Gaiola das milícias
Não sei se a melhor maneira de avaliar o padrão ético do carioca é através da maioria de seus representantes mais próximos. Se for e se a Câmara de Vereadores servir de amostragem, estamos mal. A Gaiola de Ouro se esforça para manter sua tradição de escândalos. Há sempre um à disposição. O último foi o do reajuste salarial de mais de 60% — de R$9.200 para R$15 mil, retroativos a fevereiro e março, sem contar o auxílio-paletó de R$5.700. Falei "último"? E o do vereador miliciano que foi preso? É possível que até o fim deste artigo surja mais um. Mas voltemos ao reajuste. Não se sabe o que revolta mais a sociedade, se o aumento por si só ou as justificativas.O presidente da Casa, Jorge Felippe (PMDB), por exemplo, usou como álibi uma discutível legalidade, sem considerar que nem sempre o legal é moral, principalmente quando se trata de dinheiro público e quando o funcionalismo está batalhando por mais 6% a partir de junho. Outro representante encheu a boca para afirmar: "Quem trabalha bem merece aumento", achando com certeza que, se o seu reajuste é dez vezes superior ao dos servidores municipais, é porque ele trabalha dez vezes melhor. São 51 vereadores (dois estão presos), mas só quatro questionaram a medida e rejeitaram o aumento, devolvendo o recebido. Vale a pena guardar seus nomes, porque a atitude é inédita: Andrea Gouvêa Vieira e Teresa Bergher, ambas do PSDB, Eliomar Coelho (PSOL) e Paulo Pinheiro (PPS). Andrea resumiu a posição dos quatro: "A lei diz que só podemos aumentar os subsídios da legislatura seguinte, nunca da atual. Por isso, já mandei devolver o dinheiro." Moral da história: há quem usa a lei para botar a mão na grana, e há os que a usam para recusá-la.
Quanto ao nobre colega miliciano, ele não está só. Faz parte de uma coleção de pelo menos quatro envolvidos até o pescoço com o crime, levando O GLOBO a dar uma nova classificação à Gaiola de Ouro: "Berço dos milicianos." De novo agora só o fato de que ele é acusado de liderar uma quadrilha que planejava executar nada menos que a chefe de Polícia Civil, Marta Rocha, e o deputado Marcelo Freixo (PSOL), aquele que instalou uma CPI graças à qual ficamos sabendo que as milícias não eram um "mal menor", como achava o prefeito Cesar Maia. São tão perniciosas e mais poderosas do que o tráfico de drogas das favelas. Freixo tem, portanto, moral e autoridade para cobrar: "Vamos ver se a Câmara vai ter coragem de cassar o Deco, agora que ele está preso. Porque eles não tiveram coragem de cassar os milicianos presos anteriormente. O poder público não pode ter medo do crime."
Pois é, não pode.
Nenhum comentário:
Postar um comentário