O Estado de S. Paulo, 1 de
novembro de 2012.
‘Democracia carece de
qualidade’, diz diretor do Nupps - USP
José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisas
em Políticas Públicas da USP, conta como concebeu a ideia de criar um acervo
digital sobre a corrupção
Laura
Greenhalgh, de O Estado de S. Paulo
Nome de
proa na ciência política da Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés
lançará em breve A desconfiança política e o seu impacto na democracia
(Edusp), fruto de pesquisa sobre a evolução da polícia e do Judiciário no
quadro institucional brasileiro. Dedica pelo menos quatro capítulos do livro à
análise da corrupção. Na entrevista a seguir, o professor conta como concebeu a
ideia de criar um acervo digital sobre o tema.
Marcio
Fernandes/Estadão
Corrupção
custa ao País R$ 10 bi ao ano, avalia Moisés
O que o
levou a investigar a qualidade da nossa democracia?
O Brasil
se consolidou, nos últimos 25 anos, como uma das maiores democracias de massas
do mundo. Ciclos eleitorais se sucedem normalmente, garantindo a alternância do
poder. Somos mais livres hoje, com direitos políticos e sociais mais
garantidos. Ainda assim, distorções continuam afetando o funcionamento da
democracia. O abuso do poder e a corrupção são os exemplos mais visíveis. A
competição eleitoral sob forte influência do poder econômico, dando origem ao
caixa 2, é outro aspecto a considerar. Mulheres ainda têm menos de 10% da
participação no parlamento e nos partidos. O executivo domina a agenda do
parlamento e este, por sua vez, encontra-se limitado em suas funções de
fiscalização e controle. Contabiliza-se 1 milhão de pessoas assassinadas no País
nos últimos 27 anos. E continuamos a ser um dos países mais desiguais do mundo.
Tudo isso mostra que temos democracia no Brasil, mas a sua qualidade está em
questão.
Qual
seria a amplitude da corrupção na sociedade brasileira?
Embora
esteja se consolidando no País um sistema mais rigoroso de fiscalização, como
demonstra a atuação do Ministério Público, da Polícia Federal, da
Controladoria-Geral da União e também do Supremo Tribunal Federal, a nossa
conclusão é a de que a corrupção perpassa todas as esferas da vida política e
administrativa no Brasil. Hoje calcula-se que o ônus anual da corrupção no País
esteja na casa dos R$ 10 bilhões. O que, por si só, já dá uma ideia das
políticas sociais que deixam de ser realizadas por causa disso.
Por que
montar uma Corrupteca a partir do Brasil?
Há tempos
vínhamos considerando que, para avaliar o impacto da corrupção na vida política
do País, seria necessário ampliar a base de conhecimento empírico do fenômeno.
Nas últimas décadas, os escândalos se sucederam, mas nem sempre a mídia e a
academia conseguiram acompanhar o desenvolvimento dos inúmeros casos, a sua
natureza, os processos judiciais e o seu desfecho. Na medida em que a corrupção
afeta, por exemplo, os investimentos do Estado em políticas públicas, é importante
saber o que aconteceu nos diferentes episódios, se houve condenações, se os
responsáveis estão devolvendo o dinheiro roubado, enfim, tudo isso é
fundamental para qualificar as escolhas do cidadão e assegurar que ninguém está
acima da lei. Por isso tivemos a ideia de criar uma ferramenta capaz de
municiar pesquisadores, jornalistas e formadores de opinião, com dados e
análises. Já existem exemplos de casos de corrupção no Brasil que passaram por
apuração, investigação, julgamento, condenação e resultaram no retorno de boa
parte dos recursos subtraídos, como aquele vinculado à construção de um
tribunal em São Paulo e o desvio de milhões do INSS, anos atrás. Mas em geral
não se sabe que tais casos foram apurados até o fim e que os desvios estão
sendo corrigidos. Fica sempre a impressão da impunidade total.
A
Corrupteca deverá ter ressonância fora do Brasil? Na América Latina, por
exemplo?
Sem
dúvida. Temos parceiros em outros países interessados nessa problemática, então
pretendemos desenvolver com eles abordagens comparativas. São parceiros da
Argentina, do Chile e do México.
nupps.usp.br/corrupteca
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