segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mensalão: novas divergências



Folha de S. Paulo, 17 de novembro de 2012.
André Singer
Rever a pena

A rigor, seria preciso aguardar o fim da ação penal 470 para iniciar a análise de conjunto que o assunto requer. Se às autoridades cabe acatar os vereditos do STF, que para tanto é soberano, à opinião pública -ou o que dela resta em tempos de acelerada massificação- cumpre discutir com autonomia e desassombro as conclusões proferidas pelo tribunal.
No entanto, em face da inopinada inversão de pauta operada pelo relator, que resultou em sentença de alto impacto político na segunda-feira passada, impõe-se avaliar de imediato a pena de dez anos e dez meses aplicada a José Dirceu. Sobretudo pela desproporção deste ficar recluso pelo menos um ano e nove meses em penitenciária de segurança máxima.
O respeito ao Estado de direito garantiu ampla liberdade e independência ao procurador e aos juízes -assim como aos advogados de defesa, diga-se- no decurso dos trabalhos. Tal apego às regras, e também ao contraditório no andamento dos debates televisionados, conferiu legitimidade às decisões da corte. A dosimetria aplicada ao ex-chefe da Casa Civil, contudo, modificou a imagem projetada pelo Supremo.
Tendo inegável papel na história do PT, a prisão do ex-presidente da sigla atingirá o partido, ocasionando imagem forte para a posteridade. A suspeita que paira é se o exagero punitivo não mirou tal alvo, distorcendo, assim, a finalidade do processo. Isto é, se, no caso, os preceitos de equilíbrio e razoabilidade foram deixados de lado com o fito de ferir um símbolo partidário.
Note-se que a reclusão de Dirceu em regime fechado deriva da soma de duas acusações, a decorrente de corrupção ativa e a concernente à polêmica tese de formação de quadrilha. Caso tivesse sido condenado apenas pela primeira -ela própria objeto de disputa sobre a ausência de provas-, o líder petista teria direito à modalidade semiaberta.
Acresce que o debate sobre o segundo tema dividiu a corte. Não somente Lewandowski e Toffoli absolveram Dirceu, como também o fizeram, nesse tópico, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Esta última, que havia realizado o ataque mais duro à argumentação do caixa dois quinze dias antes, lembrou que quadrilheiros típicos eram Lampião e seu grupo, não os envolvidos na AP 470.
O confronto de 22 de outubro no plenário do STF mostrou o quanto, nas circunstâncias, há de duvidoso no su-posto crime de formação de quadrilha, o qual, todavia, gerou uma pena (no item) quase máxima para o acusado. Como o princípio do "in dubio pro reo" é fundamental no espírito da Justiça, que não é o de retaliar, mas o de garantir o acatamento da lei, faz-se necessário rever a punição imposta a José Dirceu.

Folha de S. Paulo, 19 de novembro de 2012.
Igor Gielow
Golpismo contra o STF

BRASÍLIA - Quem acompanhou os excruciantes debates do julgamento do mensalão, especialmente aqueles entre Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, sabe que a temperatura no Supremo Tribunal Federal irá elevar-se após a saída do zen Ayres Britto da presidência da corte.
Mas a gestão de Barbosa, que começa nesta semana, não terá sua estabilidade ameaçada apenas pelo temperamento mercurial do presidente, ou pelas brigas algo pueris entre senhores que se detestam. O perigo também vem de fora.
Defensores de réus têm obrigação de ir até o fim. O advogado de José Dirceu tem toda a legitimidade para tentar reduzir a pena do seu cliente.
Ele pode também ventilar que a teoria do domínio do fato foi deturpada e contratar o alemão que a formulou para tentar anular a condenação por formação de quadrilha -o que deixaria Dirceu "só" culpado por corrupção, mas fora do regime fechado.
Tudo bem que a chance de sucesso pareça remota. O próprio jurista teutônico só deu frases genéricas, que já viraram a seguinte "verdade" nas redes sociais e entre os "progressistas": Dirceu teria sido condenado sem provas. Isso é um disparate.
O problema é o corolário petista: o STF quis atingir o PT. E a tese não vem só dos hidrófobos de sempre, como os que elaboraram a perniciosa nota do partido sobre o caso.
Porta-voz de Lula à época do mensalão, o habitualmente cordato André Singer argumentou sábado em sua coluna nesta Folha, após constatar que a prisão de Dirceu manchará o PT, que "a suspeita que paira é se o exagero punitivo não mirou tal alvo [prejudicar o partido], distorcendo, assim, a finalidade do processo".
O Judiciário é falho, claro, e tem de ser objeto de escrutínio. Sua cúpula é formada por humanos, demasiadamente, como está explícito. Mas tentar imputar ao Supremo a pecha de tribunal de exceção é desrespeito institucional e, no limite, golpismo.

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