sábado, 28 de julho de 2012

A PM deve ser extinta?: visões distintas


Folha de S. Paulo, 28 de julho de 2012.
Renato Sérgio de Lima
TENDÊNCIAS/DEBATES
A Polícia Militar deveria ser extinta?
não
Reforma e controle, não extinção
O debate sobre a extinção das polícias militares reabre, mais uma vez, a ferida do colapso da segurança pública no Brasil.
De um problema social de primeira grandeza, a segurança teima em ser relegada à condição de pária político, da qual grande parcela dos políticos procura manter uma distância regulamentar ou, se a assume em seus discursos, é para explorá-la a partir do culto ao ódio ou do medo da população.
Afinal, a violência urbana persiste como um dos mais graves problemas sociais no Brasil, totalizando mais de 800 mil vítimas fatais nos últimos 15 anos.
Nosso sistema é caro, ineficiente, capacita e paga mal os policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial.
Em suma, não conseguimos oferecer serviços de qualidade e, com isso, reforçamos a perversa desigualdade social do país.
É fato que a história recente da segurança pública no Brasil tem sido marcada por demandas acumuladas e mudanças incompletas. Ganhos, como a redução entre 2000 e 2011 dos homicídios em São Paulo, tendem a perder força, na medida em que não há normas técnicas, regras de conduta ou padrões capazes de modificar culturas organizacionais ainda baseadas na defesa do Estado e não da sociedade.
As instituições policiais e de justiça criminal não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas. Avanços eventuais no aparato policial e reformas na legislação penal têm se revelado insuficientes para reduzir a incidência da violência urbana, numa forte evidência da falta de coordenação e controle.
Por isso, falar em extinção das polícias militares reduz essas questões a um jogo truncado por defesas corporativas e agendas técnica e politicamente enviesadas e parciais, que podem, mesmo que involuntariamente, mais contribuir para a manutenção do atual quadro do que para transformá-lo.
Resultados perenes só podem ser obtidos mediante reformas estruturais do sistema de segurança pública e da Justiça criminal, bem como do efetivo comprometimento político dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Essas reformas devem envolver a construção de um verdadeiro Sistema Único de Segurança Pública no Brasil, que tem de:
- Atualizar a distribuição e a articulação de competências entre União, Estados e Municípios;
- Criar mecanismos efetivos de cooperação entre eles;
- Reformar o modelo policial estabelecido pela Constituição para promover a sua maior eficiência;
- E estabelecer requisitos mínimos nacionais para as instituições de segurança pública no que diz respeito à formação dos profissionais, à prestação de contas, ao uso da força e ao controle externo.
É em torno dessa agenda que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública propôs a criação de uma comissão de especialistas para subsidiar mudanças legislativas necessárias à sua viabilização, bem como a articulação de um novo pacto republicano de Poderes para a efetivação prática dessas mudanças.
STF, CNJ, governadores e presidenta da República também têm um papel político que supera em muito os aspectos técnicos e gerenciais envolvidos.
Tal agenda é capaz de surtir efeitos muito maiores do que a extinção de uma ou de outra polícia.
Se, para Hannah Arendt, a violência aniquila a política, manter o nosso atual modelo de segurança pública significa a nossa capitulação frente ao medo, a insegurança e a vontade de vingança.
RENATO SÉRGIO DE LIMA, 42, doutor em sociologia pela USP, é membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Ruy Braga e Ana Luiza Figueiredo 

