitos países.
As consequências internacionais ainda não são tão evidentes. Mas serão.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

"Bico" maior que o salário?

O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 2011.
O ''bico'' e os salários dos PMs


Editorial


Aconteceu o que se temia com a Operação Delegada, pela qual policiais militares (PMs) executam serviços para a Prefeitura da capital paulista em horário de folga e recebem por isto uma gratificação, também conhecida como "bico oficial", em contraste como o "bico" informal, feito para particulares, que o comando da Polícia Militar sempre combateu. Um aumento de 60% naquela gratificação, constante de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal, a tornará superior ao salário dos PMs, uma situação que levanta sérios problemas.
Quando essa Operação foi lançada em dezembro de 2009, com base em convênio assinado pela Prefeitura e o governo do Estado, seu objetivo era bem preciso e limitado - o combate aos camelôs. Como explicou o comandante-geral da PM, coronel Alvaro Camilo, o camelô desrespeitava o fiscal e o guarda civil metropolitano, que só podiam autuá-lo por cometer uma infração administrativa, que não o amedrontava. Com os PMs a situação mudou, porque o camelô sabe que, se enfrentar o policial, pode ser preso por desacato.
Os resultados obtidos na Rua 25 de Março - que tinha a maior concentração de camelôs da cidade e onde a Operação Delegada começou - foram tão bons que ela foi sendo estendida a várias outras regiões com forte presença do comércio ambulante. Pela primeira vez em décadas de tentativas frustradas de livrar a cidade desse comércio ilegal, a população voltou a poder circular livremente pelas áreas antes ocupadas pelos camelôs.
Os dados sobre a melhoria da segurança também impressionam. Dados referentes ao período de 2 de dezembro de 2009 até 30 daquele mês, comparados aos de igual período de 2008 e 2009, mostram uma importante redução de vários crimes na Rua 25 de Março: de 70,56% de furtos, de 58,95% de roubos em geral, de 66,67% de furtos de carga e de 100% de roubos de carga. Hoje, os PMs da Operação Delegada estão presentes em 13 vias e praças da cidade, entre elas a Avenida Paulista, com resultados semelhantes.
Esse êxito fez a Prefeitura perder a noção dos limites de uma operação como essa, na qual foram incluídos outros setores, como meio ambiente e saúde. No primeiro, os PMs participam do combate aos invasores de áreas de proteção ambiental e, no segundo, bombeiros atuam no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Hoje, há mais de 4 mil PMs nesse programa. Foi dada à Operação Delegada uma amplitude que desvirtua sua natureza. Ela só tinha sentido para o combate a um problema específico, com efetivo reduzido e tempo limitado de duração. E o governo do Estado, que quer levar a Operação Delegada para 15 municípios do interior, está cometendo o mesmo erro.
A Prefeitura e o governo do Estado não perceberam que o "bico oficial", por ser a rigor uma anomalia, só pode ser admitido como exceção. A sua disseminação e o fato de a gratificação exceder o salário dos PMs indicam que ele já extrapolou os limites estreitos da exceção, e que a tendência é de que a escalada continue. Essa gratificação está se incorporando, de fato, ao salário dos PMs e, se ela for retirada pela Prefeitura, é fácil imaginar o problema que se criará. E isto acontecerá, ou porque o sucessor de Kassab pode não ter a mesma opinião dele sobre a Operação Delegada ou porque o "bico oficial" em algum momento terá cumprido seu papel.
O "bico", oficial ou não, é sintoma de um problema grave - a baixa remuneração dos policiais paulistas, sejam eles soldados, cabos e sargentos da PM, sejam investigadores da Polícia Civil. Ele está se transformando num expediente perigoso para fugir da necessidade imperiosa de dar salários dignos a esses profissionais, dos quais depende a segurança da população.
É preciso considerar ainda outro aspecto preocupante do "bico". Ele sobrecarrega os PMs, que para ganhar essa remuneração extra trabalham no horário de folga, o que prejudica sua saúde e seu desempenho. Foi isso que o comando da PM sempre alegou para combater o "bico" ilegal e que vale também - por que não ? - para o "oficial".

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Disfuncional

Folha de S. Paulo, 13 de julho de 2011.

