A herança maldita, por Ruy Fabiano
Ruy FabianoA reeleição foi a verdadeira herança maldita da Era FHC, saboreada, no entanto, pelos sucessores como bendita e definitiva.
Desde então, nos três âmbitos em que se aplica – prefeituras, governos estaduais e presidência da república -, condiciona praticamente todos os atos de governança.
A síntese pode ser reducionista, mas é real: o primeiro mandato faz caixa para o segundo e este consiste em pagar o resto da conta e preparar a sucessão para um aliado.
Uma tragédia político-administrativa: em vez dos “50 anos em 5”, de Juscelino Kubitschek, temos algo como oito anos em um – é o tempo de relativa autonomia, sem condicionantes eleitorais, em que se pode ousar alguma coisa.
Dilma teve a infelicidade de, nesse período, ver-se obrigada a demitir, por denúncias de corrupção, nada menos que seis ministros. Lula lamentou, na ocasião, que estivesse sendo pautada pela mídia, mas esta apenas registrou fatos – e estes se encarregaram de impor seus primeiros atos.
O resultado é que a máquina do Estado, não habituada a trabalhar sob padrões estritamente técnicos, parou; licitações foram suspensas e a agenda de obras não foi cumprida. Dilma tornou-se mais refém ainda de sua base.
Passado esse período em que, em tese, poderia ser mais independente, começaram as articulações internas na base governista com vistas à sucessão. Nessa circunstância, o presidente (prefeito ou governador) age tendo em vista sua recondução. Eis então que o fisiologismo se exacerba.
A base se divide – ou forja uma divisão, o que dá no mesmo -, em face da sucessão. No caso presente, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, avisa que será candidato contra Dilma, provocando reações no aliado PT.
Campos pode não ser um candidato nacionalmente competitivo, mas faz um estrago na principal base eleitoral do lulismo, o Nordeste, que garantiu a eleição de Dilma.
A oposição, tão silenciosa em momentos mais graves, reage aderindo à pauta do governo, e lança seu candidato, o senador Aécio Neves, do PSDB. A independente Marina Silva, ex-ministra de Lula, funda um partido, a Rede, com o objetivo de se lançar candidata. Programas e doutrina são detalhes que não convém tratar agora – ou mesmo nunca. Generalidades são mais eficazes.
Lula, o presidente-adjunto (segundo FHC), percorre o país em plena campanha sucessória. Oficialmente, joga a favor de Dilma, a quem chamou há dias de “poste” – e de cujo governo se proclamou “articulador político” -, mas já advertiu que, se as circunstâncias o impuserem, não hesitará em atendê-las.
Leia-se: se a economia naufragar e Dilma perder as condições objetivas de reeleição, ele voltará a candidatar-se. De palanque, ele entende; de economia, não. Nesses termos, pouco importa que a máquina do Estado esteja parada. O importante é ocupar espaços, encenar um movimento.
O resultado, até aqui, é que a economia cresceu apenas 0,9% em 2012. É o pior desempenho desde 2009 (que já não foi grande coisa), segundo dados do IBGE, ontem divulgados.
Em 2011, ano da posse de Dilma, o PIB havia crescido 2,7%. Já no último trimestre do ano passado, crescera apenas 0,6% frente ao terceiro e 1,4% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Isso apesar de juros nos menores patamares históricos, crédito abundante e desoneração de tributos.
O senador Aloysio Ferreira (PSDB-SP) diz que o governo do PT está liquidando a herança bendita de FHC, a estabilidade econômica. É possível, mas a maldita, a reeleição, continua em alta.
A reforma política, que poderia bani-la, tornou-se tão vaga e etérea quanto as sílfides de Bourguereau – ou como as propostas de Marina Silva.
De concreto, aguarda-se a previsão de Joaquim Barbosa de que as sentenças do Mensalão serão cumpridas a partir de julho.
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