Poderes em desalinho
|
04 Nov 2012
| |
Tereza Cruvinel
Os
poderes devem ser independentes e também equipotentes, gostava de dizer
o ex-senador e ex-vice-presidente Marco Maciel, um estudioso das
formulações de Norberto Bobbio sobre o funcionamento da democracia. Mais
de 20 anos depois da restauração democrática, os poderes continuam
sendo formalmente independentes, mas, com alguma honestidade política e
intelectual, deve-se reconhecer que a equipotência vem sendo
gradualmente dissipada. E que o poder que se enfraquece é o Legislativo.
Ao mesmo tempo que perde apoio e credibilidade junto aos cidadãos, por
conta dos desvios individuais ou coletivos que desacreditam a
instituição, vai tendo suas atribuições expropriadas pelo Judiciário,
pelo Ministério Público e outros contra-poderes. Mas, diga-se também, o
próprio Congresso contribuiu para esta situação. Por anos, foi
complacente com práticas que minaram seu prestígio e permitiu que o
Judiciário avançasse sobre o papel de legislar através de interpretações
da Constituição e das leis.
Na
quinta-feira, o senador Fernando Collor fez um longo e contundente
discurso sobre o tema, que comportou novos ataques ao procurador-geral
da República, Roberto Gurgel, ante a revelação de que ele colheu um novo
depoimento de Marcos Valério, em segredo de Justiça, temporalmente
coincidente com a divulgação de um material pela revista Veja, que
parecia, mas não era uma entrevista. Foi atribuído a pessoa próxima de
Valério, que teria apontado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
como chefe do mensalão. A contenda de Collor com Gurgel vem da CPI do
Cachoeira, quando representou contra o procurador junto ao STF por não
ter formulado denúncia contra o ex-senador Demóstenes Torres e outros
envolvidos na Operação Vegas, da Polícia Federal, só o fazendo quando
estourou a Operação Monte Carlo. O STF arquivou a representação.
Mas,
afora os ataques a Gurgel, que acusou de transformar a Procuradoria
Geral da República numa cafua a serviço de interesses políticos, Collor
apontou problemas que resultam na perda da equipotência, embora não
tenha usado este termo. O esvaziamento do Legislativo é uma ameaça à
democracia, disse, ele, apontando a absorção, por outras esferas de
poder, das três funções precípuas do Legislativo: fiscalizar, legislar e
aprovar o Orçamento.
Em relação ao Orçamento, o Congresso recobrou com a Constituinte o poder de emendá-lo (suprimido pela Ditadura)
mas, de fato, não tem qualquer controle sobre sua execução, na medida
em que se trata de mera peça autorizativa. O governo executa o que bem
entende, segundo seu pendor fiscal. As emendas parlamentares são as
migalhas da mesa, e são liberadas segundo critérios de fidelidade. Com o
já dito aqui, depois do julgamento do mensalão, o STF poderá entender
que as emendas também são peculato ou vantagem indevida.
A
atividade fiscalizatória, disse Collor, vem sendo monopolizada pelo
Ministério Público, a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União
(CGU), a mídia e o Tribunal de Contas da União (TCU) — que é auxiliar do
Congresso, mas atua de forma independente. É mais um contra-poder. Na
tarefa de legislar, o Congresso foi permitindo que se instaurasse uma
situação em que o TSE legisla por instruções sobre eleições e o Supremo
sobre tudo, ao interpretar a Constituição. No julgamento do mensalão, 10
juízes discursam como "pais da pátria" sobre como deve funcionar a
democracia , que contou fundamentalmente com o Legislativo na construção
de seus alicerces e pilares. Ulysses Guimarães tinha uma frase para a
diferença entre o poder que emana do povo e o Judiciário: "O Supremo não
tem rampa".
Enquanto
isso, no outro vértice da Praça dos Três Poderes, um paradoxo marca o
Executivo. Trata-se, por um lado, de um poder prisioneiro do
presidencialismo de coalizão, obrigado a negociar a maioria com muitos e
variados partidos. Mas faz isso de forma imperial, jogando com a
pendência que os deputados têm dos favores federais para garantir suas
eleições. E usurpa, também, o poder de legislar, sufocando o Congresso
com medidas provisórias, não deixando espaço para a aprovação de leis de
iniciativa parlamentar.
Por tudo, realmente estão a desejar tanto a independência quanto a equipotência.
|
domingo, 4 de novembro de 2012
Poderes em desalinho
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário