Folha de S. Paulo, 11 de setembro de 2012.
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Marcelo Coutinho
Dependência restaurada
Sábios que pediam autonomia aos EUA decidiram nos acoplar à China. O
país está estagnado. O crescimento lembra os anos 1980. As exportações, a
Colônia
Alguns fatos empolgavam o país até outro dia. A volta do crescimento
econômico, a descoberta do pré-sal, o desvencilhamento dos credores
estrangeiros e a criação dos Brics animaram o espírito nacional.
Velhos sábios nacionalistas da política externa brasileira resumiam tudo
na ideia de autonomia. Em condições superiores, estaríamos livres de
forças externas. As mudanças nos tornaram donos do nosso próprio nariz.
Ouvimos frases assim de presidentes, ministros e até de muitos sentados
em bancos acadêmicos.
O neoliberalismo dos anos 1990, diziam eles, tinha sido o culpado pelo
sucateamento das forças produtivas do país. A Alca simbolizava toda
forma de diminuição das nossas capacidades, submissos aos EUA. E por
isso mesmo foi afogada em Mar del Plata (mais pelos "hermanos" do que
por nós, na verdade). De qualquer forma, ninguém mais ditaria de fora o
nosso destino.
Agora, a inserção brasileira no mundo passaria a ser altaneira. As
próprias revistas internacionais nos colocavam no centro de tudo como um
novo motor do crescimento global. O Cristo se tornou um foguete. O
gigante despertou.
Nós já conhecíamos essa conversa do passado, mas a vaidade movida a
elogios malandros nos subiu à cabeça mesmo assim. Vieram com os alaridos
e roucos brados de independência. Tínhamos líderes, finalmente. Surge
uma figura de proa.
As pessoas correriam para aprender o português, língua desconhecida e
pouco usada desde as grandes navegações. Um ex-presidente se tornara o
novo Pedro Álvares Cabral, e o ex-chanceler o seu Pero Vaz de Caminha. O
Brasil era redescoberto.
A cada discurso na ONU, o mundo reconheceria em nosso país um dos eixos
dinâmicos da nova multipolaridade. Desde que as caravelas trouxeram às
pressas dom João 6° ao Brasil, há 200 anos, precipitando o processo de
independência, poucas vezes se viu tamanha reviravolta e sentimento de
nacionalidade.
Inventamos até um novo Visconde de Mauá carioca, com nome de americano e
sobrenome de igreja puritana. Dedicado ao trabalho, temos, assim,
similar nacional da ética protestante e espírito capitalista, ainda que
seja para explorar reservas minerais.
De fato, as coisas iam bem até a crise global e a opção dos velhos
sábios pelo acoplamento junto às potências asiáticas emergentes.
De lá para cá, já foram quatro anos de crescimento econômico abaixo do
medíocre. Fora o vale tudo fiscal de 2010 para vencer as eleições, o
Brasil cresce vegetativamente a uma média de 1,2% ao ano. Só comparável à
década perdida de 1980.
Se houve milagre ou espetáculo, não foi de expansão econômica, mas da
multiplicação de votos. Tivemos um período verdadeiramente desperdiçado.
Pior: retrocedemos em um aspecto que definirá o futuro.
De agora em diante, o país terá que aprender um jeito de se desenvolver
com pouca indústria. Com soja e minério de ferro, nossa economia volta a
ser primária.
As possibilidades da panaceia pré-sal diminuem a cada dia que pedras de
xisto e areias betuminosas são alavancadas na América do Norte com bem
mais eficiência.
Algumas mentes brilhantes da diplomacia brasileira arquitetaram um liame
com o Oriente em ascensão. Pensavam que se com o Barão deu certo em
relação aos EUA há cem anos, daria de novo. Dedicada a suprir demandas
internacionais básicas, a nossa economia se tornou então subsidiária da
China.
Não só cresceríamos juntos, como formaríamos um novo bloco. Batizado por
especuladores, os Brics seriam capazes de superar o Ocidente.
O Brasil buscou maior influência sobre a economia mundial em organismos
como o FMI e o Bird, mas no lugar disso conseguiu é ficar numa situação
inferiorizada, especializando-se numa área cujos preços não pode
controlar. O valor das commodities é determinado pelos mercados
internacionais.
Não foram os heterodoxos até 1992 nem os ortodoxos da era FHC. Foram os
ditos nacionalistas que restabeleceram entre 2008 e 2012 um velho padrão
colonial de relacionamento em que apenas suprimos matérias-primas a
países que crescem muito mais do que nós.
Após 190 anos do grito do Ipiranga, a dependência econômica foi restaurada.
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