O risco do desalento
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Míriam Leitão
O
que há de desanimador no noticiário político dos últimos dias é ver o
vigor do arcaico. É difícil encontrar algo mais antigo na República do
que o truque de os políticos explorarem o drama das secas do Nordeste. E
é tudo tão parecido: famílias que dominam a política de estados pobres e
que encontram uma forma de ganhar nos contratos das obras contra as
secas.
O
deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) apresentou emendas que
beneficiaram a empresa de Aluízio de Almeida, seu assessor, com recursos
do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, cujo titular o
deputado indicou. Ele se defendeu dizendo que nada sabia da empresa; já o
funcionário se demitiu depois de 14 anos de bons serviços. Isso não
sana as dúvidas em relação ao fato de uma empresa de fachada ter
contratos milionários e um bode tomando conta da sede. O pobre do animal
foi desalojado depois de fotografado na sede vazia da empresa.
O
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas foi criado em 1909. Tem,
portanto, mais de um século. Nesse período, enriqueceu muitas famílias
da oligarquia nordestina. O órgão foi criado para aumentar a liquidez
dos ricos e não para eliminar a aridez da vida dos pobres. Uma vasta
seca voltou a machucar áreas do Nordeste, provando que um século não é o
bastante.
O
deputado faz sua campanha à bordo do avião do amigo e parceiro Newton
Cardoso (PMDB-MG). Foi a várias capitais do país reunindo-se com os
governadores e bancadas, num circuito cujo verdadeiro custo jamais se
saberá.
O
Senado será presidido novamente pelo conhecidíssimo Renan Calheiros
(PMDB-AL), aquele que saiu do cargo em 2007 no meio do escândalo de um
caso de promiscuidade explícita com empreiteira que pagava suas contas
íntimas. Para se defender, ele apresentou notas frias de venda de gado. A
liderança do PMDB, partido do vice-presidente, será do notório Eduardo
Cunha (RJ), com tantos e tão controversos casos em sua ficha.
O
Congresso se divorcia cada vez mais do sentimento do país. O futuro
presidente da Câmara usa como argumento de defesa os seus 11 mandatos.
Foi modesto. Deveria fazer até uma conta maior: com quantos mandatos de
Alves se fez a política do seu estado nas últimas décadas.
Mais
do que o Congresso, a política vai se distanciando dos cidadãos.
Quadros que poderiam representar uma novidade repetem os velhos erros de
relativizar valores. São Paulo vive uma situação surrealista pela união
entre o prefeito Fernando Haddad e Paulo Maluf. O velho e conhecido
político é influente na prefeitura a ponto de indicar secretários, mas
ao mesmo tempo foi condenado pela Corte de Jersey a devolver R$ 58
milhões à prefeitura. Uma dualidade dessas, de fazer parte do consórcio
do poder numa prefeitura à qual terá que indenizar por desvios é
surrealista. Até quando o prefeito Fernando Haddad vai fingir que não vê
essa fratura exposta?
Novos
casos de Renan Calheiros voltam a aparecer no noticiário. A empreiteira
Uchôa, de um empresário cujo irmão é sócio do filho de Renan, tem
contratos milionários com a Caixa, no programa Minha Casa, Minha Vida.
Não entrega as casas, mas a vida de todo o grupo Uchôa-Calheiros fica
bem melhor.
A
escolha de tais políticos para o comando do Senado, Câmara e liderança
de um dos grandes partidos da coligação governista produz desalento. A
indignação e revolta são sentimentos fortes, que mostram disposição de
luta. O desalento é a véspera da desistência. É mais perigoso. Quando o
eleitor vai sendo dominado por esse sentimento há o risco de que ele
considere que nada disso vale o preço que custa aos cofres públicos.
Esse é o maior dos prejuízos. |
domingo, 27 de janeiro de 2013
O Globo, 27 de janeiro de 2013.
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