Correio
braziliense 23 setembro de 2012.
Queda de Collor: 20 anos
|
|
Documentos do Arquivo Nacional
mostram como os serviços de informação acompanharam o processo que culminou
no afastamento do primeiro presidente eleito após a ditadura militar
GABRIEL MASCARENHAS EDSON LUIZ
Passados 20 anos da abertura do processo de
impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 29 de setembro
de 1992, documentos da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)
revelam bastidores da articulação política que expurgou do Palácio do
Planalto a maior autoridade do país. No ano que antecedeu o impeachment, a
área de inteligência da SAE fez uma vigilância constante da movimentação da
oposição e de entidades de classe.
O Correio teve acesso a relatórios do acervo do Arquivo Nacional que mostram que o PT era quem recebia maior atenção dos arapongas da época. Todas as reuniões do partido eram registradas pelos espiões do governo. Em uma delas, em outubro de 1991, o tema era a definição sobre o plebiscito que iria discutir a forma de governo, mas o impeachment também entrou na pauta. Segundo os documentos, os dirigentes petistas, ferrenhos opositores do governo, curiosamente, não se mostravam favoráveis ao afastamento de Collor. A SAE monitorou partidos e entidades da sociedade civil antes e depois do processo de deposição. A primeira fase se concentrou nos movimentos da Igreja, de partidos de oposição e entidades sindicais. O segundo tinha como alvo a atuação do sucessor de Collor, o vice-presidente Itamar Franco, e de outros políticos influentes, como Antônio Carlos Magalhães, na época governador da Bahia. Havia uma preocupação com o discurso de Itamar, especialmente quando tratava de economia e das relações do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O serviço de inteligência do governo começou a dar mais importância à situação do presidente Collor em setembro de 1991. Naquele ano, houve uma reunião do PT com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), quando ficou decidido que haveria o pedido de impeachment, baseado nas dificuldades sociais e econômicas do país no início da década. Além disso, conforme relatórios da SAE, "a tomada de tal decisão teve início com a orquestração que os meios de comunicação impuseram à população, denegrindo a imagem do presidente e de seus familiares". Um mês depois, o PT se mostrava em dúvida sobre o impeachment, mas acabou trabalhando fortemente pelo processo.
Campanha
O serviço secreto também monitorou o Congresso,
onde o afastamento de Collor já vinha sendo tratado por lideranças políticas
de oposição. Os agentes da SAE registraram nos relatórios de análise de
conjuntura de setembro de 1991 que deputados do PCdoB, PCB e PT articulavam a
saída do presidente e pretendiam fazer uma campanha nacional para
desmoralizá-lo, já que o termo impeachment não seria bem entendido pelo povo.
"Mas uma campanha mostrando as mazelas do governo seria bem aceita pela
população", observaram os agentes.
Percorridas as duas décadas, especialistas enxergam na deposição do primeiro presidente eleito depois da queda do regime militar um capítulo indispensável à consolidação da democracia brasileira. A determinação do PT em retirar Collor do Planalto, revelada pelos documentos da SAE, sintetiza a falta de habilidade política do então presidente (hoje senador) em lidar com o parlamento, como ele mesmo já admitiu, recentemente, na tribuna do Senado. "De fato, o impeachment alterou uma percepção: a de que é possível governar sem maioria no Congresso. Esse ensinamento foi levado à risca por Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e Dilma Rousseff. Nenhum deles ousou descuidar de ter maioria", explica o cientista política e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Melo. João Paulo Peixoto, professor de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB), acredita, porém, que o país ainda não conseguiu desenvolver instrumentos eficientes para coibir a corrupção nas três esferas de poder. "Obviamente, o processo de queda de Collor demonstrou maturidade das instituições, mas, embora tenha havido tentativas de alterações na legislação para reduzir desvios de recursos públicos, isso não aconteceu. O que diminui corrupção não é a lei, mas a certeza de punição dos corruptores", apontou o especialista.
O início do fim
Depois que uma CPI concluiu que o então
presidente Fernando Collor sabia das irregularidades praticadas pelo seu
ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias, a Câmara aprovou a abertura do
processo de impeachment por 441 votos a 38. Acusado de crime de
responsabilidade, Collor foi afastado do governo, como determina a
Constituição. Três dias depois, o vice-presidente, Itamar Franco, assumiu o
Palácio do Planalto interinamente. Em dezembro, Collor renunciou minutos antes
de ser expulso definitivamente do comando do país. Mesmo assim, o impeachment
foi votado e aprovado pelo Congresso e o ex-presidente teve seus direitos
políticos suspensos por oito anos. Em 1994, Collor e PC Farias foram
inocentados pelo Supremo Tribunal Federal do crime de corrupção por falta de
provas.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário