O grande circo
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19 Set 2012
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Almir Pazzianotto PintoAdvogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
A
essência do regime democrático reside no voto. É pelo sufrágio secreto e
direto, de igual valor para todos, que se concretiza a soberania
popular, expressão consagrada no art. 14 da Constituição. Em situações
extremas, quando grave crise econômica ou política coloca em xeque as
instituições, fazendo-as perder credibilidade, o direito de eleger
governantes acaba sucumbindo à revolução popular, ou é abatido por golpe
de Estado. No Brasil tivemos a Revolução de 1930, que desaguou na
ditadura de Vargas, e o golpe de 1964, desfechado pelas Forças Armadas.
O
regime implantado em 1964 estrangulou o estado democrático. Em janeiro
de 1985, após 21 anos de ditadura, o candidato do governo, Paulo Maluf,
foi derrotado no Colégio Eleitoral por Tancredo Neves, do PMDB, tendo
José Sarney como vice. Em 1990, o povo voltou às urnas e deu a vitória a
Fernando Collor de Mello. Seguiram-se, na Presidência da República,
pelo voto direto, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff. Para as novas gerações, democracia é conquista recente,
em processo de aprendizagem, circunstância que faz o país pagar caro
pelo noviciado.
A
Constituição de 1988 restaurou as liberdades democráticas. Não nos
mostrou, todavia, como exercê-las livres da corrupção e do carreirismo.
Basta o julgamento do mensalão, ou acompanhar o horário eleitoral, para
ver o estágio em que nos encontramos. Em vez de mensagens consistentes,
objetivas, didáticas, que transpirem sinceridade, o que se assiste é uma
espécie de grande circo, com momentos de Escolinha do Professor
Raimundo. Demagogos e semianalfabetos tentam convencer que se acham
aptos a operar milagres. A exigência da Ficha Limpa trouxe enorme
progresso. Não bastará, entretanto, para impedir a presença de elevada
porcentagem de despreparados, iletrados, e corruptos, fazendo uso de
todos os recursos para se elegerem prefeitos e vereadores. É a
proliferação bacteriana dos Zé da farmácia, do Chico borracheiro, da
Denise massagista, do cabo Júlio, do pastor Ticão, do dr. Carlito, da
Zuleika da lotérica, da Shirlady manicure, na disputa de mandato bem
remunerado, recheado com mordomias.
A
responsabilidade pela onda crescente de mediocridades cabe a poderosos
dirigentes partidários, cujo objetivo único é a vitória. Legendas foram
postas à venda e negociadas como em supermercados. O malabarismo
eleitoreiro é patético. Apoios são trocados entre velhos inimigos, à
custa da entrega de ministérios, com olhos postos nas pesquisas
eleitorais. Aliados em São Paulo e Paraná podem ser inimigos em Minas,
Mato Grosso, Pernambuco, segundo as conveniências locais. Igrejas e
sindicatos não ficaram à margem do processo, sendo explorados como
feudos eleitorais.
Minúsculas
legendas, que reúnem nada além de meia dúzia de adeptos, insistem em
manter presença sem chances mínimas de eleger um só prefeito ou
vereador. Valem-se do dinheiro público para formular soluções
desvairadas, combater a livre iniciativa, propor a estatização do
sistema financeiro, da saúde, da educação, do transporte. Imaginam
converter o Brasil em vasto acampamento de servidores públicos, mantidos
pelo tesouro. Inspiram-se no falido modelo cubano, e na ditadura
venezuelana, ignorando o elevado grau de rejeição entre o eleitorado.
O
povo, conforme anotou Aristides Lobo no episódio da Proclamação da
República, assiste a tudo bestializado, atônito, surpreso. A
Constituição, no afã de ser exemplo de democracia, escancarou portas a
todos os estilos de abusos. Além de sujeito a horário político, o
brasileiro é obrigado a votar. À míngua de candidatos que o convençam,
escolhe o "menos pior", anula o voto, vota em branco ou vai gozar o
feriado e justificar a ausência.
Eleições
municipais são a antevéspera de 2014. É por meio delas que os partidos
procuram lançar bases locais de apoio para disputas futuras. Prefeitos e
vereadores serão porta-vozes de candidatos a deputado estadual,
federal, senador, governador, presidente da República. Reside aqui o
perigo.
Se
quisermos erradicar a corrupção e impedir a presença de tiriricas,
devemos começar já, com o bom uso do voto. Se assim não acontecer,
dentro de dois anos repetir-se-á o espetáculo circense, com resultados
conhecidos.
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quarta-feira, 19 de setembro de 2012
O grande circo
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