ANTONIO DELFIM NETTO

Disfuncional


Recentes eventos mostram a gigantesca disfuncionalidade a que estão sendo levadas as administrações públicas federal, estaduais e municipais, com os votos no Congresso, nas Assembleias e nas Câmaras Municipais sendo obtidos em troca do "aparelhamento" da máquina estatal por apaniguados nem sempre competentes e honoráveis.
A competição entre os partidos leva à generalização e ao aprofundamento do processo, com a consequente banalização e a tolerância com o mau comportamento.
O partido que mais "aparelha" acaba recebendo mais financiamento (não declarado) e prepara-se, assim, para aumentar a sua participação nos próximos pleitos, em detrimento dos que não conseguiram a "mão gorda".
Isso é ainda mais visível, desde a instituição da reeleição, nos municípios que não são capitais. O poder incumbente leva para o Executivo vereadores eleitos à custa de benefícios e favores concedidos e recebidos pelo domínio da máquina pública.
Uma vez eleitos, voltam para o Executivo como "secretários" e deixam nas Câmaras seus suplentes, fragilizando o Poder Legislativo. Com duas eleições, dominam a imprensa local e se perpetuam no poder, por meio de mulheres, filhos e "tutti quanti". O grave é que, com o controle da imprensa local, as revelações de corrupção (mesmo comprovadas) exercem pequena influência nos resultados das eleições. É muito pouco provável que essa situação possa melhorar com as propostas de financiamento público e de lista fechada. O poder incumbente, que é maioria, vai receber maior verba pública e, sendo o poder concedente, terá ainda maior suporte do famoso "caixa dois". Trata-se de mecanismo que se autorreforçará, tornando cada vez mais difícil a administração pública.
Do aparente "presidencialismo imperial" comprado a preço de ouro, como vimos na aprovação da emenda da reeleição, estamos evoluindo na direção de um "parlamentarismo irresponsável"...
A solução para o problema está sendo procurada no lugar errado. Ela não está na reforma eleitoral, mas na autorreforma do Executivo (Constituição Federal, artigo 84, VI, a).
É preciso radicalizar a profissionalização do serviço público com concursos transparentes e honestos, e promover apenas pelo mérito. Além disso, reduzir o incrível número de "cargos de confiança" e diminuir os graus de liberdade dos ministros. Escolhidos livremente pela Presidência, ditarão obviamente a "política do ministério".
Poderão levar consigo três ou quatro assessores de confiança, mas, na sua execução, deverão aproveitar os valores do seu próprio funcionalismo.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Jarbas Passarinho e a Anisitia

Correio Braziliense 12 de junho de 2011.

Revisitando a anistia

Jarbas Passarinho
Coronel reformado, foi governador, senador e ministro de Estado.

