O Estado de S. Paulo,
2 de dezembro de 2012.
Deformações das MPs
O que
aconteceu com a Medida Provisória (MP) n.º 578 durante sua tramitação na Câmara
dos Deputados é um resumo perfeito das transfigurações por que pode passar um
projeto examinado pelos congressistas. Os deputados conseguiram transformar um
árido texto sobre depreciação contábil com apenas dois artigos em um projeto
com 36 artigos, tratando de dívidas de Estados e municípios, da prorrogação do
prazo para a adesão ao programa de refinanciamento de dívidas tributárias
conhecido como "Refis da crise" e até de questões trabalhistas.
Tiveram, pelo menos, o cuidado de manter os objetivos da MP original.
Assinada
pela presidente Dilma Rousseff no dia 31 de agosto, a MP 578 dispunha sobre
benefício fiscal às empresas, por meio da depreciação acelerada de alguns tipos
de veículos. Sucinta, a exposição de motivos do ministro da Fazenda, Guido
Mantega, justificava a medida como necessária para estimular o setor de
produção de caminhões, vagões e locomotivas, entre outros bens, "no
contexto do enfrentamento da crise internacional".
Na
comissão mista do Congresso que examinou a MP, o relator, deputado João
Magalhães (PMDB-MG), aceitou várias emendas apresentadas por seus colegas. O
projeto de lei de conversão que acabou sendo aprovado pela Câmara na
quarta-feira é um monstrengo jurídico.
Por
insistência do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) - que propusera, sem êxito,
medida idêntica durante o exame da MP 574, que caducou no início de novembro -,
o texto aprovado pela Câmara reabre o prazo para os contribuintes em débito com
a Receita renegociarem suas dívidas em condições favorecidas asseguradas pelo
Programa de Recuperação Fiscal (Refis). O prazo se encerrou em dezembro de
2010, mas a emenda incorporada pelo relator o estende para 28 de fevereiro de
2013. O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), advertiu
que o governo não assumiu compromisso com a sanção desse item.
Por outra
emenda, foi estendido também o prazo, que acabou em junho de 2011, para
renegociação, com descontos e parcelamento, de dívidas rurais inscritas na
dívida ativa da União, bem como de dívidas originárias do Prodecer.
O projeto
também estabelece que, até o dia 28 de fevereiro de 2013, Estados e municípios
em débito com o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep)
poderão negociar o parcelamento de suas dívidas em até 180 meses, por meio da
retenção dos valores equivalentes no repasse dos Fundos de Participação dos
Estados e dos Municípios.
Foi
incluída no projeto aprovado pela Câmara outra emenda de iniciativa do deputado
Sandro Mabel, determinando que os direitos do brasileiro que trabalha no
exterior serão regulamentados pela legislação do país em que trabalha - o que
exclui a possibilidade de aplicação da legislação brasileira quando esta for
mais favorável para o trabalhador, como ocorre hoje.
O projeto
de conversão é muito ruim - e por certo exigirá vetos da presidente da
República caso seja aprovado também pelo Senado -, mas poderia ser pior. Entre
as emendas rejeitadas pelo relator havia uma que estendia para o setor de
beneficiamento de castanha de caju a desoneração da folha de pagamento
instituída em 2011 e outra que simplesmente extinguia o exame da Ordem dos
Advogados do Brasil para ingresso na profissão de advogado.
Destino
semelhante ao da MP 578 pode ter a MP 577, que regula a extinção e a intervenção
nas concessões e permissões de energia elétrica, em exame pelo Senado. Entre as
emendas aceitas pelo relator da comissão mista da MP 577, senador Romero Jucá
(PMDB-RR), está a ampliação do limite do valor do imóvel financiado pelo
programa Minha Casa, Minha Vida e a extensão do prazo para usufruto dos
benefícios do regime de drawback. Louve-se, neste último caso, a persistência
de seu autor, senador Inácio Arruda (PC do B-CE). Ele tentara incluir essa
emenda também na MP 578.
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