quinta-feira, 14 de abril de 2011

Lei de Anistia revogada no Senado uruguaio

Folha de S. Paulo 14 abril 2011.

Uruguai pretende julgar 50 por ditadura

Revogação da anistia contra militares acusados de crimes nos anos 70 e 80 foi aprovada anteontem pelo Senado

Câmara ainda precisa votar proposta antes da sanção pelo presidente Mujica, ele próprio ex-ativista que foi preso

LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

Se confirmada a invalidação de sua Lei da Anistia pelo Congresso, o Uruguai espera retomar pelo menos 50 ações judiciais contra militares acusados de crimes contra militantes de esquerda durante a ditadura (1973-85).
Por causa da vigência da lei, cuja aplicação foi anulada na noite de anteontem pelo Senado, esses processos ficaram travados na Justiça.
O projeto ainda precisa passar pela Câmara.
Segundo a organização uruguaia Serviço Paz e Justiça, responsável pela estimativa e por acompanhar as ações na área de direitos humanos, assim que o Congresso do país terminar de analisar a lei, será necessário realizar um novo levantamento sobre os crimes do período.
Mesmo com uma lei que travava o julgamento da maior parte dos crimes da ditadura, o Uruguai conseguiu condenar à prisão dois ex-ditadores -Gregorio Álvarez e Juan María Bordaberry- por violar os direitos humanos.
Além deles, outros 14 casos foram julgados pela Justiça, com a anuência da Suprema Corte do país, sem que a contestada lei fosse levada em consideração.
Como o entendimento da Suprema Corte não era para todos os casos, a Frente Ampla, coalizão do governo de José Pepe Mujica, apresentou no ano passado a norma interpretativa votada anteontem pelo Senado. Ela invalidou três artigos da lei.

POLÊMICA
Esses artigos consideravam prescritos os crimes ocorridos no período e afirmavam que a vontade estatal de julgar esses crimes "havia acabado".
De acordo com a votação dos senadores, a lei continua a existir, mas com esses três artigos nulos. Após apertada votação (16 dos 31 parlamentares seguiram o governo), o assunto será discutido no início de maio pelos deputados uruguaios.
Lá, onde o projeto começou a tramitar no ano passado, os partidários de Mujica são maioria. Ontem, o presidente -ele mesmo um ex-guerrilheiro que passou anos preso na ditadura- adiantou que não vetará a norma quando ela chegar em sua mesa para sanção.
A invalidação da lei causou polêmica no país. Em duas ocasiões (1989 e 2009), a população uruguaia rejeitou em plebiscito alterá-la.
Durante os anos de 1985 e 2005, quando o país foi governado pelos partidos Nacional e Colorado, não foi aceita nenhuma ação contra os militares.
Mas o cenário mudou após a eleição do primeiro presidente de esquerda, Tabaré Vásquez, em 2005. Ele e a Frente Ampla incentivaram os primeiros juízos.
O número total de mortos e desaparecidos durante os 12 anos de ditadura no Uruguai é incerto: segundo entidades de direitos humanos, são entre 200 e 295 vítimas. Não há um número de militares envolvidos em crimes durante o período.

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