Em outubro de 1978 o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 11, revogando todas as medidas de exceção, a começar pelo AI-5. Todas as liberdades fundamentais voltavam a viger. O governo decidira preceder a anistia da reforma partidária acabando o bipartidarismo. Leonel Brizola, não conseguindo dominar o PTB, criou o PDT. Miguel Arraes voltou à mesma grei emedebista. Os comunistas, sem partido legal, infiltraram-se no MDB. Líder do presidente João Figueiredo, coube-me defender o projeto de lei da anistia, que abrangia crimes conexos, não especificados, mas sabidamente tortura e terrorismo. A oposição apresentou um substitutivo do MDB, encabeçado pelo deputado Ulysses Guimarães. Surpreendentemente, só anistiava cassados pelos atos institucionais, o que significava não anistiar, entre outros, Leonel Brizola, Carlos Prestes e Miguel Arraes, cassados antes da edição do ato institucional. Teria sido intencional?
A sessão do Congresso foi marcada pela agressão desmedida das galerias. Rejeitado o substitutivo e aprovado por maioria o projeto de lei, a oposição aceitou o resultado com a exceção dos radicais. Carlos Prestes, em entrevista, rejeitou a anistia e advertiu: "De um momento para outro, se houver uma explosão popular no Brasil, os comunistas têm o dever de preparar as massas para empunhar as armas". Miguel Arraes, também em entrevista, perguntado por que não concordava com a conciliação nacional, respondeu: "Conciliação nacional para manter o que está aí?".
Esse quadro põe em evidência como, 40 e poucos anos passados, os quadros partidários praticamente mantêm a conduta que os dominava em 1979. A maioria aceitou contribuir para a consolidação da família brasileira e aderiu à democracia representativa. Quanto aos comunistas, não. Em 1951, Prestes já enfrentava dissidências. O PCdoB, um dos herdeiros do PCB, fundado em 1962, faz lembrar a advertência de Prestes, ainda que dele apartado no tocante à preferência pela luta armada. Deu-se mal com a Guerrilha do Araguaia e guarda a rejeição à anistia. Impinge a versão de que os guerrilheiros lutavam "pela democracia contra a ditadura desalmada que esmagou jovens inexperientes, combatidos por profissionais treinados para matar". Duas vezes mentira. Guerrilheiros sinceros desmentem as falácias. Firmaram desmentidos publicamente.
Marxistas, reiteram que lutaram pela ditadura do proletariado e foram treinados para guerrilha em Cuba, ponta de lança da União Soviética, e antes, na China de Mao Tsé-tung, ainda sendo presidente João Goulart. É fato que os jovens universitários da Guerrilha do Araguaia compunham 46% do efetivo dos quadros combatentes cooptados por velhos doutrinadores do marxismo e 2% de operários (Guerrilha do Araguaia. Relato de um combatente — Lício Maciel, Editora Corifeu). Mocidade fascinada pela paixão revolucionária de que nos fala François Furet no seu belo livro O passado de uma ilusão. Paixão que dominou o século 20, com o viés ideológico. A vitória dos aliados em 1945 levou a União Soviética à condição de segunda superpotência mundial. Foi quando a paixão revolucionária se transformou na paixão comunista, em que os intelectuais foram a ponta de lança da propaganda comunista.
Vencida a guerrilha em 1975, legitimados os partidos comunistas, recorreu à via pacífica. Minoria inexpressiva numericamente na Câmara dos Deputados, adere aos presidentes da República, desde o governo FHC, e vem ocupando a Secretaria de Direitos Humanos, com status de ministro de Estado. Sua obstinação é tentar anular a Lei da Anistia. O Supremo considerou inepta a ação impetrada e manteve a vigência da lei que ampara os crimes conexos. Alimentada pelo rancor dos perdedores que não reconhecem a duplicidade dos abusos na luta armada, certamente só aceitam da anistia o que lhes favoreceu: a anistia aos terroristas. Argumentam que os guerrilheiros e terroristas foram julgados pelo STM e até perderam a vida. Falacioso o argumento. Primeiro, porque nenhum deles foi preso depois de anistiados. Segundo, porque, ao fim de 1979, já não haveria um único preso por motivação política. Receberam vultosas indenizações por terem perdido a guerra.
Não se nega a tortura, não porém como a prática institucional dos países totalitários. Como negar se o abuso é citado no texto da Lei de Anistia como crime conexo com o terrorismo? Com o terrorismo, repito. Se há vítimas sobreviventes de ocorrência de tortura, até hoje nos altos postos da vida pública, como não levar em conta as pessoas inocentes mortas na chacina do atentado do aeroporto de Recife? E as assassinadas, para servirem de exemplo e escarmento, inclusive nos "justiçamentos" para evitar deserções? As mortas até por engano e as mortas por assalto aos hospitais para roubar armamento? Para esses e seus dependentes não houve indenizações. Morreram no cumprimento de seus deveres.

Justiça Militar e civis

O Globo 12 de junho de 2011.

Moradores do Alemão acusados de desacato
 

Militares do Exército foram xingados e agredidos em favelas
Vera Araújo

As tropas do Exército, que ocupam desde dezembro os complexos do Alemão e Vila Cruzeiro, vêm enfrentando resistência por parte de alguns moradores. A história é quase sempre a mesma: uma pessoa se recusa a ser revistada, xinga ou mesmo agride os militares. Resultado: o caso vai parar na delegacia, sendo registrado como desacato, desobediência à ordem legal de autoridade militar ou resistência mediante ameaça ou violência à prisão. Por conta disso, a Procuradoria de Justiça Militar no Rio (PJM) ofereceu ontem nove denúncias contra moradores.
A Força de Pacificação tem como objetivo preservar a ordem pública na região, ocupada a pedido do governo do estado, com o apoio de PMs, coordenados pelo Exército. Além das revistas, os militares fazem patrulhamento e prisões.
Para alguns promotores e procuradores, a presença permanente dos militares e as revistas têm gerado o descontentamento de parte da população, que considera as ações uma restrição à liberdade. A maioria das situações ocorreu de madrugada, durante abordagens comuns. Quando há tumulto, os militares fazem uso de spray de pimenta e de disparos de munição não letal (bala de borracha)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Inspeção estatisticamente insignificante nos contêiners

