O Globo 27 abril 2011, editorial
Caso Riocentro e o direito à informação
Dois militares do Exército estavam à paisana, em um carro esportivo, no estacionamento do Riocentro, enquanto transcorria um show organizado por grupos de esquerda. A bomba que explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, sentado no banco do carona do Puma do capitão Wilson Machado, ferido com gravidade no acidente de "trabalho", colocou aquela noite de 30 de abril de 1981 - o show comemorava na véspera o Dia do Trabalho - no calendário do sério conflito ocorrido no processo de redemocratização do país entre os "porões" da ditadura e o grupo de autoridades, militares e civis, responsáveis por continuar a execução do projeto de abertura gradual desenhado pela dupla Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, presidente da República e chefe da Casa Civil no governo anterior àquele, de João Figueiredo.
O caso já faz parte dos livros da História recente, mas faltavam detalhes importantes, apurados pelo GLOBO e publicados numa série de reportagens desde domingo. Os repórteres fizeram o trabalho não executado pela Justiça militar: manusearam com atenção o processo e, a partir da caderneta de telefones do sargento, levantaram ligações daquele porão existente na época no quartel da Barão de Mesquita, na Tijuca, com um submundo, de civis e outros militares, que continuaria a atuar de alguma forma na arapongagem, depois de - felizmente - derrotado na guerra suja contra a redemocratização.
O trabalho de jornalismo investigativo reforça a necessidade de o Senado aprovar, em instância final, o projeto de lei 41, enviado em 2009 à Câmara pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para regulamentar e, assim, permitir o exercício pleno do direito constitucional da sociedade de ter acesso a informações de interesse particular e coletivo sob a guarda do Estado. Passados 26 anos da redemocratização, simbolizada pela chegada de um civil novamente ao poder, e 23 de promulgada a Constituição do restabelecimento dos direitos civis, um deles, o de consulta a arquivos do Estado, ainda não é usufruído como estabelece o espírito da Carta.
Fica-se na dependência do julgamento casuístico da autoridade de ocasião. O GLOBO formalizou ao Superior Tribunal Militar pedido para consultar o processo do Riocentro. Conseguiu. Mas, durante a campanha de 2010, a "Folha de S.Paulo" fez o mesmo, a fim de ter acesso ao processo de que constam Dilma Rousseff e outros nomes da guerrilha urbana contra a ditadura militar. Não teve êxito, embora o trancafiamento do papelório contrariasse a Constituição. Conhecer bastidores daquele ato de terrorismo contra a esquerda, para tumultuar a abertura conduzida pelo regime em comum acordo com a oposição, renova o oxigênio institucional. Com a aprovação final da lei de regulamentação do acesso a informações, vai-se criar a saudável rotina de abrir arquivos sob o controle solitário e perigoso de burocratas.
Este exercício de transparência, espera-se, deve facilitar a aprovação no Congresso do projeto de criação da Comissão da Verdade, já vacinada contra contaminações do espírito de revanche com que a ideia foi encaminhada no governo passado. Abrir os porões da ditadura não apenas é um ato de respeito às famílias de vítimas daquele regime, como exercita um princípio essencial na democracia, o da convivência civilizada entre os contrários e a subordinação de todos à Lei.
O caso já faz parte dos livros da História recente, mas faltavam detalhes importantes, apurados pelo GLOBO e publicados numa série de reportagens desde domingo. Os repórteres fizeram o trabalho não executado pela Justiça militar: manusearam com atenção o processo e, a partir da caderneta de telefones do sargento, levantaram ligações daquele porão existente na época no quartel da Barão de Mesquita, na Tijuca, com um submundo, de civis e outros militares, que continuaria a atuar de alguma forma na arapongagem, depois de - felizmente - derrotado na guerra suja contra a redemocratização.
O trabalho de jornalismo investigativo reforça a necessidade de o Senado aprovar, em instância final, o projeto de lei 41, enviado em 2009 à Câmara pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para regulamentar e, assim, permitir o exercício pleno do direito constitucional da sociedade de ter acesso a informações de interesse particular e coletivo sob a guarda do Estado. Passados 26 anos da redemocratização, simbolizada pela chegada de um civil novamente ao poder, e 23 de promulgada a Constituição do restabelecimento dos direitos civis, um deles, o de consulta a arquivos do Estado, ainda não é usufruído como estabelece o espírito da Carta.
Fica-se na dependência do julgamento casuístico da autoridade de ocasião. O GLOBO formalizou ao Superior Tribunal Militar pedido para consultar o processo do Riocentro. Conseguiu. Mas, durante a campanha de 2010, a "Folha de S.Paulo" fez o mesmo, a fim de ter acesso ao processo de que constam Dilma Rousseff e outros nomes da guerrilha urbana contra a ditadura militar. Não teve êxito, embora o trancafiamento do papelório contrariasse a Constituição. Conhecer bastidores daquele ato de terrorismo contra a esquerda, para tumultuar a abertura conduzida pelo regime em comum acordo com a oposição, renova o oxigênio institucional. Com a aprovação final da lei de regulamentação do acesso a informações, vai-se criar a saudável rotina de abrir arquivos sob o controle solitário e perigoso de burocratas.
Este exercício de transparência, espera-se, deve facilitar a aprovação no Congresso do projeto de criação da Comissão da Verdade, já vacinada contra contaminações do espírito de revanche com que a ideia foi encaminhada no governo passado. Abrir os porões da ditadura não apenas é um ato de respeito às famílias de vítimas daquele regime, como exercita um princípio essencial na democracia, o da convivência civilizada entre os contrários e a subordinação de todos à Lei.
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