Folha de S. Paulo, 12
de novembro de 2012.
Entrevista
Claus Roxin
Participação
no comando de esquema tem de ser provada
Um dos
responsáveis por teoria citada no julgamento do STF, jurista alemão diz que
juiz não deve ceder a clamor popular
Insatisfeito
com a jurisprudência alemã -que até meados dos anos 1960 via como participante,
e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a
ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu
estudar o tema.
Aprimorou
a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o
crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento
estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz
que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela
possa ter ocorrido.
Nas
últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal
Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim
Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
"Quem
ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser
provado", diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de
seminário sobre direito penal.
Folha - O
que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus
Roxin - O que
me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa
posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para
que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe,
como queria a doutrina da época.
Na época,
a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na
Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla,
presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a
teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de
pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao
STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte
Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre
1990 e 2000].
É
possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua
participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em
absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também
que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever
de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição
hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O
mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do
direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por
exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e
homicídios realizados.
A opinião
pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode
influenciar o juiz?
Na
Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o
clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que
isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião
pública.
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