Correio Braziliense, 10 de julho de 2011.
Tráfico de armas por via marítima


Segundo a Polícia Federal, quadrilhas têm escolhido os portos de Santos e de Paranaguá, onde apenas 1% dos contêineres são escaneados, e trazem preferencialmente artefatos de grande porte
Edson Luiz
A Polícia Federal (PF) detectou um novo modelo de tráfico de armas. Grande parte dos armamentos que entram ou saem do país ilegalmente passam agora por via marítima. Hoje, apenas 1% dos contêineres inspecionados nos portos de Santos e Paranaguá são escaneados pela PF, o que facilita o embarque ou desvios de armamentos estrangeiros. Diagnóstico realizado pela área de inteligência do órgão mostra também que as armas que chegam ao Brasil para abastecer o crime organizado não é mais o mesmo: são velhas, usadas e muitas são desviadas das forças armadas de países da América Latina. Nas apreensões realizadas recentemente, há até artefatos utilizados na guerra das Malvinas.
Segundo os levantamentos da PF, a maior parte das armas que entram no país são de grande porte. O diretor de Combate ao Crime Organizado, Oslain Campos Santana, afirma que a intenção dos criminosos é usar os armamentos em roubo a bancos, carros fortes e resgate de presos, principalmente. Além disso, a PF detectou que muitas quadrilhas estão utilizando armas velhas, como os fuzis AK-47, um dos mais comuns nas guerras étnicas na África e no Leste Europeu. A razão atribuída a isso é o aumento dos preços. Um fuzil M-16, por exemplo, passou de R$ 5 mil para R$ 20 mil em poucos anos. O mercado escasso incentivou a criação de quadrilhas especializadas em aluguel de armas pesadas para outros bandos.
De acordo com o delegado, as rotas marítimas preocupam hoje tanto quanto as terrestres. No mapa traçado pela Polícia Federal começam a aparecer os portos de Paranaguá, no Paraná, e de Santos, em São Paulo, onde a própria PF admite que a fiscalização é falha. A inspeção dos contêineres que seguem ou chegam do exterior é por amostragem, e, com o aumento do comércio exterior, a proporção do que é examinado tem diminuído. No mês passado, a PF conseguiu apreender 140 quilos de cocaína que estavam prensadas em portas exportadas para a África.
Outra preocupação em relação ao tráfico de armas é o Lago Itaipu, no Paraná, por onde entram os chamados formiguinhas: pessoas que trazem para o território brasileiro armas de pequeno porte ou acessórios dos artefatos, que são montados no país.
No Norte do país, as armas entram pela Colômbia, pela Bolívia e pelo Suriname, onde a fiscalização é precária por causa da extensão da fronteira. Os armamentos passam pelas fronteiras do Amapá, do Acre, do Amazonas e de Rondônia. A PF chegou a apreender, recentemente, fuzis calibre .30, pertencentes às Forças Armadas bolivianas. Na fronteira Sul, a entrada dos artefatos é pela Argentina, de onde vêm pistolas Bersa, granadas e armas utilizadas durante a Guerra das Malvinas, conflito entre o país sul-americano e o Reino Unido, ocorrido em 1982. O Paraguai é uma das rotas mais comuns.
Para a PF, a dificuldade na comercialização modificou as atividades dos traficantes de armas, que estão se voltando para a droga. Segundo dados de inteligência da PF, quem negocia com armamentos são pessoas especializadas e que conhecem o material. Além disso, a investigação em torno dessas quadrilhas é difícil, já que os traficantes usam modos de atuação diferenciados e, ao contrário do que ocorreu com o tráfico de drogas, as atividades não são contínuas. O comércio ilegal não apenas atinge os artefatos de grande porte, mas também as de calibre baixo, como pistolas e revólveres. Nesse caso, o tráfico é feito com armas brasileiras, que seguem para o exterior e retornam ao país de forma clandestina.
Hoje, o Brasil figura na segunda colocação, entre 57 países, no ranking do número de mortes causadas por armas de fogo. Levantamentos de organizações não governamentais e do próprio governo confirmam que a maior parte dos óbitos são ocasionados por artefatos de baixo calibre, de origem nacional e que foram objetos de desvios.
Fronteira vulnerável
De onde vêm as armas que chegam ao Brasil por terrra
Colômbia
as armas podem entrar por Letícia, na fronteira com o estado do Amazonas, ou por meio dos rios ao longo da floresta.
Suriname
Os armamentos entram no país pelo Pará ou Amapá. As densas florestas facilitam o tráfico.
Paraguai
São vários os locais por onde entram armas contrabandeadas. Cuidad del Leste e Pedro Juan Caballero são as principais cidades paraguaias no Sul do país; na fronteira com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, há milhares de estradas vicinais.
Bolívia
As armas podem entrar por Guayara-Merin, na fronteira com Rondônia, ou por Cobija, que faz divisa com o Acre.
Argentina
Os armamentos chegam a vários estados próximos à fronteira, principalmente na cidade gaúcha de Uruguaiana.
 

