domingo, 10 de março de 2013

Direito ou obrigação?

 Correio Brasiliense, 10 de março de 2013;


Votar: direito ou obrigação?
10 Mar 2013

Tramitam no Congresso Nacional mais de 20 projetos que pretendem mudar a regra que obriga o eleitor a comparecer às urnas

Felipe Canêdo


Belo Horizonte É democrático que o voto universal, um direito constitucional conquistado a sangue e suor após longos anos sob um regime de exceção no Brasil, seja hoje uma obrigação para os cidadãos? Polêmica, a questão está longe de ser consenso entre políticos e estudiosos do mundo todo. No Congresso Nacional tramitam nada menos que 23 projetos que tratam da obrigatoriedade desse instrumento basilar da democracia representativa moderna. A maioria dos países que têm tradições eleitorais consolidadas adota o voto facultativo.
No Senado, há quatro projetos. Em 2011, a Comissão de Reforma Política rejeitou uma proposta que defendia o voto facultativo. Na Câmara, há 19 propostas em tramitação. A mais recente, do deputado Reguffe (PDT-DF), apresentada à Comissão de Reforma Política em 2011. “O voto facultativo é a alternativa mais democrática, mais justa. E, além disso, valoriza o ato de votar”, defende o parlamentar do DF.
O deputado mineiro Lincoln Portela (PR) é autor de uma proposta que defende a realização de um plebiscito nacional para decidir a questão. “Acho que o povo é que tem que decidir”, diz ele em defesa do projeto. Reguffe, no entanto, é pessimista quanto à possibilidade de aprovação da mudança. “Sou um entusiasta do voto facultativo. Apresentei 12 propostas para a reforma política, a do voto facultativo é uma delas. Mas acredito que a perspectiva de vê-la aprovada é pequena, porque muitos parlamentares têm resistência em mudar o sistema pelo qual foram eleitos. Às vezes, eles ficam mais preocupados com sua reeleição do que com grande problemas da sociedade”, avalia.
O novo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou em fevereiro que pretende colocar em votação a tão falada reforma política. O anúncio foi um dos primeiros compromissos assumidos por ele.

Plebiscito e transição

Lincoln Portela diz que, pessoalmente, é favorável ao voto facultativo. “Ele transformaria a eleição numa busca de votos diferente. O esforço do candidato passaria a ser no atacado, não no varejo”, compara. “De certa forma, na prática, o voto facultativo já existe, porque a multa (para quem não vota) é muito baixa. O que eu quero é legalizá-lo, através de um plebiscito. Quem não quer ir às urnas está dizendo o seguinte: não concordo com esse modelo vigente, não quero esse modelo.”
No ano passado, 16,4% dos eleitores não votaram no primeiro turno das eleições municipais; quase 8% dos votos foram anulados e houve 3,2% de votos em branco. A multa aplicada a quem não justifica ausência em eleições é de aproximadamente R$ 3. Quem não comparece nem se justifica após três votações seguidas tem o título cancelado e não pode tirar passaporte ou participar de concursos públicos.
O cientista político Malco Camargos discorda dos parlamentares e sustenta que o país ainda não está preparado para adotar o voto facultativo. Ele diz que o fim da obrigatoriedade tem vantagens e desvantagens. O principal benefício seria o maior envolvimento do eleitor com seu próprio voto. “Um fator importante que temos que considerar no Brasil é o custo do voto. Quem mora em uma cidade grande e tem carro, por exemplo, pode ir votar rapidamente e não tem que empreender um esforço grande, nem gastar muito para isso. Já quem mora em uma zona rural e é mais pobre, tem que se deslocar e o voto tem um custo maior para essas pessoas”, explica. Assim, argumenta ele, é preciso diminuir as desigualdades no país antes que a mudança seja adotada.
O cientista político Rubens Figueiredo também especula que as faixas mais pobres da população teriam um percentual de abstenção maior, o que poderia mudar o quadro político brasileiro. “É provável que as classes menos favorecidas votem menos, e essas classes tiveram papel decisivo nas últimas eleições”, argumenta. Por isso, ele defende que a mudança seja implementada com um período de transição, acompanhado de uma campanha de conscientização. A obrigatoriedade do voto foi instituída no país pela primeira vez em 1932.
“Acho que seria uma alteração positiva para o sistema político brasileiro. Com ela, você ganha qualidade no voto porque uma pessoa que pode escolher entre não votar ou votar em um candidato em quem acredita”, diz Figueiredo. Sobre a primeira eleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que teve votação muito expressiva de jovens e da populações de mais baixa renda, especialmente entre negros e latinos, ele analisa: “Eleição é como uma final de futebol. Se o eleitor percebe que há possibilidade de o resultado ser positivo para ele, ele vai votar. Se parece ruim ou improvável, ele não vai”.

O voto pelo mundo
Obrigatório (maiores de 18 anos)
Austrália        
Bélgica        
Bolívia        
Congo        
Costa Rica
Egito
Grécia
Honduras
Luxemburgo
México
Panamá
Paraguai        
Peru        
Tailândia         
Uruguai

Facultativo (maiores de 18 anos)
Estados Unidos     
França         
Alemanha         
República Checa
Croácia
Inglaterra
Canadá
Colômbia
Chile
Dinamarca
Suécia
Suíça
Portugal
Síria
Rússia
Índia

SISTEMA MISTO

Argentina   Universal e obrigatório para pessoas de 18 a 70 anos
                Voluntário para quem tem entre 16 e 17 anos

Líbano   Obrigatório para homens com mais de 21 anos
             Mulheres com educação básica e mais de 21 podem votar
         Militares não podem votar

Rep. Dominicana   Universal e obrigatório para pessoas com mais de 18 anos
                            Pessoas casadas de qualquer idade podem votar
                            Policiais e membros das forças armadas não votam

Equador  Universal e obrigatório para pessoas de 18 a 65 anos
                 Voluntário para quem tem 16 e 17 anos

* Fonte: The World Factbook, da CIA (Central Intelligence Agency)

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