http://www.oabrj.org.br/detalheConteudo/499/Entrevista-do-jurista-alemao-Claus-Roxin-sobre-teoria-do-dominio-do-fato.html
Entrevista do jurista alemão Claus Roxin sobre
teoria do domínio do fato
Fonte:
redação da Tribuna do Advogado
A teoria
do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da Ação Penal 470.
Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve apresentação?
A teoria
do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a desenvolveu em
todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com cerca de 700 páginas.
Minha motivação foram os crimes cometidos à época do nacional-socialismo.
A
jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido
delitos pelas próprias mãos - por exemplo, o disparo contra judeus -, enquanto
sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser
responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato
organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também
deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da
época.
Teoria foi
aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo
Rafael Videla, assim como na responsabilização de Alberto Fujimori por crimes
cometidos durante seu governo
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De
início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi cada vez
mais aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo, grandes êxitos foram
obtidos, sobretudo na América do Sul, onde a teoria foi aplicada com sucesso no
processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla,
considerando seus integrantes autores, assim como na responsabilização do
ex-presidente peruano Alberto Fujimori por diversos crimes cometidos durante
seu governo.
Posteriormente,
o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso Superior
Tribunal de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar os casos de
crimes na Alemanha Oriental, especialmente as ordens para disparar contra
aqueles que tentassem fugir para a Alemanha Ocidental atravessando a fronteira
entre os dois países. A teoria também foi adotada pelo Tribunal Penal
Internacional e consta em seu estatuto.
Seria
possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de
um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a partir do entendimento
de que ele dominaria o fato típico por ocupar determinada posição hierárquica?
Não, de
forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização
qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os acontecimentos, ter
emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato.
O 'ter de saber' não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não
um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto
conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.
No caso
de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e homicídios que foram
realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do Peru exigiu as provas desses
fatos para condená-lo. No caso dos atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os
acusados foram os membros do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que
deram a ordem para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a
fronteira e fugir para a Alemanha Ocidental.
É
possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para fundamentar
a condenação por crimes supostamente praticados por dirigentes governamentais
em uma democracia?
Em
princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, onde é
possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro
deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à
criminalidade de agentes do Estado. O critério com que trabalho é a dissociação
do Direito (Rechtsgelöstheit). A característica de todos os
aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.
Em uma
democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo ilícito, as pessoas
têm o conhecimento de que poderão responder por isso. Somente em um regime
autoritário pode-se atuar com a certeza de que nada vai acontecer, com a
garantia da ditadura.
Entrevista
concedida à Tirbuna do Advogado de novembro.
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