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Justiça de Transição

O Estado de S. Paulo, 7 de julho de 2011.


''Comissão não pode substituir a Justiça''


Relator especial da ONU participa hoje de evento que vai discutir a criação de uma Comissão da Verdade no Brasil
Jamil Chade, Correspondente / Genebra
ENTREVISTA
Juan Méndez, relator especial da ONU Contra Tortura
O Brasil não pode criar uma comissão de verdade para lidar com o passado da ditadura na esperança de que isso seja um substituto para a Justiça. A avaliação é Juan Méndez, relator especial da ONU Contra Tortura. Em entrevista ao Estado, Méndez admite que existe, no Brasil, uma resistência a tratar do passado. Mas apela para que o governo não se deixe "chantagear". O relator participa hoje, em Brasília, de evento promovido pelo Ministério da Justiça para falar sobre a criação da Comissão da Verdade, uma das promessas de campanha de Dilma Rousseff.
No Cone Sul, há uma tendência de julgar crimes cometidos na ditadura. O que significa politicamente essa movimentação?
Há uma obrigação judicial muito clara no cenário internacional. Mas também se justifica por razões morais e políticas. No sentido moral, esses crimes são tão graves e tão contrários à noção de humanidade que as sociedades não podem deixá-los na impunidade. Também porque as sociedades devem às vítimas um reconhecimento que só se pode obter por meio do processo e castigo dos responsáveis.
Qual seria a vantagem política de conduzir esses processos?
Para poder sair da memória das ditaduras e construir uma sociedade democrática, há que se restabelecer o Estado de direito. E isso não se faz na base do esquecimento, da ignorância e de pretender que não ocorreu nada.

Como se explica que o Brasil foi o único que não lidou com seu passado na região?
Na verdade, todos os países da região têm um déficit no que se refere à luta contra a impunidade. Mesmo nos países que foram mais longe, como a Argentina e Chile, tudo ocorreu muito lentamente. A situação no Brasil se ressalta porque se fez muito pouco. Se tivesse enfrentado seu passado com honestidade e com franqueza, poderia ser exemplo para o mundo.
O sr. vê alguma chance de o Brasil lidar com seu passado?
A necessidade de Justiça e verdade não desaparece, mesmo depois de todos esses anos. O tema voltou para a agenda agora porque, quanto mais direitos se dá a uma sociedade, mais ela vai exigir saber da verdade e que o legado do passado seja resolvido. Resistências sempre existem e são de grupos com poder. Acredito que alguns setores democráticos se deixam chantagear por esses setores residuais, mas que ainda têm poder. É uma obrigação dos governos democráticos não se deixar chantagear. Se esse processo tivesse ocorrido já há anos no Brasil, as vozes que defendem o indefensável estariam mais quietas.
Faz algum sentido ter uma comissão de verdade mais de 25 anos depois dos crimes?
Essas comissões são sempre importantes. O que me parece ruim é quando elas são concebidas como uma alternativa à Justiça. Em muitos países, foi justamente assim que elas foram criadas. Sempre é importante que essas comissões existam. Mas, claro, sempre que elas não signifiquem uma desculpa para que não haja justiça.
Qual seria o impacto político se o Brasil decidisse julgar os crimes?
O Brasil só tem a ganhar. Todas as nossas sociedades só se consolidam como democracias quando honram a Justiça e a verdade. Obviamente que esse não é o único fator que conta na qualidade de uma democracia. Mas seu peso é grande. Como vamos ter instituições legítimas se as cortes não tocam de fatos nos poderosos? Ninguém aceitaria que as cortes dessem anistia a quem roubou. Então como é que podemos aceitar que deem impunidade àqueles que mataram e torturaram?
QUEM É
Prisioneiro de consciência na Argentina nos anos 70, exilou-se nos EUA. Em 2004, tornou-se representante da ONU para a prevenção do genocídio. É professor da American University, em Washington.
 

