O Estado de S. Paulo, 25 de março de 2012.
Jacaré e cobra d'água
DORA KRAMER -
A cada eleição fica pior: os partidos se juntam em alianças desprovidas de sentido programático, presididas exclusivamente pelo afã de conquistar tempo de televisão na propaganda eleitoral obrigatória.
Com isso instala-se um ambiente onde vale tudo. Só não vale o respeito ao direito de escolha do eleitor. Chega às urnas às tontas, privado que foi durante as campanhas do embate coerente de conteúdo. Instrumento essencial para a confrontação de propósitos, ideias e modos de agir de cada um dos partidos ou candidatos.
A consequência mais visível, e danosa, é o aumento da rejeição à política, atividade por meio da qual se exerce a democracia. Ou pelo menos deveria ser exercida tal como é entendida no conceito maior de República.
No Brasil de exotismos partidários não é assim: a sociedade acaba sendo mera espectadora de um jogo cujo roteiro original lhe reservava o papel principal.
Digam com franqueza o senhor e a senhora alheios ao ofício da militância cega se são capazes de distinguir, no mérito, as propostas que os partidos apresentam para as próximas eleições municipais ou se conseguem compreender quem é amigo ou inimigo político de quem.
Tomemos um pequeno pedaço do drama só para ilustrar: em São Paulo o PSD é parceiro do PSDB, cujo adversário principal é o PT com quem faz aliança em Salvador na oposição ao PMDB. Em Recife se alia ao PSB que em Belo Horizonte está junto com o PSDB que tenta seduzir o PT.
Uma corrente sem lógica na qual pouco importa se o aliado de ontem é o adversário de hoje ou o companheiro de amanhã.
A Justiça bem que tentou organizar o ambiente quando, em 2002, tomou por base o caráter nacional dos partidos expresso na Constituição e estabeleceu a regra da "verticalização", obrigando as alianças partidárias a seguir um critério mínimo de uniformidade nos âmbitos nacional, estadual e municipal.
Em 2006, o Congresso votou emenda constitucional para derrubar a norma e institucionalizar a balbúrdia ora em vigor.
Efeito cascata. Fato raro, a rejeição de indicações presidenciais de nomes para compor as agências reguladoras - como ocorreu com o indicado pela presidente Dilma à Agência Nacional de Transportes Terrestres há pouco mais de dez dias - não é inédita no Senado.
Lula passou por isso. Em julho de 2009 foi rejeitada a indicação de Bruno Pagnoccheschi para uma diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA) alegadamente porque o então presidente havia reagido à criação da CPI da Petrobrás dizendo que os senadores eram "bons pizzaiolos".
Antes, em 2003, havia sido recusada a nomeação de Luiz Salomão para a Agência Nacional de Petróleo e depois, também em 2009, a de Paulo Rodrigues Vieira, para a ANA, cujo nome foi apresentado de novo e aprovado devido a um acordo de Lula com José Sarney.
Agora, a recusa do nome de Bernardo Figueiredo ocorreu concomitantemente à divulgação de um manifesto da bancada do PMDB na Câmara que explicitamente reclamava do PT e implicitamente expressava a contrariedade com o modo Dilma de se relacionar com sua base.
A intenção foi dolosa e a reação do governo deu-se no mesmo padrão. Resultado: já são 20 dias de conflitos ininterruptos a tomar tempo e a interditar a resolução de questões importantes como a Lei da Copa, o Código Florestal, a distribuição dos royalties do petróleo e a mudança de sistemática na tramitação das medidas provisórias.
Não há clima para nada. Nem para ações decorrentes do Executivo, como a formação da Comissão da Verdade e a execução da Lei de Acesso à Informação, que obriga o poder público a abrir os dados oficiais à sociedade e entra em vigor daqui a menos de dois meses.
Temas de interesse público a respeito dos quais o Congresso teria papel crucial na conjugação do verbo parlamentar.
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