O Estado de S. Paulo, 13 de março de 2012 (editorial).
A privatização do Senado
13 de março de 2012
Senadores continuam fiéis às tradições de empreguismo e de uso de recursos públicos para fins privados, marcas bem conhecidas da vida parlamentar brasileira. Nepotismo, contratações de funcionários fantasmas e abusos diversos têm sido com frequência denunciados e expostos à opinião pública, mas nenhum escândalo resultou em regeneração dos costumes. Regras permissivas facilitam a multiplicação de empregos e a distribuição de favores como práticas normais da atividade política. Hoje os senadores empregam 2.505 funcionários comissionados. O número não passaria de 972, se os cargos fossem limitados ao número básico indicado pelas normas internas da Casa.
O aumento dos gastos é apenas um dos efeitos indesejáveis dessa multiplicação de vagas, denunciada pelo Globo nas edições de domingo e segunda-feira. Muitas histórias semelhantes já haviam sido publicadas e muitas outras serão divulgadas, com certeza, porque não há sinal, no horizonte, de mudança importante nas práticas políticas. Restará à imprensa, enquanto isso, continuar publicando essa narrativa aparentemente sem fim.
Regras internas permitem aos senadores multiplicar os 12 postos comissionados à sua disposição. Em princípio, não deve haver ampliação da verba destinada a contratações. Mas a despesa total é realmente inflada, por causa da concessão de benefícios individuais, como o vale-refeição. Só o gasto anual com esse vale passa de R$ 7,4 milhões para R$ 19,2 milhões, por causa do aumento dos contratados. Entre os campeões da multiplicação de empregos, a reportagem cita os senadores Ivo Cassol (PP-RO), com 67 comissionados, Clóvis Fecury (DEM-MA), com 56, Fernando Collor (PTB-AL), com 54, Gim Argello (PTB-DF), com 46, e Marcelo Crivella (PRB-RJ), com 43. Crivella, recém-nomeado ministro da Pesca, deixou aqueles funcionários como herança para seu suplente.
A reportagem mostra dois tipos de abusos. Alguns ocorrem sob o amplo guarda-chuva das normas permissivas. Outros são evidentes violações das regras, como as contratações de pessoas sujeitas à investigação ou de profissionais comprometidos em tempo integral com outras atividades. Alguns desses contratados nem sequer poderiam comparecer ao trabalho, por estarem dedicados, no exterior, a cursos de seu exclusivo interesse profissional. Segundo a reportagem, pelo menos 25 senadores, 30,9% do total, empregaram funcionários com alguma dessas características.
Alguns desses contratados são funcionários particulares dos senadores. Outros já lhes prestavam serviços profissionais - de advocacia, por exemplo. O dinheiro público é usado, portanto, para o pagamento de compromissos privados. Este detalhe é especialmente importante, porque mostra uma gravíssima distorção política - a confusão, considerada normalíssima, dos universos público e privado.
Essa confusão é permitida e facilitada pelas normas das casas legislativas da União, dos Estados e dos municípios. Pode-se discutir se um senador precisa de 12 funcionários comissionados, isto é, contratados de acordo com sua escolha e sem necessidade de concurso. A resposta correta - seja qual for o número - deveria ser baseada somente nas tarefas necessárias ao cumprimento das funções públicas do parlamentar. Mas esse não é o critério. As verbas e outros meios postos à sua disposição acabam servindo, sob a cobertura das normas internas de cada Casa, a finalidades estritamente particulares. Nada justifica, por exemplo, a manutenção de escritórios políticos, nas cidades de origem, com recursos pagos pelos contribuintes.
Não pode ser responsabilidade do contribuinte o financiamento dos contatos do parlamentar com sua base eleitoral nem o funcionamento de um escritório dedicado a seus interesses particulares. Interesse eleitoral, é bom lembrar, é antes de mais nada interesse privado de candidatos e partidos. Qualquer esforço para tornar a política brasileira mais "republicana" (um adjetivo muito em moda) só dará certo se envolver um sério trabalho de separação do público e do particular. O Parlamento, hoje, não parece o lugar mais propício para se iniciar essa tarefa.
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