TENDÊNCIAS/DEBATES
A Polícia Militar deveria ser extinta?
sim
Treinamento bélico, violência sistemática
No final de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a extinção da Polícia Militar no Brasil. Com isso, um tema emerge: é possível garantir a segurança da população sem o recurso à violência militar? Entendemos que sim.
No entanto, para que isso aconteça é preciso desnaturalizar o discurso populista de direita a respeito das "classes perigosas" que credita a violência à população pobre das cidades.
Antes de tudo, devemos reconhecer que a violência urbana é uma questão de ordem socioeconômica. Exatamente por isso, para combatermos a criminalidade a contento é necessário uma abordagem que priorize o desenvolvimento de políticas sociais capazes de enfrentar a pobreza e a degradação social.
Mas, como vimos recentemente no Pinheirinho, na cracolândia ou na USP, o Estado brasileiro sustenta há décadas uma política de militarização dos conflitos sociais.
As razões para isso deitam raízes profundas em nossa história recente: o modelo policial brasileiro foi estruturado durante a ditadura militar se apoiando na ideologia da segurança nacional.
O núcleo racional dessa doutrina, vale lembrar, afirmava que o principal inimigo do Estado encontrava-se no interior das fronteiras brasileiras. Rapidamente, o inimigo interno se confundiu com a própria população pobre do país.
O decreto-lei 667, de 2 de julho de 1969, atribuiu ao Ministério do Exército o controle e a coordenação das polícias militares por intermédio do Estado-Maior do Exército. O comando geral das polícias militares passou a ser exercido por oficiais superiores do Exército subordinados, hierárquica e operacionalmente, ao Estado-Maior do Exército.
Os policiais militares se submeteram então a uma Justiça especial, muito rigorosa quando se trata de infrações disciplinares, mas absolutamente condescendente com os crimes contra a população.
A despeito da redemocratização da década de 1980, a estrutura policial continuou a mesma, ou seja, prioritariamente orientada para a defesa daqueles interesses classistas que deram origem à ditadura.
Na verdade, uma polícia criada para o enfrentamento bélico não pode promover senão a violência sistemática contra os setores mais explorados e dominados dos trabalhadores brasileiros: a população pauperizada, os negros, os homossexuais e toda sorte de excluídos.
Enquanto dez cidadãos em cada cem mil habitantes tombam vítimas da violência urbana no Alto dos Pinheiros (bairro nobre da região sudoeste da cidade), 222 são mortos no Jardim Ângela (zona sul da cidade, próxima ao Capão Redondo, considerada a terceira região mais violenta do mundo).
Esse dado serve para derrubar a tese diligentemente construída por setores conservadores da sociedade paulistana: a elite a maior vítima da violência urbana.
O processo de redemocratização da sociedade brasileira trouxe para a ordem do dia a questão da desmilitarização da polícia. Entendemos que, igualmente, o corpo de bombeiros deveria ser parte de um sistema articulado de defesa civil, recebendo um salário digno, uma formação adequada e conquistando o direito à sindicalização.
Em suma, tanto a polícia quanto o Judiciário deveriam estar a serviço da segurança das famílias trabalhadoras. Em vez de se balizarem pelo arbítrio dos dominantes, deveriam prestar contas aos sindicatos, às associações de moradores e às entidades de direitos humanos.
A desmilitarização da polícia é uma exigência democrática sem a qual, 25 anos depois, a sociedade brasileira ainda não terá superado a ditadura.
RUY BRAGA, 40, doutor em ciências sociais pela Unicamp, é professor de sociologia da USP
ANA LUIZA FIGUEIREDO, 43, é diretora da Federação Nacional do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe).

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Junho teve 14 mortes ao dia em São Paulo

Folha de S. Paulo, 26 de julho de 2012.

Junho teve 14 mortes ao dia em São Paulo
No acumulado do 1º semestre de 2012, homicídios cresceram 8% no Estado em relação ao mesmo período de 2011
Na capital, aumento foi de 22% nos primeiros seis meses deste ano; roubos e estupros também tiveram alta ANDRÉ CARAMANTE
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO

