quinta-feira, 29 de março de 2012

Visões distintas sobre a democracia brasileira


Folha de S. Paulo, 29 de março de 2012.

Candido Mendes
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É
DEMOCRACIA BRASILEIRA
Otimismo com o país de Dilma
Há faxina contra a corrupção, uma nova política externa, mais renda e menos clientelismo. Avança a democracia, com o CNJ e com as ações do BC
O ano de 2012 representa, para o governo Dilma, um marco da consolidação indiscutível de uma política de desenvolvimento sustentado, em nítido avanço em comparação com o governo anterior.
E, de saída, há reforço de suas determinantes políticas que evidenciam a consolidação de um presidencialismo de coalizão.
O governo se destaca, de vez, das tentações dos partidos dominantes, avulta sobre o PT e enquadra os sistemas de maiorias disciplinadas, a superar uma etapa do nosso subdesenvolvimento no plano de poder. Ou seja, descartando a política de clientela, na velha acomodação dos ganhadores da hora ao botim dos dinheiros públicos.
Deflagrou-se a faxina contra a corrupção, na amplitude da autonomia institucional outorgada ao Ministério Público e à Polícia Federal. O que avançou, de vez, por aí mesmo, foi a nossa democracia profunda. Há um primeiro controle entre os poderes pelo Conselho Nacional de Justiça e há crescente autonomia do Banco Central na regulação da despesa e, sobretudo, na destinação da poupança pública e no seu socorro ao setor privado.
Só se reforça, por outro lado, o empenho redistributivo da renda nacional pelas expectativas de expansão do salário mínimo.
O ano de 2012 é o desse avanço da riqueza ainda incalculável, não só das bacias petrolíferas oceânicas, mas também das jazidas da região de Linhares (ES), que podem chegar de maneira imediata ao mercado.
O vigor de uma nova política externa traduz esse avanço sobre toda a velha política, amarrada sobre uma visão obsoleta de centros e periferias da América Latina, na força com que vamos ao protagonismo dos Brics e deparamos as relações com a China, na mudança de escala do comércio internacional.
E fora, de vez, dos minipalcos da nossa ação externa, a vigorosa defesa, pelo governo Dilma, da entrada da Palestina nas Nações Unidas ecoou outra expressão do nosso multiculturalismo latente.
Somos o país das maiores minorias sírio-libanesas da atualidade, a convocarmos para um novo alinhamento prospectivo, nesta região crítica do mundo do novo século.
E é desnecessário insistir sobre o avanço da nossa política africana, a partir de Angola ou de Moçambique, a, sobretudo, evidenciar o fracasso das políticas europeias, presas a uma inerte política assistencialista, ocupada com a miséria do continente, em vez de emprestar a ele as mecânicas do desenvolvimento e da sua possível sustentabilidade.
O que, sobretudo, evidencia esse nosso perfil internacional é a definitiva obsolescência do bolivarismo chavista, diante das novas cartas petrolíferas e da criatividade do desempenho da Petrobras na Bolívia.
De toda forma, sobretudo, o que parece ganho, de vez, é uma consciência de mudança brasileira.
Derruba os moralismos clássicos das oposições, bem como os apocalipses da dependência externa de um país a que agora dá conta do gigantismo do seu mercado interno e da consciência de seu advento, que permitiu ao "povo de Lula" chegar à nação de Dilma.
CANDIDO MENDES, 83, é membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

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DEMOCRACIA BRASILEIRA
Fracassamos
Há despolitização, corrupção nos três Poderes e oligarcas como Sarney. A Nova República fez aniversário, ninguém lembrou. Havia motivo?
Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.
Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.
Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.
Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.
A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.
Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.
Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.
Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.
A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.
O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.
Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.
Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.
No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?
No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".
Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.
Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.
Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".
MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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