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Alta fragmentação de legislaturas no Brasil

Base de dados do Michael Gallagher (disponível em http://www.tcd.ie/Political_Science/staff/michael_gallagher/ElSystems/Docts/ElectionIndices.pdf) que tem dados sobre a fragmentação de legislaturas saídas de 900 eleições. Pelo mesmo o Brasil (2010) só perde para a Polonia (1991). Mas, o Brasil de 2011, talvez, já seja a legislatura mais fragmentada da história da democracia desde 1945

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Brazil risks tumbling from boom to bust

Brazil risks tumbling from boom to bust

By Paul Marshall and Amit Rajpal

Financial Times

Last updated: July 4, 2011 12:46 pm
http://www.ft.com/cms/s/0/3186742e-a24e-11e0-bb06-00144feabdc0.html#ixzz1R9ETTzkf

Back in February, in an earlier Insight column, we highlighted the major build up of consumer debt at extremely high rates of interest, putting a significant cash flow burden on the repayment capacity of borrowers.
Since then, the situation has deteriorated further. Pressures are building in the Brazilian credit cycle.


The average rate of interest on consumer lending has jumped from 41 per cent in 2010 to 47 per cent most recently in May 2011. This rise from an already elevated level reflects the cumulative effect of tightening by the Brazilian central bank in order to contain inflation.

The consumer debt service burden, which stood at 24 per cent of disposable income in 2010, is now slated to rise to 28 per cent in 2011.

This compares with 16 per cent for an “overburdened” US consumer and a mid-single digit reading for other emerging markets such as China and India.

In short, the cash flow burden is astronomical and rising.

We calculate that the debt service burden for the so-called “middle class” in Brazil has now breached 50 per cent of disposable income, as high income earners have little need to borrow at rates which are punitive and most of the consumer credit is therefore being directed to the “middle class” for consumption.

The strain is already evident among the smaller banks, which are finding it difficult to access funding. The central bank has now rescued or taken over three banks in distress over the past six months.

Meanwhile, delinquencies in Brazil (defaults in excess of 15 days) have begun to move up rapidly, from 7.8 per cent to 9.1 per cent of total loans between December 2010 and May 2011. Delinquencies are now rising at a very hectic rate. They have risen at 23 per cent in the first five months of this year in absolute terms or at an annualised rate of 55 per cent.
This is troubling as credit indicators have deteriorated even as the economy has stayed strong and the unemployment rates are at a record low.

Normally credit indicators cyclically follow (read lag) the economic cycle. When they begin to deteriorate before any economic weakness it usually represents a structural problem relating to underlying cash flow or underwriting weakness in the quality of credit – Brazil has both problems.

Over time as the economy weakens this is only likely to exacerbate weakness in the domestic credit cycle and could potentially create a fully fledged credit crisis.

Ultimately, Brazil needs to restructure the way it dispenses credit to consumers. More of the lending needs to be collateralised (ie housing related).

And the infrastructure to support credit expansion needs to be put in place, via a credit bureau which is able to share “positive” data (before a customer default) across the industry.

More strategically, we believe the country has to build a higher savings rate and reduce cross subsidies to bring down the cost of credit to levels which are less punitive than currently both in nominal and, more importantly, real (adjusted for inflation) terms.

Brazil has a national savings rate which was 17 per cent for 2010 (this includes savings by consumers, corporates and the government). This compares with a developed market average of 19 per cent and is significantly lower than an emerging market average of 32 per cent.

Hence, if Brazil is to grow to its “potential”, it has to build a reasonable stock of savings which allows it to invest as the economy grows without creating bottlenecks and inflationary pressures that exist as a growth constraint today.
These three basic foundations (ie the right level of collateralisation, the right infrastructure to support credit extension and the right level of lending rates) need to be in place to create a self-sustaining positive cycle.
Without these buildings blocks we are afraid that Brazil will be exposed to significant boom-bust cycles. Unfortunately, we are currently at risk of transitioning from a boom to bust.

The markets seem to be taking cognisance of these factors gradually with the Bovespa index now down 10 per cent since the start of 2011 in local currency terms, making it among the worst performing markets globally.
Despite this, most analysts and investors still seem to be sanguine about the prospects for Brazil. The disconnect will be answered one way or the other before the end of this year.

Paul Marshall is chief investment officer at Marshall Wace and co-manager of the Eureka Fund. The piece was co-authored by Amit Rajpal, portfolio manager of MW Global Financials Funds