O Estado de S. Paulo,
26 de setembro de 2012.
Dora Kramer
Comparação indevida
A
determinada altura da sessão desta segunda-feira o revisor Ricardo Lewandowski
justificou assim o voto pela condenação de três réus por formação de quadrilha:
"Era um mecanismo permanentemente em funcionamento. Isso caracteriza a
quadrilha, e esses crimes eram praticados à medida da necessidade demonstrada
pelos parlamentares que se deixaram corromper".
Portanto,
se alguém se deixou corromper, houve também o agente corruptor e um motivo para
corrupção.
A forma
da prova, entretanto, continua em debate. A manifestação majoritária dos
ministros em relação ao crime de corrupção passiva em "fatia"
anterior do julgamento do mensalão provoca revolta aqui e ali.
Advogados
de defesa, políticos e agora até um grupo de intelectuais, artistas e
acadêmicos alegam que o Supremo Tribunal Federal está inovando. Invocam o
julgamento que absolveu Fernando Collor de Mello em 1994, reivindicando
tratamento semelhante.
O próprio
Lewandowski qualificou de "heterodoxo" o entendimento preponderante
no tribunal e justificou a absolvição de João Paulo Cunha do crime de corrupção
passiva dizendo que havia se baseado na jurisprudência da ação penal 307, a do
caso Collor.
Na
essência da lei o STF não está criando nada. A condenação de Cunha decorreu do
artigo 317 do Código Penal, cuja definição do ilícito é a mesma:
"Solicitar ou receber, para si ou outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de
tal vantagem".
O único
dos atuais ministros a participar do julgamento de Collor, Celso de Mello, na
época apontou a exigência de "precisa identificação de um ato de
ofício" na esfera das atribuições do presidente, para que se
caracterizasse a corrupção.
Justamente
o que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu demonstrar na ocasião: a
denúncia não descreveu uma parte do crime, não apontou que interesses as
pessoas que deram dinheiro ao operador de Collor, Paulo César Farias, teriam
nos atos do presidente.
E,
naquele voto em 94, Celso de Mello falou também sobre a necessidade de haver
"uma relação entre a conduta do agente que solicita, recebe ou aceita a
promessa de vantagem indevida e a prática, que pode até não ocorrer, de um ato
determinado de ofício".
E o que
demonstra a denúncia ora em exame? Exatamente a existência de uma relação de
trocas indevidas entre parlamentares, partidos e um governo mediante práticas
ilegais.
Ou seja,
o Supremo não inventa. Os casos é que são diferentes.
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