Os benefícios da vergonha | Wed, 23 Feb 2011 07:02:02 -0300 | |
Ophir Cavalcante Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) As oito Ações Diretas de Inconstitucionalidade já enviadas ao Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil questionando o pagamento de subsídios a ex-governadores representam apenas uma parte do que parece ter se tornado norma nos estados da Federação. Há notícias de que em pelo menos 15 deles, portanto a maioria, o dinheiro público sustenta verdadeiras aberrações criadas dentro da administração pública, em total desacordo com a Constituição Federal. Em 2007, diante de um caso semelhante, o STF considerou que o sistema feria a Constituição; o benefício foi cassado e esperava-se um ponto final neste assunto. Porém, assim como existem aquelas leis que não “pegam”, decisões importantes, mesmo exaradas na mais alta Corte de Justiça, às vezes são ignoradas por usos e costumes de séculos de privilégios, necessitando de reforço pedagógico até serem assimiladas. É o caso atual. O que há de comum nas constituições do Pará, Rio Grande do Sul, Sergipe, Paraná, Amazonas, Acre, Piauí e Paraíba, todas questionadas pela OAB, é a desavergonhada tentativa, que mais se assemelha a um ardil, de nomear o benefício pago aos ex-governadores ou às suas viúvas como sendo verba de representação. Uma afronta à inteligência jurídica e uma chacota ao cidadão contribuinte, que afinal é quem paga a fatura. Verba de representação atende a situações mais complexas, envolvendo previsão orçamentária e comprovação de despesas pelo beneficiário, não é o caso dos ex-governadores, que nem sequer desempenham mais funções públicas. Estes, na verdade, estão sendo escandalosamente premiados, não importando quantos anos, meses, dias e horas permaneceram no cargo, por uma pensão vitalícia equivalente ao vencimento de um desembargador estadual. Daí decorrem situações no mínimo esdrúxulas, por exemplo, de um governador no exercício do mandato ter remuneração inferior ao do “ex”, que se equipara ao vencimento máximo de desembargador estadual. Mais esdrúxula ainda quando o referido “ex” esteve à frente do cargo numa interinidade medida por alguns dias apenas. E, se quisermos avançar um pouco mais, quando o “ex” acumula várias pensões por serviços prestados “ao público”. A situação choca, envergonha, denigre a administração pública ante a situação do trabalhador anônimo, aquele que, à custa de muito suor e privações, cede uma parte de seu salário por longos 35 anos à Previdência Social para dispor de algo que o ajude a sobreviver lá pela casa dos 65 anos em diante. Se nada fizermos, como poderemos dizer a este cidadão, ou cidadã, que lutamos por um País digno e pugnamos por uma justiça em que não haja distinção de classes? A Ordem dos Advogados tem evitado individualizar cada uma dessas situações por reconhecer os relevantes serviços que muitos ex-governadores prestaram aos seus respectivos estados e à democracia, mas entende o exercício da política como uma missão a ser enfrentada em prol da coletividade, e não de si mesmo. O político não recebe um emprego de vereador, prefeito, deputado, senador ou governador. Nem mesmo de Presidente da República. Eleito, recebe a missão e a confiança do povo, a quem representa. A iniciativa da OAB de levar adiante esses questionamentos junto ao STF é sustentada em dois princípios: primeiro, o da soberania da Constituição Federal promulgada em 1988 e sob a qual repousam as demais leis. O poder constituinte do estado-membro retira a sua força da Constituição e não de si próprio. Vale dizer, o pacto federativo resulta de uma autonomia que não é absoluta para os estados, na medida em que toda legislação só se legitima quando subordinada à Lei maior. O segundo princípio, que de fato resulta do primeiro, diz respeito à moralidade, impessoalidade e igualdade entre os brasileiros. Da mesma forma como não se pode admitir uma pensão vitalícia decorrente de um eventual mandato político, ninguém pode receber pagamento sem a devida contraprestação dos serviços que presta ou prestou. O tribuno e heroi romano Valério Corvo, contam os historiadores, depois de ocupar 21 cargos públicos, retornou a suas terras para viver da agricultura tão pobre quanto veio, sem requerer benefícios. Ora, direis, mas isto foi há 370 antes de Cristo. Não importa, se considerarmos que desta fonte se originam os modelos de república e os ideais de justiça perpetuados em nosso arcabouço legal até os dias atuais. Uma lei contra fraude eleitoral foi votada em 432 a. C, mas ainda hoje somos impelidos a mobilizar a população nas ruas para dar consistência ao voto. Nunca iremos parar. |
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Pensão vira verba de representação...
Correio Braziliense 24 fevereiro 2011
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