sexta-feira, 8 de julho de 2011

Justiça de Transição

O Estado de S. Paulo, 7 de julho de 2011.


''Comissão não pode substituir a Justiça''


Relator especial da ONU participa hoje de evento que vai discutir a criação de uma Comissão da Verdade no Brasil
Jamil Chade, Correspondente / Genebra
ENTREVISTA
Juan Méndez, relator especial da ONU Contra Tortura
O Brasil não pode criar uma comissão de verdade para lidar com o passado da ditadura na esperança de que isso seja um substituto para a Justiça. A avaliação é Juan Méndez, relator especial da ONU Contra Tortura. Em entrevista ao Estado, Méndez admite que existe, no Brasil, uma resistência a tratar do passado. Mas apela para que o governo não se deixe "chantagear". O relator participa hoje, em Brasília, de evento promovido pelo Ministério da Justiça para falar sobre a criação da Comissão da Verdade, uma das promessas de campanha de Dilma Rousseff.
No Cone Sul, há uma tendência de julgar crimes cometidos na ditadura. O que significa politicamente essa movimentação?
Há uma obrigação judicial muito clara no cenário internacional. Mas também se justifica por razões morais e políticas. No sentido moral, esses crimes são tão graves e tão contrários à noção de humanidade que as sociedades não podem deixá-los na impunidade. Também porque as sociedades devem às vítimas um reconhecimento que só se pode obter por meio do processo e castigo dos responsáveis.
Qual seria a vantagem política de conduzir esses processos?
Para poder sair da memória das ditaduras e construir uma sociedade democrática, há que se restabelecer o Estado de direito. E isso não se faz na base do esquecimento, da ignorância e de pretender que não ocorreu nada.

Como se explica que o Brasil foi o único que não lidou com seu passado na região?
Na verdade, todos os países da região têm um déficit no que se refere à luta contra a impunidade. Mesmo nos países que foram mais longe, como a Argentina e Chile, tudo ocorreu muito lentamente. A situação no Brasil se ressalta porque se fez muito pouco. Se tivesse enfrentado seu passado com honestidade e com franqueza, poderia ser exemplo para o mundo.
O sr. vê alguma chance de o Brasil lidar com seu passado?
A necessidade de Justiça e verdade não desaparece, mesmo depois de todos esses anos. O tema voltou para a agenda agora porque, quanto mais direitos se dá a uma sociedade, mais ela vai exigir saber da verdade e que o legado do passado seja resolvido. Resistências sempre existem e são de grupos com poder. Acredito que alguns setores democráticos se deixam chantagear por esses setores residuais, mas que ainda têm poder. É uma obrigação dos governos democráticos não se deixar chantagear. Se esse processo tivesse ocorrido já há anos no Brasil, as vozes que defendem o indefensável estariam mais quietas.
Faz algum sentido ter uma comissão de verdade mais de 25 anos depois dos crimes?
Essas comissões são sempre importantes. O que me parece ruim é quando elas são concebidas como uma alternativa à Justiça. Em muitos países, foi justamente assim que elas foram criadas. Sempre é importante que essas comissões existam. Mas, claro, sempre que elas não signifiquem uma desculpa para que não haja justiça.
Qual seria o impacto político se o Brasil decidisse julgar os crimes?
O Brasil só tem a ganhar. Todas as nossas sociedades só se consolidam como democracias quando honram a Justiça e a verdade. Obviamente que esse não é o único fator que conta na qualidade de uma democracia. Mas seu peso é grande. Como vamos ter instituições legítimas se as cortes não tocam de fatos nos poderosos? Ninguém aceitaria que as cortes dessem anistia a quem roubou. Então como é que podemos aceitar que deem impunidade àqueles que mataram e torturaram?
QUEM É
Prisioneiro de consciência na Argentina nos anos 70, exilou-se nos EUA. Em 2004, tornou-se representante da ONU para a prevenção do genocídio. É professor da American University, em Washington.
 

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