O Estado de S. Paulo, 24 de setembro de 2012.
Populismo, mensalão e voto
José
Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
Em 1947,
Victor Nunes Leal defendeu a tese que viraria "Coronelismo, enxada e
voto", o clássico sobre as relações de poder no Brasil rural. Nesses 65
anos, o país mudou e se tornou 85% urbano. Mas o livro de Nunes Leal continua útil
para compreender as eleições municipais de hoje.
No
prefácio à edição de 2012, o historiador José Murilo de Carvalho sintetiza a
obra. Observa que o autor descreveu o coronelismo como um sistema que
transcende o mandonismo local: "Tem a ver com a conexão entre município,
Estado e União, entre coronéis, governadores e presidente, num jogo de coerção
e cooptação exercido nacionalmente". Familiar?
Troquem-se
coronéis por prefeitos e temos a descrição do papel do PMDB, com sua extensa
rede municipal e volumosa base no Congresso. Do outro lado, o partido que
exerça o poder central naquele momento, seja o PT ou o PSDB. Essas três siglas,
por seu protagonismo, simbolizam as demais, que jogam o mesmo jogo, mas como
coadjuvantes ou meros figurantes.
Nesta
eleição, porém, há atores emergentes tentando roubar a cena, enquanto o trio
principal troca de personagem. Cada vez mais parecido com o PMDB, o PT busca
ampliar o número de prefeitos no interior do Brasil para, daqui a dois anos,
formar a maior bancada da Câmara dos Deputados, suplantando o aliado. Mas os
petistas sofrem um contragolpe do PSB nas capitais.
O partido
de Eduardo Campos segue passos que o PT trilhou para ser protagonista. O PSB
investe para ganhar capitais como Fortaleza e Recife, e manter Curitiba e Belo
Horizonte. A aliança segue no Brasil profundo, mas nas grandes cidades o PSB se
emancipou do PT.
Um
resultado possível a sair das urnas é o PT, desgastado pelas condenações do
mensalão, perder espaço nas capitais mas crescer no interior. Será mais um
passo para virar o novo PMDB.
Isso tem
tudo a ver com o sistema descrito por "Coronelismo, enxada e voto".
Prefeituras do interior são mais dependentes de repasses federais e da
liberação de verbas para emendas assistencialistas dos parlamentares. É o tal
"jogo de coerção e cooptação" que explica o porquê de Lula e Dilma
Rousseff terem mantido uma taxa de apoio na Câmara sempre acima de 80% dos
votos dos deputados mesmo depois de o mensalão ter sido exposto.
O
escândalo é insuficiente para explicar um governismo tão avassalador. Puni-lo é
indispensável, mas reduzir o diagnóstico dos males da política brasileira a
mesadas parlamentares é uma boa maneira de manter tudo como está e sempre foi.
Mudanças de fachada são eficientes para conservar as estruturas intactas.
Desde
2001, a pirâmide da distribuição da renda no Brasil mudou, pela primeira vez
ampliando a base e emagrecendo o topo. Isso se deveu primeiro ao fim da
inflação e, depois, a aumentos reais sucessivos do salário mínimo. É o que se
vê no gráfico que ilustra este texto. Essa mudança está na origem do novo
consumismo e da popularidade de Lula e Dilma.
Isso
ocorreu a despeito de um movimento inverso na distribuição de terras desde os
tempos de "Coronelismo, enxada e voto". Enquanto as micropropriedades
rurais são proporcionalmente menos numerosas e ocupam uma área menor do que em
1940, as grandes, impulsionadas por novas tecnologias e ganhos de escala,
cresceram e dominaram praticamente a metade da área destinada à produção
agropecuária do país. Ou seja, do título do livro, a única coisa que ficou
obsoleta foi a enxada.
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