quinta-feira, 29 de março de 2012

Controle civil das prisões militares


O Estado de S. Paulo, 29 de março de 2012.

Controle civil das prisões militares

29 de março de 2012 | 3h 04
Alexandre Barros - O Estado de S.Paulo
"Tendo feito todo o esforço
para guiar os superiores civis
na direção que ele acha certa,
o chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas (Joint Chiefs
of Staff) deve aceitar as
decisões do secretário da
Força, do secretário de Defesa
e do presidente como finais
e, daí para adiante, apoiá-lo
perante o Congresso.
A alternativa é a renúncia
(demissão voluntária)"
General Maxwell Taylor,
ex-chefe do Estado-Maior
das Forças Armadas dos
Estados Unidos

No Brasil, vivemos de escaramuças entre civis e militares. Ou é a Comissão da Verdade, ou o revanchismo e, agora, o tema do controle das prisões militares por autoridades civis. Militares, como outros cidadãos quaisquer, nas democracias devem ser controlados pelo poder civil.
Foi o presidente Truman que decidiu jogar as bombas atômicas no Japão. Aos militares coube coordenar sua produção e dizer ao presidente que a arma estava disponível. Mas a responsabilidade de lançá-la e explodi-la foi do presidente. Assim foi feito porque assim é que tem de ser feito numa democracia.
No Brasil vivemos num sistema de relações civis-militares cinzento. Os militares têm sistemas separados para tudo: salários, pensões, assistência médica e punições disciplinares, até prisão em instituições militares. Tudo isso tem raízes históricas em tempos de guerra. Não deviam aplicar-se a tempos de paz.
Os salários são diferentes porque nos tempos em que na Europa só se guerreava na primavera e no verão os soldados mercenários ficavam desempregados durante o resto do ano. Alguns governantes resolveram que eles precisavam ficar fora dos limites das cidades fortificadas porque senão acabavam fazendo arruaças. A maneira funcional de evitar que os soldados sem trabalho atacassem os governantes foi comprar sua docilidade com pagamentos, mesmo quando eles não estavam guerreando.
Dentistas só eram temidos quanto tinham os seus boticões nas mãos e os clientes, sentados na cadeira. Fora isso, eram inofensivos. Os militares, porque armados, eram temidos sempre. E por isso ganharam regalias.
Alguns governantes conseguiram romper essa couraça de privilégios oriundos de situações específicas de guerra e o mais eficiente exemplo foi também o menos edificante. Adolf Hitler conseguiu dominar os militares alemães, que tinham sido a base de formação e de sustentação do Estado prussiano, por meio da formação de forças paralelas aos militares, só que armadas. Primeiros foram as SA e depois as SS. A submissão dos militares, portanto, ocorreu, entre outros motivos, porque Hitler criou forças armadas paralelas que podiam opor-se a eles. Para eliminar a "hitlerização" dos militares trazê-los de volta à democracia o general conde Wolf von Baudissin desenvolveu um trabalho fundamental após o fim da 2.ª Guerra Mundial.
Antes que algum leitor assustado ache que estou promovendo ideias de Hitler, escolhi o exemplo para mostrar como é difícil controlar os militares, sobretudo na ausência de uma tradição político-cultural-constitucional para fazer isso, como é o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra. De Gaulle era general e presidente da França e enfrentou a rebelião e o terrorismo dos militares de direita por conta da independência da Argélia.
Mas chega de histórias alienígenas. Concentremo-nos aqui.
As Forças Armadas brasileiras não se envolvem em nenhuma guerra externa (que é para o que elas existem) há mais de cem anos. O envolvimento na 2.ª Guerra Mundial foi mais simbólico do que numérica ou temporalmente significativo, ainda que nos tenha deixado heranças edificantes, e menos edificantes, durante o período da guerra fria.
Agora estamos diante da Comissão da Verdade e da Lei da Anistia. Poderemos resolver isso democraticamente, mas ainda não dá para saber e esta vai sobrepor-se a àquela, ou vice versa. O jogo democrático é que definirá isso.
Agora surgiram os problemas das prisões militares, que o governo civil quer e deve poder inspecionar. Afinal, por que manter as prisões militares em tempos de paz? E mais: cento e tantos anos de paz!
Em algum momento os militares precisarão adaptar-se ao princípio da superioridade civil. E isso inclui permitir a inspeção de prisões militares, em que são postos atrás de grades, entre outros, cidadãos que entraram para as Forças Armadas não porque quisessem, mas porque uma lei os obrigou a prestar o serviço militar. Este não passa de um imposto disfarçado cobrado dos cidadãos maiores de 18 anos, sob forma de trabalho e de renúncia a ganhos e/ou educação, durante um ano. Se vivemos num regime constitucional, não é possível manter encarcerados cidadãos sem terem sido condenados por um tribunal civil. Se a lei permite isso, é hora de mudar a lei.
Eu tive o desprazer de passar um fim de semana estendido (Dia de Todos os Santos e Finados) detido por causa da arbitrariedade de um tenente que resolveu punir-me por eu ter falado com um capitão sem pedir permissão a ele - tenente. Só que não tomei a iniciativa de falar com o capitão, apenas respondi a uma pergunta que ele me fez.
Esse episódio foi suficiente para sentir o peso do que podem ser as arbitrariedades dentro de um quartel, já que a instituição militar não está sujeita a nenhum controle externo independente. Portanto, melhor que não tenhamos prisões militares fora do controle do Judiciário civil.
Prisões são a melhor maneira de tornar as pessoas piores. Não acredito que nenhum dos meus colegas de serviço militar que foram presos tenha de lá saído melhor, nem um pouco.
Se, de todo, por questões políticas, ainda não for possível acabar com as prisões militares em tempo de paz, ao menos que um poder independente do sistema militar possa fiscalizá-las.

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