Com uma média de 14 mortes por dia, junho foi o período mais violento no Estado de São Paulo nos últimos 18 meses, quando a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) passou a divulgar dados mensais sobre a criminalidade.
A violência no mês passado fez com que o índice de homicídios nos seis primeiros meses deste ano ficasse 8% acima do primeiro semestre de 2011. Na capital, o aumento foi de 22% no período.
Outros índices da criminalidade, como roubos, também subiram. Estupro, por exemplo, teve mais 966 casos neste primeiro semestre, o que aponta aumento de 18%.
Nos 30 dias de junho, 434 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos (intencionais) no Estado. No mesmo mês de 2011, foram 324 -uma média diária de dez mortos.
A expectativa de que junho fosse um dos meses mais violentos dos últimos tempos já havia sido antecipada na edição de domingo pela Folha.
Ontem, os dados oficiais confirmaram o aumento de assassinatos: na capital, foram 122 casos de homicídios, com 134 mortos (já que há ocorrências com mais de uma vítima, como em chacinas). O aumento foi de 47%.
ESCALADA DA VIOLÊNCIA
Na última segunda-feira, ao falar sobre a morte do italiano Tommaso Lotto, durante uma tentativa de roubo no Itaim Bibi, o secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, disse que ela fazia parte de "uma escalada da violência".
Anteontem, em entrevista, o governador Geraldo Alckmin disse não ter dúvida de que os indicadores da criminalidade irão cair.
A alta das mortes na capital no mês passado coincidiu com o período no qual oito PMs de folga foram mortos em crimes com características de encomendados e com suspeita de ligação com o grupo criminoso PCC (Primeiro Comando da Capital).
No mesmo período, cinco bases da PM foram atacadas e 15 ônibus, incendiados.
O aumento dos homicídios em junho também foi constatado nas 38 cidades que, ao lado da capital, formam a região metropolitana: foram 95 casos no mês passado, ante 75 em junho de 2011 (26,7% de crescimento).
A alta no total de vítimas desses casos é ainda maior: foram 76 mortos em junho de 2011 contra 118 no mês passado -aumento de 55%.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Folha de S. Paulo, 23 de julho de 2012.

Editorial

Mapa da violência
Levantamento sugere que morte violenta de jovens está associada à urbanização precária e à ausência de políticas públicas específicas
De 1981 a 2010, 176.044 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil. Neste período, o chamado país do futuro registrou, em média, 16 pessoas com até 19 anos de idade mortas a cada dia.
A média diária ajuda a dimensionar o tamanho da tragédia, mas oculta um dado ainda mais alarmante. O número de homicídios nessa faixa etária é proporcionalmente maior atualmente do que foi no passado.
Em 1980, a taxa de assassinatos de crianças e adolescentes era de 3,1 por 100 mil. Essa quantia cresceu constantemente ao longo do tempo e, em 2010, chegou a 13,8. O aumento de quase 350% em três décadas coloca o Brasil num desolador quarto lugar entre 99 países.
Os dados constam do "Mapa da Violência 2012 - Crianças e Adolescentes no Brasil", pesquisa que evidencia a penúria das políticas de segurança para essa faixa etária.
Nas três décadas consideradas pelo estudo, as mortes naturais nesse grupo populacional caíram de forma acentuada: em 2010, a taxa representava menos de 25% da observada em 1980.
Com as curvas de mortes naturais e homicídios avançando em direções opostas, a participação dos assassinatos no total de óbitos de crianças e adolescentes saltou de 0,7% para 11,5%.
Especialistas tendem a afirmar que o crescimento de mortes violentas resulta de uma série de fatores que se manifestam de forma desigual nas regiões do país.
É verdade que as estatísticas evoluem de modo irregular entre os Estados, mas se repetem alguns padrões. Por exemplo, entre as seis capitais com as maiores taxas, cinco são do Nordeste. E São Paulo e Rio de Janeiro, que uma década atrás estavam entre os Estados mais violentos, melhoraram.
Conjugadas, as constatações sugerem que a urbanização crescente e desordenada sob impulso de surtos econômicos tende a provocar desequilíbrios que se traduzem na segregação espacial de comunidades inteiras. A melhoria de indicadores econômicos, portanto, não basta para diminuir o número de homicídios.
Sem políticas públicas adequadas, muitos jovens acabam buscando em gangues ou no crime uma forma perversa de inserção social. Com armas de fogo à mão, assassinatos nessa faixa etária são um resultado quase incontornável.
Interromper essa equação lúgubre requer investimentos em ações dirigidas aos jovens. Estudos dos EUA sugerem que ações preventivas, como supervisão escolar frequente, geram economia de até 90% do que se gastaria sem elas.
A falta de investimentos dessa natureza indica que, como em tantos outros casos, também neste o Brasil está despreparado para o próprio crescimento.

sábado, 21 de julho de 2012

A erosão do sistema partidário


O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 2012-- editorial

A erosão do sistema partidário 

Se havia necessidade de mais alguma prova da desmoralização do sistema político-partidário brasileiro, a criação do Partido Ecológico Nacional (PEN) resolveu o problema.
A nova agremiação política, que obteve seu registro há um mês no Tribunal Superior Eleitoral, buscava adesões entre parlamentares que desejavam mudar de partido - o prazo final para essa transição era o dia 19 passado, e o PEN havia tido pouco sucesso, com a filiação de um deputado federal e cerca de 30 estaduais. É, em resumo, mais um partido nanico a tomar dinheiro do contribuinte e a obter meios de barganha com tempo de TV.
A lei que dispõe sobre a criação de partidos diz que todas as legendas têm direito a um pedaço do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário. Ou seja: não há necessidade nem de ser bem votado para garantir o financiamento. Um partido nanico como o PRTB do notório Levy Fidelix, por exemplo, fez jus a mais de R$ 1,5 milhão no ano passado.
Ademais, se obtiver a votação mínima exigida para continuar a ter existência na Câmara dos Deputados, o partido ganha o direito de veicular, uma vez por semestre, em cadeia nacional de rádio e TV, um programa de 20 minutos. Também tem direito a um programa por semestre em cadeia estadual. A lei dá ainda aos partidos inserções de até 1 minuto em redes nacional e estadual, somando 40 minutos por semestre. É um patrimônio nada desprezível, considerando-se que a exposição na TV se tornou mais importante do que considerações programáticas - como provou o histórico aperto de mão entre o ex-presidente Lula e o ex-prefeito Paulo Maluf.
O PEN, portanto, fez um negócio de ocasião, recompensando o esforço pessoal de seu criador, o ex-deputado estadual paulista Adilson Barroso Oliveira. Ele chegou a incluir quatro irmãos, sua mulher e um filho no diretório nacional do partido, para "fazer número" e viabilizar a criação da legenda. Regularizado, o PEN, que terá o número 51 nas urnas a partir da eleição de 2014, agora começa a encerar o balcão onde pretende receber seus fregueses.
Em seu site, o partido diz que vai "preencher um espaço vazio no cenário político brasileiro" e que seus projetos "afastam-se do campo político para aproximarem-se do campo ecológico". O PEN também diz que ainda não decidiu se fará ou não oposição ao governo federal, mas parece claro que será mais um abrigo para insatisfeitos de partidos da oposição que planejam aderir à base de apoio de Dilma Rousseff.
É um discurso que emula o "idealismo" do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ao criar seu Partido Social Democrático (PSD), aquele que "não será nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". Mas as semelhanças acabam aí. Enquanto Kassab e congêneres almejam participar do Grande Jogo, os nanicos desejam apenas explorar as brechas do sistema para auferir ganhos de outra espécie. Nada que chegue perto do lucro do PP de Maluf, que desde seu embarque na candidatura de Fernando Haddad (PT) tornou-se o segundo partido com mais verbas destinadas pelo Executivo a projetos previstos no Orçamento. O PEN, certamente, será mais modesto.
Tudo isso seria quase nada se não refletisse a erosão do sistema político, que há anos clama por reformas. A lei de criação de partidos diz que eles devem destinar-se a "assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo". Com seu matagal de siglas e sua leniência jurídica, esse modelo parece ter se tornado refém de oportunistas, que exploram suas falhas e fazem pouco de suas leis - como mostram as autuações por propaganda eleitoral irregular, cujo valor é tão insignificante que os candidatos infringem sistematicamente as normas e pagam as multas como se fossem despesas correntes de campanha.
O PEN e seus assemelhados não são apenas galhofas inocentes. Eles são um dos sintomas da deliberada desestruturação institucional da democracia brasileira, com vista a manter um arremedo de representatividade que mal esconde projetos de perpetuação no poder de uns e a ganância de outros.


