O GLOBO, 07/mar/2012
Falta de liderança
Antonio Sepulveda
NÃO causou celeuma, na época, meu artigo publicado pelo Jornal do Commercio em 2006 (17/fev) e citado pela Revista Veja em sua edição de cinco dias depois (22/fev), sobre a degradação da Estação Antártica Comandante Ferraz, causada pelo descaso de Brasília com ciência e tecnologia, em geral, e com o Programa Antártico, em particular. Não houve reações inflamadas, ninguém me telefonou para dizer que nada daquilo procedia e, absolutamente, a Marinha não recebeu ordem do Ministro da Defesa para emitir comunicados oficiais e desmentidos. Nada aconteceu. Foi apenas mais um texto do Sepulveda, useiro e vezeiro em lançar virulentas diatribes ao governo e à peçonhenta ideologia do governo.
Pois é. Naquela ocasião, não tínhamos um incêndio devastador e dois cadáveres de heróis que pudessem despertar a fúria da opinião pública e, para horror da nomenclatura do politburo tupiniquim, provocar queda da popularidade de Dona Dilma e, pior ainda, uma desgastante perda de votos nas próximas eleições. O que mais poderia explicar o frisson motivado pela menção do mesmíssimo texto seis anos depois? Ontem, inofensivo; hoje, um cataclismo.
A Marinha é vítima neste cenário sórdido. Vê-se obrigada pela Constituição a se submeter a uma política de interesses pessoais, de troca de favores, de malversação de verbas e, sobretudo, de mentiras deslavadas de dirigentes que jamais esconderam seus verdadeiros propósitos alheios aos objetivos nacionais.
Criou-se o Ministério da Defesa por questões políticas e não para o aprimoramento de nossas forças armadas. A ideia, conceitualmente correta, perdeu-se na estupidez burocrática de quem a implantou em meio a um dilúvio de inaceitáveis equívocos administrativos e sem qualquer critério operativo ou logístico. Extinguiram-se os ministérios militares e se desmontou uma estrutura de comando que, bem ou mal, funcionava satisfatoriamente; em seu lugar, nada foi executado que pudesse refletir algum vestígio de progresso. O que houve foi o acréscimo de uma carga burocrática tão pesada quanto ineficaz. Com as migalhas que recebe a Marinha faz milagres. Os ministros da defesa que ocuparam o cargo — inclusive o atual titular da pasta — parecem conhecer tanto de defesa quanto de sânscrito arcaico. Infelizmente, o poder político desdenha a lição deixada por Ruy Barbosa: ''A defesa de um Estado é o mais importante de seus problemas''.
A instituição do Ministério da Defesa, trocada em miúdos, resumiu-se em pôr um paisano leigo na chefia do Estado-Maior das Forças Armadas, delegar-lhe a autoridade que os antigos ocupantes do EMFA jamais possuíram e degradar as forças armadas. Havia quatro ministérios a pensar a defesa do Brasil, entre tentativas, erros e acertos. Temos hoje uma imensa repartição pública sem rumo definido. Falta respeito profissional pela figura de um chefe apto a compreender a problemática dos comandos subordinados. De repente, saiu de cena a matéria-prima do vigor castrense: a liderança.
Antonio Sepulveda é oficial da reserva da Marinha
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