Jogo de luzes e sombras
Revelado bloqueio de acesso a documentos da ditadura militar nos
ministérios, Planalto decide depositar papéis no Arquivo Nacional
A distância que separa as palavras dos atos que lhes são correspondentes, contudo, quase sempre é larga. No caso da Lei de Acesso, especialistas já diziam que, para se adaptar às novas regras de transparência, o país precisaria de mais do que os seis meses previstos pelo diploma legal.
Uma reportagem desta Folha, publicada no domingo, trouxe um claro exemplo dessa dificuldade. Mais de um ano após a lei ter sido sancionada pela presidente, pelo menos nove órgãos federais vinham criando empecilhos ao acesso a documentos produzidos por ministros de Estado durante a ditadura militar (1964-1985).
Ficavam fora do alcance imediato de pesquisadores avisos, memorandos, ofícios, exposições de motivos e telegramas produzidos por autoridades do regime militar, como os ministros das três Forças Armadas, da Fazenda e da Justiça.
Essa parte do acervo da ditadura tampouco estava sob guarida do Arquivo Nacional -como deveria- ou nas mãos da Comissão da Verdade -criada para investigar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988.
Sem que estivessem devidamente arquivados, os documentos localizados pela reportagem não estavam catalogados nem tinham o conteúdo descrito na maior parte dos casos. Não é pequena a dificuldade que essa situação cria para historiadores e jornalistas.
Ainda pior, alguns órgãos só permitiam que a pesquisa fosse feita em certos dias do mês. E, como regra, não há sala específica para a leitura dos papéis.
Dois casos eram particularmente preocupantes. O Comando do Exército não autorizou que seu arquivo fosse visitado, por se tratar de suposta "área de segurança"; e a Casa Civil informou que, por falta de tempo para analisar seus documentos, não permitiria o acesso.
O relato sobre tais obstáculos parece ter constrangido o governo. Ontem, o Planalto decidiu enviar ao Arquivo Nacional os milhares de papéis retidos pelos ministérios.
Ainda que a Presidência tenha atuado de forma reativa, não se pode deixar de reconhecer que a decisão representa um avanço. Apenas quando todo o material estiver à disposição do público, como determina a Lei de Acesso, o Brasil poderá conhecer melhor esse capítulo escuro de sua história recente.
Não se pode permitir que interesses corporativos, como os das Forças Armadas, ou meros esbirros burocráticos mantenham sombras sobre o passado do país.
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