sexta-feira, 20 de julho de 2012

Procriação


O Estado de S. Paulo, 20 de julho de 2012.
Procriação
Dora Kramer

Tomando emprestada uma frase escrita por Marcelo Tas outro dia no Twitter, constatemos a evidência: o problema não é o número de partidos existentes no Brasil, mas o fato de que nenhum deles é de verdade.
Não se prestam à representação de correntes de pensamento nem à defesa de causas ou à disseminação de ideais presentes na sociedade e, por isso, não se pode dizer que sejam fracos. Simplesmente inexistem e, no entanto, proliferam-se.
Há um mês o Tribunal Superior Eleitoral concedeu registro à 30.ª agremiação partidária brasileira, o Partido Ecológico Nacional (PEN), cujo presidente é um ex-deputado estadual de São Paulo eleito com ínfimos votos pelo Prona.
Ele se apresenta sem uma única ideia na cabeça, mas com um plano muito objetivo nas mãos: filiar algo em torno de 30 deputados estaduais, a fim de ampliar seus domínios já fincados no Acre, na Paraíba - onde o PEN já filiou os presidentes das Assembleias Legislativas - e no Distrito Federal.
O referido dirigente, Adilson Barroso, rejeita "radicalismos". Não explica que tipo de concepção enquadraria no conceito e diz que definirá "depois" se o partido é governista ou oposicionista. Por via das dúvidas, trata logo de elogiar a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin.
Por enquanto, encerra a fase de caça a políticos com mandato um tanto decepcionado por ter conseguido a adesão de apenas um (o tucano Fernando Francischini) dos 12 deputados federais "comprometidos" com ele.
Por compromisso entenda-se a chance de trocar de partido sem o risco da perda do mandato. Mas, lamenta o presidente, infelizmente ele não é "prefeito de uma grande cidade" e não conseguiu arregimentar correligionários da proporção de um Gilberto Kassab e seu PSD de cerca de 50 deputados.
Persistente, Barroso irá atrás de Marina Silva na esperança de que a ex-ministra do Meio Ambiente sirva de adereço verde à denominação ecológica da nova legenda. Um "sonhático".
Nessa altura o leitor pode estar se perguntando por qual razão perde-se tempo aqui com o PEN.
Não é perda de tempo. É ganho de informação sobre o que se passa no quadro partidário do País, cuja desqualificação recebeu gentil contribuição da Justiça quando da concessão ao PSD de tempo de televisão e acesso ao fundo partidário, contrariando a letra da lei.
Tanto a legislação eleitoral quanto a que regula o fundo dizem que os benefícios são devidos a partidos conforme o tamanho das bancadas conquistadas na última eleição.
O PSD não atendia a esse pressuposto, pois não existia em 2010. Ainda assim, ganhou por alegada imposição da "realidade".
Realidade esta que acabará se impondo como incentivo à procriação quantitativa de partidos sem a necessária correspondência qualitativa.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O caso Herzog e a Lei da Anistia

Folha de S. Paulo, 19 de julho de 2012.

