terça-feira, 17 de maio de 2011

Crime Organizado Internacional

www.folha.com.br   17 maio 2011

Paraguai é escritório do PCC e do CV, diz adido da PF

FERNANDA ODILLA
DE BRASÍLIA
Adido da Polícia Federal no Paraguai desde 2009, o delegado Antônio Celso dos Santos define o território paraguaio como "um escritório" do PCC e do Comando Vermelho, que se instalaram no país vizinho e associaram-se a criminosos locais para eliminar intermediários no tráfico de drogas e armas.
"Se sou criminoso e procuro um lugar para trabalhar, vou para um lugar com pouca polícia, onde a chance de ficar preso é pequena, que tenha grande mobilidade e esteja perto do meu mercado consumidor. É o Paraguai."
Ele afirma os cortes orçamentários já afetam a parceria entre Brasil e Paraguai, em especial as operações de erradicação das plantações de maconha. Para o delegado que tem a elucidação do assalto ao Banco Central no Ceará no currículo, "com pouco dinheiro dá para fazer muita coisa" no combate ao crime. "Desde que fosse as pessoas que estão vivenciando aquilo que dissessem como gastar".
Folha - Como é hoje a atuação do crime organizado brasileiro no território paraguaio?
Antônio Celso dos Santos -As grandes agremiações criminosas viram que teriam de ter representantes dentro do país produtor ou pelo menos no território onde trafegam as drogas e as armas, que é o caso do Paraguai. De uns anos para cá, eles estão se organizando para eliminar os intermediários e comandar toda a parte do tráfico no atacado. Deixariam de ser simples consumidores, compradores e distribuidores dessa droga no Brasil, mas os donos do mercado.
O sr. definiria o Paraguai como uma filial do crime organizado?
Diria que é um campo muito fértil para ações criminosas. Se eu sou criminoso e procuro um lugar para trabalhar, entre aspas, vou para um lugar com pouca polícia, onde minha chance de ficar preso é pequena, que eu tenha grande mobilidade e esteja perto do meu mercado consumidor. É o Paraguai.
Pelo o que está falando é o Paraguai é uma sucursal do crime organizado... um escritório?
Escritório, tudo bem. Sucursal dá a impressão de que as pessoas daqui estariam colaborando fortemente. O Paraguai tem intenção de combater, só que as características geográficas facilitam para os traficantes. Eles adotaram o Paraguai como um dos melhores locais para instalação de seus escritórios. Aqui há facilidade e corrupção policial como em qualquer lugar. Hoje, se um bandido quer crescer, tem que ter condições favoráveis, e o Paraguai oferece.
Quais são os grupos brasileiros que atuam no Paraguai?
Basicamente, PCC e Comando Vermelho. Além do CV, aquelas subfacções como ADA (Amigos dos Amigos) etc. O PCC está na região de Pedro Juan Caballero e Salto del Guaira. Já o Comando Vermelho está mais em baixo, na região de Capitán Bado, que era uma área usada pelo pessoal ligado ao Fernandinho Beira-Mar.
Hoje em dia, 90% dos presos em Pedro Juan são do PCC. Você começa a perceber um escritório do crime organizado deles ali. Aqui é a base logística de fornecimento. Como se fosse uma empresa de transporte, tem um escritório administrativo, em São Paulo e a base de distribuição aqui.
Por isso o Paraguai deve ter tratamento prioritário?
Desde que eu entrei na polícia, ouço dizer que a droga sai do Paraguai, que a arma passa pelo Paraguai. Agora piorou muito. A gente no Brasil está acostumado a ficar muito no discurso e pouco na prática. Vejo falando que se pretende gastar R$ 500 milhões [com patrulhamento] na fronteira, com 20% disso você faria um trabalho muito maior e mais eficaz. Mas desde que fosse as pessoas que entendem e estão vivenciando aquilo ali que dissessem como gastar. Quando vem um tecnocrata que não manja nada... A gente percebe aqui que com pouco dinheiro dá para fazer muita coisa.
Seria exatamente o quê? Inteligência e monitoramento?
Quando você fala em monitoramento, parece que é escuta telefônica. Não é só isso. Hoje temos grande dificuldade das autoridades de fronteira do lado do Paraguai conseguirem informações do lado brasileiro e vice versa. E os criminosos acabam aproveitando.
A forma de resolver é muito simples: com um acordo de cooperação formal para facilitar trâmite de informações, desburocratizar e manter contato direto. Você observa que é tão simples, mas porque não acontece? Porque depois disso tudo é levado para Brasília, para os grandes centros, e ficam naquela enorme discussão teórica. Cai no esquecimento.
Como funciona e quanto custa a parceria entre Paraguai e Brasil?
Nossa parceria prevê ações de capacitação, treinamento e ações operacionais conjuntas [com a Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai]. O Departamento de Polícia Federal se compromete a arcar com os custos.
Na operação Aliança, a Senad entra com pessoal, equipamentos e nós entramos com combustível e mão de obra para o corte e queima da droga. Em cada ação de erradicação de maconha gasta-se no máximo R$ 120 mil e são destruídas 200 toneladas da planta a ser colhida. Se deixássemos essa quantidade entrar no Brasil, nem gastando bilhões conseguiríamos apreender tudo isso.
Para isso, é preciso de acordos de cooperação...
Exatamente. O Paraguai é muito receptivo. Sabe que ele também tem que contribuir porque essa maconha vai prioritariamente para o Brasil. Hoje, 80% da maconha que entra no Brasil vem do Paraguai.
Quanto ao orçamento, os cortes afetarão o trabalho no Paraguai?
Já estão afetando e muito. Gastos com diárias e passagens foram cortados. Para as ações de erradicação de maconha, não temos o dinheiro para o combustível dos helicópteros. Temos dificuldades até para as nossas aeronaves no Brasil.
Não podemos deixar de fazer. Optamos em aumentar a quantidade de carros, porque ainda nos restou um pouco de dinheiro para óleo diesel. Quando acabar, já não sei o que faremos.
Toneladas de maconha vão entrar no Brasil e aí, pronto, vai ficar por conta do Brasil correr atrás para apreender essas toneladas depois de pulverizadas no território nacional. Você já viu o que vai acontecer.

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