José Roberto Batochio
O caso Herzog e a Lei da Anistia

O debate está longe de acabar. Atestado de morte e certidão de óbito são sabiamente falsos em seu conteúdo. A anistia não cala as perguntas não respondidas
"Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram."
Aparício Torelly, o Barão de Itararé
Falsificar atestado médico ou certidão de óbito é crime contra a fé pública, com previsão legal específica (artigo 302 do Código Penal), assim como a falsidade ideológica (299), com conceituação genérica.
O Estado brasileiro praticou essas condutas delituosas -ou, em direito penal, seus agentes- ao atestar que Vladimir Herzog se suicidou no DOI-Codi de São Paulo, em 1975.
Até as pedras sabem que sua morte decorreu das torturas que ali lhe foram infligidas. O governador na época, Paulo Egydio Martins, acaba de declarar, no programa de TV "Dossiê Globo News": "Não houve suicídio, Herzog foi assassinado".
A contradição basta para manter aceso o debate sobre o alcance e a eficácia da Lei da Anistia (6.683/79), que usou a teoria do "crime conexo" para declarar impuníveis "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política".
Teriam sido anistiados, por isso, agentes públicos que torturaram, fizeram desaparecer ou mataram "terroristas" entre 2/9/1961 e 15/8/1979, embora a citada lei não beneficiasse ativistas políticos que já haviam sido "condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal".
Recentemente, quatro entidades representaram à Comissão de Direitos Humanos da OEA, reclamando investigação sobre as circunstâncias da morte do jornalista, para identificar e punir os responsáveis.
Chamado às falas, o governo brasileiro respondeu que o episódio está encerrado, em função da Lei da Anistia. Registre-se que, em 1978, a União foi civilmente responsabilizada pela morte de Herzog, em histórica sentença do juiz Márcio José de Moraes. A perplexidade, todavia, persiste na esfera criminal.
Nesse cenário, é imperioso encontrar um meio de, preservado o espírito da lei, esclarecer os fatos, para que eles possam ser levados ao patamar do definitivo esquecimento jurídico. A lei não pode coonestar, porém, a ignomínia de impedir pessoas de saberem o que aconteceu com o parente morto quando sob custódia do Estado.
Inaceitável, ainda, que seja imposta à família a patranha de que ele "suicidou" -e, nesse caso, avulta o fator religioso, pois Herzog era judeu, e o judaísmo recrimina o suicídio, sepultando em local separado os que se matam, conquanto neste caso o rabino Henry Sobel tenha, corajosamente, repudiado a versão do DOI-Codi e seguido, nos funerais, os ritos traçados nos cânones de sua fé.
O debate se prolonga e está longe de ser encerrado. E alonga-se também porque emergem aspectos acessórios, que sobrelevam os principais. No caso Herzog, o aspecto acessório que retornou ao debate é o problema do atestado (qual a causa mortis?), assinado por um legista, diretor do Instituto Médico Legal, e da certidão de óbito, expedida por cartório civil. Os documentos, teoricamente dotados de fé pública, são sabidamente falsos no conteúdo.
Há pouco, por solicitação de deputado federal interessado em aprofundar a pesquisa, requeri cópia autêntica do laudo necroscópico de Herzog. Nunca recebi o documento, apesar da Lei de Acesso à Informação.
Como se vê, o assunto não é tão singelo como querem alguns. Eis um caso em que a solução apresentada não equaciona o problema, antes o posterga, com perguntas que não querem calar.
Uma delas é esta: devem cruzar os braços o Estado, a sociedade e, sobretudo, a família do jornalista diante de situação em que, como observou Rui Barbosa, o "acessório usurpa definitivamente o domínio do principal"?
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, 68, é advogado criminal. Foi presidente nacional da OAB (entre 1993 e 1995) e deputado federal pelo PDT (de 1998 a 2002)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Epidemia de homicídios


O Globo, 18 de julho de 2012.
Epidemia de homicídios
No Brasil, em 30 anos, taxa de assassinatos de crianças e adolescentes cresce 346%
André de Souza
As chances de uma criança ou adolescente brasileiro morrer assassinado são maiores hoje do que eram há 30 anos, colocando o país na quarta pior colocação numa comparação com outros 91 países. Em 1980, a taxa de homicídios na população entre zero e 19 anos era de 3,1 para cada 100 mil pessoas. Pulou para 7,7 em 1990, chegou a 11,9 em 2000 e alcançou 13,8 em 2010. Um crescimento de 346,4% em três décadas, em contraste com a mortalidade provocada por problemas de saúde, que teve queda acentuada. Quando considerada toda a população, a taxa de homicídios em 2010 foi de 27 por 100 mil habitantes. Considera-se que há uma epidemia de homicídios quando a taxa fica acima de 10 por 100 mil.
No Brasil, em 2010, 8.686 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio. De 1981 a 2010, o país perdeu 176.044 pessoas com 19 anos ou menos dessa forma. Meninos representam em torno de 90% do total.
Os números são do estudo "Mapa da Violência 2012 - Crianças e Adolescentes do Brasil", do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de Estudos sobre a Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Brasil. Além dos assassinatos, o estudo analisou as mortes violentas causadas por fatores externos, dividindo-as em cinco grupos: homicídios, acidentes de transporte, outros acidentes, suicídios e outras violências. Em 2010, de todas as mortes violentas de crianças e adolescentes, 43,3% foram homicídios; 27,2% acidentes de transporte; 19,7% outros acidentes.
Alagoas: estado com mais homicídios
Em 1980, 16.457 crianças e adolescentes morreram de uma dessas cinco causas, de um total de 244.942 óbitos verificados na faixa etária do zero aos 19 anos. Desde então, mesmo quando o número absoluto de mortes violentas diminuiu, seu peso no total de óbitos só aumentou. Em 1980, eram 6,71% de todas as mortes. Vinte anos depois, em 2010, o índice alcançou 26,48% (20.048 de 75.708). Se desconsiderados os bebês com menos de um ano de idade, as mortes violentas foram responsáveis por mais da metade dos óbitos - 53,2% - em 2010.
O aumento mais acentuado - tanto na taxa de todas as causas externas quanto na de homicídios - ocorreu na década de 1980. Nos anos 90, houve desaceleração, mas ainda assim cresceu. Entre 2000 e 2010, a taxa de causas externas diminuiu, atingindo seu menor índice em 2006, mas desde então voltou a crescer. Os homicídios caíram no começo da última década, mas voltaram a aumentar, superando em 2010 a taxa observada dez anos antes. Em 1980, representavam 0,7% de todas as mortes de crianças e adolescentes. Em 2010, foram responsáveis por 11,5%.
Entre os estados, o que proporcionalmente mais teve crianças e adolescentes assassinados em 2010 foi Alagoas, com uma taxa de 34,8 por 100 mil. O estado era o décimo em 2000, quando a taxa era de 10,1 por 100 mil. Enquanto Alagoas passou da décima para a primeira posição, o Rio fez o caminho inverso. O estado tinha a pior taxa em 2000 - 25,9 por 100 mil - e em 2010 era o décimo pior, tendo caído 33,3%, para 17,2 assassinados a cada 100 mil.
A maior queda na taxa de homicídios foi em São Paulo: 76,1% entre 2000 e 2010. Além de Rio e SP, Pernambuco, Distrito Federal, Roraima e Mato Grosso do Sul caíram. O estudo levou em conta 523 municípios que, segundo o Censo 2010, têm população com mais de 20 mil pessoas de zero aos 19 anos.
Para Julio Jacobo há uma interligação de fatores que ajuda a explicar o aumento. Ele lembra que em 2000 foi implantado o Plano Nacional de Segurança Pública, que concentrou seus investimentos nos maiores polos de violência. Mas novos polos surgiram:
- Surgiram polos no interior e em outros estados sem recursos financeiros e sem tradição das polícias para o enfrentamento da criminalidade.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Milicias controlam redutos eleitorais

O Globo, 16 de julho de 2012.

Eleições 2012 - Milícias ainda controlam redutos eleitorais no Rio

TRE cria força-tarefa, com polícias e Exército, para combater quadrilhas na campanha

Investigações da Secretaria de Segurança do Rio já identificaram a atuação de milicianos para se beneficiarem dos seus domínios territoriais na recém-iniciada campanha eleitoral. As ações vão de cobrança de pedágio aos que querem fazer campanha nessas áreas à proibição do ingresso de determinados candidatos. As denúncias sobre a atuação desses grupos criminosos, principalmente na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, já começam a chegar ao Tribunal Regional Eleitoral. Para combater a ação das milícias em currais eleitorais, o presidente do TRE-RJ, Luiz Zveiter, criou uma força-tarefa, composta por representantes da Secretaria de Segurança, da Polícia Federal, do Comando Militar do Leste e da Polícia Rodoviária Federal. A primeira reunião do grupo acontece amanhã e, em pauta, estarão as ameaças relatadas por candidatos a prefeito e a vereador.